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Rio: polícia investiga professores por assédio sexual em tradicional escola

Colégio Santo Inácio, no Rio - Reprodução
Colégio Santo Inácio, no Rio Imagem: Reprodução

Lauro Neto

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

16/06/2020 23h33

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar dois professores de ensino médio do Colégio Santo Inácio, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro. Eles são acusados de assédio sexual por ex-alunas da escola. As investigações estão a cargo do 10º DP (Distrito Policial), em Botafogo, onde o caso foi registrado.

Relatos de ex-alunas da instituição foram publicados no Twitter, de forma anônima, e revelados pela revista Veja Rio. Após a reportagem, o colégio afastou os docentes e encaminhou as denúncias à delegacia. Um funcionário prestou depoimento, hoje (16), e um terceiro professor foi citado. Como as estudantes eram menores de idade à época dos fatos, o inquérito corre sob sigilo.

A titular do 10º DP é a delegada Cristiana Onorato Miguel Bento, que investigou o caso do estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Morro da Barão, uma favela carioca, em 2016.

A reportagem do UOL esteve no 10º DP, mas não conseguiu contato com a delegada, que estava ocupada nas diligências. As informações sobre o inquérito e o depoimento foram confirmadas por três fontes ligadas à Polícia Civil.

O delegado Brenno Carnevale, que é formado no Colégio Santo Inácio, analisou o caso a pedido do UOL. "Há indícios de cometimento dos crimes de assédio sexual e importunação sexual. É fundamental que as vítimas prestem declarações e todas as informações na delegacia, justamente para que sejam possíveis a elucidação dos fatos e a devida punição dos eventuais culpados", afirmou.

"Inclusive, a delegada que está à frente da delegacia do bairro onde a escola está localizada tem experiência na condução de investigações de crimes sexuais contra menores, por já ter trabalhado na Delegacia de Criança e Adolescente Vítimas (DCAV), além de trazer uma sensibilidade feminina que é importante nesse tipo de caso", acrescentou Carnevale.

Também nesta terça, a mãe de uma das ex-alunas denunciantes participou de um depoimento online para uma ouvidoria externa contratada pelo Colégio Santo Inácio para apurar as denúncias de assédio sexual internamente. Inicialmente, a escola havia convocado as estudantes para depor dentro das dependências da própria instituição.

Apesar de a instituição de ensino ter enviado um comunicado à imprensa e às famílias dos estudantes em que dizia que uma das medidas adotadas seriam "reuniões virtuais para escuta de famílias, alunos e antigos alunos", o UOL teve acesso a e-mails enviados individualmente às denunciantes, em que a escola as chamava para uma "conversa" em um "espaço especialmente reservado para isso".

A mãe de uma das denunciantes chegou a confirmar o depoimento presencial dentro do Santo Inácio e recebeu a orientação de esperar no portão da escola, numa movimentada rua de Botafogo, mesmo durante o isolamento social em decorrência da pandemia da covid-19. Depois, a instituição de ensino decidiu transformar o depoimento em virtual.

"A equipe de ouvidoria/mediação independente está sendo montada e o processo definido para receber novas denúncias. Não serão recebidas no espaço da escola. A direção está reunida para definir o fluxo dos recebimentos e encaminhamentos das denúncias de forma a preservar a transparência e a imparcialidade no tratamento do que for apresentado", informou o Santo Inácio, em nota enviada ao UOL por meio de sua assessoria de imprensa.

Queixas à Companhia de Jesus

Algumas denunciantes enviaram as queixas também à Companhia de Jesus, responsável pela rede de educação jesuíta. É a mesma ordem religiosa do Papa Francisco, que tem sido proativo no combate à pedofilia dentro da Igreja Católica.

"Venho pedir atenção da Companhia de Jesus para os casos de assédio sexual que ocorrem no Colégio Santo Inácio. Numerosas denúncias têm sido feitas em redes sociais, mas como os responsáveis ocupam cargos de Direção e Coordenação no Colégio, é necessário que a Companhia tome as rédeas da situação. Diversas cartas foram mandadas assinadas por ex-alunos de vários anos diferentes exigindo atitudes por parte do Colégio, mas recebemos respostas insatisfatórias", diz uma das mensagens enviadas por denunciantes, às quais o UOL teve acesso.

A reportagem conversou com a remetente dessa mensagem, que diz ter denunciado os casos de assédio sexual à coordenação do 3º ano do ensino médio do Colégio Santo Inácio em 2016. Segundo ela, a coordenação afirmou que já tinha ciência dos fatos.

"Esse professor sempre fez piadas de duplo sentido, sobre corpo feminino. Machista. Tínhamos aula com ele desde os 14 e já recebíamos o aviso de que era para ficar longe dele. Ele nunca me tocou, como fez com outras meninas. Mas fui uma das pessoas que o denunciou à coordenação. A resposta foi de que a coordenação estava ciente e que era a última chance dele. A gente, nova, trouxa, acreditou. Dois anos depois, ele continuou fazendo as mesmas coisas. O colégio sempre soube, mas abafaram o caso. Isso é tão grave quanto o assédio. Deixaram um predador 'educar' meninas vulneráveis", ela diz, sob condição de anonimato.

As denúncias contra esse professor relatam as mãos nas coxas, no sutiã e nos seios de três diferentes ex-alunas. Em 2018, dois anos após as primeiras denúncias enviadas ao colégio, uma quarta estudante levou os relatos de assédio sexual ao conhecimento da direção.

O UOL teve acesso à cópia de um e-mail enviado à direção em 11 de outubro de 2018, com as denúncias contra o mesmo professor. Uma ex-aluna formada naquele ano afirma que "a diretora foi leviana e omissa".

"Não entendo por que essa diretora ainda não foi afastada pelo colégio. Essa diretora tem tanta certeza da impunidade que produziu provas contra ela mesma ao pedir que fosse enviada um e-mail para ela com as denúncias", diz a estudante, que pediu para que sua identidade fosse preservada.

Uma investigadora da Polícia Civil reforçou a importância de que as denunciantes prestem depoimento no 10º DP.

"Esse tipo de crime continuaria a acontecer com outras meninas caso elas não tivessem a coragem de denunciar, pois os criminosos mantêm a impunidade pelo medo que impõem à vítima. Sou mulher, já acompanhei diversos casos como esses em que os criminosos foram punidos, e a Polícia Civil está preparada para recebê-las com segurança e discrição, ainda mais com uma delegada à frente do caso", diz a policial civil.

A reportagem pediu um posicionamento da Companhia de Jesus por dois dias seguidos, mas não obteve respostas até o fechamento desta reportagem.