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"Não quis abortar meu bebê com má-formação e a gestação salvou minha vida"

Simone, com o marido Anderson e a filha Maria Isabela: ela descobriu uma trombose que não evoluiu - Arquivo Pessoal
Simone, com o marido Anderson e a filha Maria Isabela: ela descobriu uma trombose que não evoluiu Imagem: Arquivo Pessoal

Simone Machado

Colaboração para Universa

03/04/2020 04h00

A nutricionista Simone Marquesine, mãe de uma garota de 12 anos, engravidou do segundo filho em 2011. Logo nas primeiras semanas de gestação, descobriu que o bebê tinha diversas más-formações e não sobreviveria. Médicos aconselharam que ela abortasse. Simone não quis e seguiu com a gravidez.

Na 35ª semana de gestação, a nutricionista foi diagnosticada com trombose. Mais tarde, descobriu que o quadro só não evoluiu, podendo levá-la à morte, por causa de sua gestação. O bebê, que nasceria morto, foi quem salvou sua vida.

Ela conta essa história abaixo:

simone marquesine e a família - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Sou casada com o Anderson há 13 anos. Temos uma filha, a Maria Isabela, de 12 anos e em 2011 descobrimos que estávamos grávidos. Foi uma alegria muito grande, pois a nossa família iria crescer e nossa filha, na época com 3 anos, estava ansiosa para ganhar um irmãozinho.

No começo, a gestação parecia que ia bem. Na 12ª semana fui ao médico fazer os exames de rotina. Fiz uma ecografia e logo veio o primeiro susto: pediram para eu e meu marido assinarmos um termo de que estávamos conscientes que o nosso bebê podia ter doenças e más-formações.

Médico ficou com expressão estranha

Por obediência e responsabilidade, eu li. Mas, ao terminar, pensei: que dor para os pais que passam por essa experiência. Aquilo nem passava pela minha cabeça — afinal, eu tinha uma filha linda e saudável.

Entramos na sala ouvimos o coraçãozinho bater, mas percebi que o médico que estava fazendo o exame não estava com a expressão boa e passou a mão diversas vezes no rosto. Então perguntei: 'Doutor, está tudo bem?'

Ele me perguntou se eu e meu marido tínhamos algum grau de parentesco e pediu para tirarem da sala nossa filha Maria Isabela, de 3 anos na época, pois precisava conversar com a gente.

O médico nos disse que nosso bebê tinha má-formação: a calota craniana não havia se fechado.

Ele diagnosticou o caso como encefalocele occipital e também explicou que, além disso, o bebê tinha diversas outras más-formações. Naquele momento também ficamos sabendo o sexo dele: era um menino que ganhou o nome de Lucas, que significa luz.

Diante daquelas palavras, perdi o chão. Uma tristeza profunda tomou conta do meu coração e tudo parecia mentira.

Poucas chances para meu pequeno Lucas

simone marquesine, o marido e a filha - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Logo procurei o meu obstetra para relatar o caso. Ele disse que em 30 anos de medicina era o segundo caso que ele teve conhecimento, e que o primeiro o bebê não tinha resistido.

Ele explicou também que meu bebê poderia não aguentar até o final da gestação e eu também poderia optar por interrompê-la, já que praticamente não havia chances de vida para o meu pequeno Lucas.

Muitas pessoas nos perguntavam o que iríamos fazer, e nossa resposta sempre foi a mesma: Deus nos deu, só Deus vai nos tirar.

Eu já havia ouvido o coraçãozinho bater, jamais teria coragem de interromper aquela vida.

Então combinei com os médicos que levaria a gestação até 38 semanas, fase em que o pulmão já está formado. Assim, agendaríamos a cesárea e avaliaríamos a possibilidade de uma cirurgia neurológica no Lucas.

Foi um período muito doloroso para mim e meu esposo. Não sabíamos o que iria acontecer, mas lutamos com todas nossas forças, buscamos diversos especialistas e fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para que pudéssemos ter o Lucas com a gente.

Muita gente me dizia para abortar

Foram nove meses que pudemos amar e lutar pelo nosso Luquinhas. Às vezes, ficava angustiada ouvindo que não tinha possibilidades de ele sobreviver, mas nunca perdi a fé. Pedia a Deus que fizesse o melhor pelo meu filho.

