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Relatos de assédio de #ExposedEmo ganham redes sociais; por que só agora?

Onda de relatos apontou posturas de assédio de cantores de bandas emo; casos são antigos, mas vieram à tona recentemente - AlenPopov/Getty Images
Onda de relatos apontou posturas de assédio de cantores de bandas emo; casos são antigos, mas vieram à tona recentemente Imagem: AlenPopov/Getty Images

Nathália Geraldo

De Universa

12/06/2020 15h12

Um perfil no Twitter com mais de 31 mil seguidores, centenas de prints de conversas, acusações de assédio feitas por mulheres. O movimento Exposed — em que se expõe o agressor ou assediador de forma anônima e sem identificá-lo — ganhou as redes sociais. No início de junho, as denunciantes separaram os casos por cidades. Agora, uma nova onda de comentários sobre homens que têm/tinham bandas de sucesso surgiu com a #ExposedEmo.

O tema repercutiu, principalmente, após ter vindo à tona uma troca de mensagens de uma menina, à época, com 16 anos, com o agora ex-baterista do CPM 22, Ricardo Japinha. Ele foi afastado da banda e alegou, em entrevista para o UOL, não ter visto maldade na conversa. "Não teve uma conotação maldosa. Nunca faltei com respeito com ninguém. Teve um clima de descontração, de combinarmos de nos encontrar. Fluiu de forma agradável".

Com os casos reunidos pelo perfil @ExposedEmo1, há julgamentos e análises do comportamento das denunciantes por todos os lados. Por que não falaram antes? O ídolo se aproveitou mesmo da situação emocional da jovem? Cabe à internet julgar os relatos e os envolvidos?

Universa conversou com a Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian e com a psicóloga Fabíola Luciano, especialista em Terapia Cognitiva Comportamental pela USP, para entender o que está por trás deste cenário de denúncias de assédio.

Exposed Emo: o que aprender com casos que viralizaram no Twitter

Os relatos reunidos pelo perfil do Twitter trazem alguns detalhes de quando as denunciantes, ainda menores de idade, se aproximaram de seus ídolos durante shows, no camarim ou mesmo na troca de mensagens por redes sociais (abaixo, os prints da exposição de Japinha, que também se pronunciou sobre o caso em seu Instagram).

Nem todas as histórias reveladas agora, no entanto, são de assédio em termos legais. É o que explica a promotora Silvia Chakian. "O termo assédio vem sendo utilizado de forma popular nas redes em sentido amplo, para abranger condutas que na verdade seriam de importunações sexuais, perturbações e até estupro. Para a legislação penal, o assédio propriamente dito pressupõe relação de hierarquia ou ascendência em razão de cargo e função por parte de quem pratica".

Ainda que tipificado como crime, o assédio sexual é banalizado socialmente - comparado à gravidade de violências sexuais explícitas, como estupro - e, por vezes, subnotificado. Ninguém comenta o que viveu ou viu, porque há uma percepção de que o assédio é algo "menos invasivo" do que outro tipo de abuso sexual; apesar de poder resultar em efeitos psicológicos "tão graves quanto os em outros casos", pontua a psicóloga.

Assédio é visto como "menos invasivo"

"Ele pediu uma massagem", "Ele falou que queria namorar" são algumas das mensagens recebidas pelas meninas. A abordagem é feita quase sempre em um contexto de emoção entre a denunciante — uma fã, no caso da #ExposedEmo — e o assediador. É no meio de uma conversa, na oferta de uma carona pós-show que os casos apontados aconteceram, por exemplo.

"Infelizmente temos uma cultura de banalização desse tipo de comportamento sensual e sexual dirigido a meninas desde muito cedo", analisa Chakian. "E isso deve ser motivo de preocupação na nossa sociedade como um todo, que sofre com as estatísticas mais vergonhosas de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes."

Além das ocorrências serem relativizadas, os casos se tornam passíveis de julgamento ou tidos como boatos - especialmente quando o assediador tem relevância e admiração dentro de um grupo, como é o caso de músicos em uma cena local e sua relação com os fãs.

Envolve emoção

"Se a situação foi com um homem admirado pela menina, isso dificulta o reconhecimento do assédio. Em geral, as pessoas se vinculam pelas emoções e não analisando a intencionalidade do outro. O fato de admirar, de ser uma pessoa pública, contribui para negligenciar outros aspectos da relação, como um assédio", explica Fabíola Luciano.

Ou seja, o fato de a fã ter um "vínculo emocional prévio" com o homem dificulta a percepção de que a abordagem sem consentimento - seja pessoalmente, por redes sociais ou por telefone - passou de uma "cantada" para uma situação que a deixou desconfortável.

Diferença de idades

Na maioria dos relatos, as denunciantes eram, à época, menores de idade. Ser uma adolescente pode dificultar ainda mais o reconhecimento da situação de assédio, diz a psicóloga.

"Uma menina de 16 anos não tem o desenvolvimento emocional e os recursos compreender a intencionalidade da sexualidade por completo. Especialmente se a pessoa que estiver tendo esse comportamento de assédio já tiver um vínculo prévio emocional com ela. Aí, é muito possível que ela leve para um lado afetivo e sentimental", comenta. "O que também acontece com adultas, embora elas já tenham mais recursos para notar isso".

E por que não falou na hora?

A subjetividade implícita no assédio, somada aos fatores citados acima, faz com que a vítima não consiga dissociar o apelo emocional da situação. Conhecer o ídolo, estar perto dele também são pesos na balança para que a vítima não se manifesta sobre o ocorrido. "Talvez por isso se tenha essa visão mais tardia", comenta Luciana, que faz com que os casos tenham pipocado anos depois.

Quem contou sua história recentemente — ou mesmo quem leu algum dos tuítes que circulam e se identificou — precisa entender que não teve culpa. E que a suposta demora para falar sobre isso é normal. "A questão é entender qual era a sua interpretação no momento que você vivia isso e lembrar que a gente não tem como se responsabilizar pelo comportamento do outro. Então, olhar para a situação do passado e ser generoso com você".

Denúncias anônimas

Denunciar os casos nas redes sociais pode dar mais força para que mulheres façam queixas formais. Também faz com que as vítimas se sintam acolhidas, ainda que de forma virtual.

Silvia Chakian fala das medidas de cautela para que as denunciantes não sejam alvos de processos judiciais pela outra parte.

"A exposição desses casos na internet pode ser importante em um processo de superação o e instrumento de conscientização para outras mulheres. Mas alguns cuidados são fundamentais, como não expor a identidade, rosto ou dados pessoais do suposto autor da violência, uma vez que em muitos casos não houve denúncia seguida de investigação ou registro da ocorrência. É uma cautela fundamental para que essas meninas e mulheres, que já sofreram violência, não tenham que enfrentar ainda mais problemas", avalia.

A promotora explica que a legislação brasileira "também protege o direito de imagem, intimidade e prevê, em caso de violação, medidas penais (crimes contra a honra, por exemplo) e civis (indenizações por danos morais)".

É importante denunciar formalmente

Como a promotora explicou, há diferentes crimes de violência sexual — e cada um tem um prazo prescricional. É importante denunciar às autoridades a ocorrência e buscar orientação sobre o tema. "Por mais que seja difícil, é fundamental buscar apoio para que essa mulher seja fortalecida e consiga levar ao conhecimento dos órgãos competentes, que podem tomar providências. A denúncia pode ser feita por Boletim de Ocorrência nas delegacias, pelo telefone 180 ou mesmo via Boletim Eletrônico, nos Estados onde há essa possibilidade.