Muitas pessoas falavam para eu abortar. Também era difícil ir às consultas e ver os pais saindo felizes, comentando sobre seus filhos, sobre cor dos olhos, sobre decoração de quartos, e eu não sabia o que aconteceria com o meu pequeno.

Em abril de 2012, senti dores na perna e muito inchaço. Estava na 35ª semana de gestação e faltavam vinte dias para a minha cesárea. Fui ao hospital e o médico vascular pediu um exame de ecocardiograma com doppler e disse para fazer repouso absoluto.

Diagnóstico de trombose e internação às pressas

Fiz o exame e o diagnóstico foi trombose. Fui internada às pressas para uso de anticoagulante. Os coágulos estavam próximos à virilha e havia um de extensão grande numa artéria próxima ao coração. Os médicos não sabiam exatamente a extensão dele, pois, por causa do bebê, não dava para ver com precisão.

O médico disse que aquele coágulo era de muito risco — e que o que me salvou foi a gravidez.

As palavras dele foram exatamente essas: 'Sabe quando encontramos uma pedrinha no caminho que nos faz parar, tropeçar? Então, seu bebê é quem te salvou, pois a gravidez impediu que o coágulo se deslocasse e, na situação que você está, isso poderia ser fatal a qualquer momento'.

O que o médico vascular não sabia era que meu bebê tinha uma má-formação e que muitos me incentivaram a abortá-lo.

Na hora fiquei sem chão. O médico explicou também que faria de tudo, mas que meu caso era de grande risco. Se eu entrasse em trabalho de parto, com o esforço, o coágulo poderia se deslocar.

Cirurgia de risco

Comecei a fazer um tratamento com anticoagulante 20 dias antes da cesárea. Mesmo assim, seria uma cirurgia de risco devido às grandes chances de eu ter uma hemorragia.

Foi um tempo de muita dor, porque além de todas essas complicações eu não sabia como meu filho nasceria. Só me restava orar. Pedi a Deus para que cuidasse de nós e também agradeci por ter me dado o Lucas, que salvou a minha vida.

Passado o tempo de tratamento, a cesárea foi marcada para 12 de maio de 2012. Lucas nasceu com 1,830 quilos e viveu 26 minutos. Não consegui vê-lo, tive hemorragia durante o parto e fiquei no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) por quatro dias.

O Lucas foi sepultado no dia seguinte. Meu marido e alguns familiares participaram desse momento. Ainda hospitalizada, eu não fui. Permaneci por mais 30 dias no hospital.

Terminei minha licença-maternidade, tomei medicamento para secar o leite, fiz tratamento para a trombose, com muita luta, mas com a maior certeza do meu coração: fiz a vontade Deus."

O que diz a medicina

A trombose venosa profunda é uma doença potencialmente grave, provocada pela formação de coágulos (os chamados trombos) no interior das veias profundas. Geralmente esses trombos se formam na panturrilha, mas podem também estar nas coxas e, ocasionalmente, nos membros superiores.

"Quando não tratada, a trombose pode evoluir para embolia pulmonar, que constitui uma doença grave, causa frequente de internação hospitalar e uma das principais causas de morte súbita nos pacientes internados", afirma o médico angiologista e cirurgião vascular Sthefano Atique Gabriel, da Clínica Médica Atique Gabriel, em São José do Rio Preto (SP).

A gravidez é um fator de risco para trombose venosa profunda. "A variação hormonal que ocorre na gravidez cria o ambiente perfeito para a formação do coágulo sanguíneo. Toda mulher grávida deve estar atenta para sintomas simples como dores nas pernas, inchaço e veias inflamadas", afirma o especialista.

O médico não quis comentar o que pode ter acontecido especificamente com Simone porque cada paciente age de um jeito, assim como cada coágulo. Na teoria, é possível que o bebê tenha ajudado o coágulo a não se mover. O que é seguro afirmar é que, por estar grávida, o diagnóstico foi feito precocemente, e isso ajuda a minimizar os riscos do deslocamento do coágulo.

"Estar na 35ª semana de gestação permitiu que ela desse mais atenção aos sintomas e buscasse pelo diagnóstico — o que lhe preservou a vida. Pelo quadro clínico, ela já apresentava sinais de embolia venosa e o destino final do coágulo seria o pulmão, o que poderia promover um comprometimento grave da saúde materno e fetal", diz o angiologista.