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Mãe sobre filha estuprada em beach club de SC: "Tem sequelas irreversíveis"

Mariana Ferrer contou que foi dopada e estuprada durante festa em beach club de Santa Catarina - Reprodução/ Instagram
Mariana Ferrer contou que foi dopada e estuprada durante festa em beach club de Santa Catarina Imagem: Reprodução/ Instagram

Camila Brandalise

De Universa

21/11/2019 04h00Atualizada em 29/12/2020 15h52

Quando sua filha de 21 anos chegou em casa, na noite do dia 15 de dezembro de 2018, Luciane Aparecida Borges se apavorou. A mãe conta que nunca havia visto a filha daquela maneira, abalada a ponto de escorregar pela parede. Imaginou que a jovem pudesse estar bêbada. Iria colocá-la no chuveiro quando viu que o body e a calcinha que ela usava estavam ensanguentados. Sua roupa também, e com um forte odor de esperma.

Chorando muito, Mariana Ferreira Borges, influenciadora conhecida como Mari Ferrer, mal conseguia reagir ao desespero da mãe. "Ela foi dopada e estuprada enquanto trabalhava", diz Luciane, taxativa, a Universa.

Naquele dia, Mariana estava trabalhando em uma festa do Cafe de La Musique, um beach club de luxo em Florianópolis, com outras 13 unidades no país, em locais badalados como Búzios (RJ) e Campos do Jordão (SP). Mariana atuava como embaixadora da casa, pessoa paga para divulgar o estabelecimento em redes sociais e comparecer aos eventos.

Após um exame pericial, foi constatado que havia esperma na roupa da jovem e que o material era compatível com o DNA do empresário paulistano André de Camargo Aranha, 42. Em julho, Aranha virou réu, acusado de estupro de vulnerável, no caso em que Mariana é vítima. Antes do exame, porém, o empresário havia afirmado à polícia que não havia tido qualquer contato físico com a jovem.

Quase um ano depois da denúncia, o caso segue sem desfecho. "Mariana vive praticamente dentro do quarto", afirma a mãe. "Tem sequelas que são irreversíveis. O estupro é muito isolador. Não bastasse o crime em si, ainda há a injustiça e a insensibilidade das pessoas que não sabem o quão devastador é esse crime", diz. "Em alguns momentos raros vejo minha filha tentando renascer, quando ouve música, ri um pouco comigo, com a irmã e a gatinha. Não consegue confiar em ninguém, se apegou muito mais a mim. Além dos tratamentos médicos, a Justiça é o que mais poderá fazer com que ela possa recomeçar a vida. Evidentemente, nunca mais será como antes."

Ao ser questionado sobre os motivos pelos quais seu cliente teria mentido sobre não ter tido contato físico com Mariana, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho limitou-se a dizer que "ele ainda não foi ouvido" em audiência e que "essa situação será esclarecida no interrogatório", marcado para fevereiro de 2020. Não falou mais justificando que o caso corre em segredo de Justiça e afirmou que a acusação "não encontra respaldo nas provas dos autos". A reportagem solicitou ao advogado uma entrevista com o réu, mas o pedido foi negado sob alegação de que Aranha não iria comentar o caso antes de falar na frente do juiz. Sobre o fato de a nova audiência ser marcada para daqui a três meses, o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) limitou-se a dizer que "a instrução do processo segue em curso" e que "não há data para julgamento".

"Infelizmente, somos caladas por um falso sigilo que diz proteger a vítima", afirma Luciane. "Na prática, só protege o estuprador e o estabelecimento. É uma monstruosidade", diz, sobre o que aconteceu com a filha, que prefere não falar sobre o caso. "O que mais me enoja e entristece é ver mulheres, homens e até pessoas da Justiça e da mídia tentando desqualificar um crime de estupro de vulnerável. Será que essas pessoas têm pedra no lugar do coração?" A tipificação do crime é decorrente do fato de o Ministério Público de Santa Catarina afirmar que a vítima foi dopada.


Histórico do caso

O registro da ocorrência de estupro foi feito em uma delegacia de Florianópolis no dia 16 de dezembro. Cinco meses depois, em maio, o caso não havia caminhado, e Mariana decidiu levar sua história ao Instagram, onde tem cerca de 400 mil seguidores. Foi a morosidade da Justiça que a fez compartilhar seus relatos, as provas do crime e os passos do processo na rede social. A história de Mariana viralizou e foi compartilhada por milhares de pessoas. Seus apelos pedindo Justiça foram divulgados inclusive por famosas, como Kéfera Buchmann. "A intenção dos criminosos sempre foi abafar o caso, por isso prezam pelo sigilo processual protegendo apenas os criminosos e não a vítima, tanto que a mesma teve que se expor e, só assim, a 'Justiça' começou a andar", diz Luciane.

Uma das provas é um laudo do IML (Instituto Médico Legal) mostrando que Mariana era virgem e teve o hímen rompido naquela época, o que poderia caracterizar estupro. Outro indício é o exame mostrando a compatibilidade do DNA de André Aranha ao esperma encontrado nas roupas de Mariana. O réu havia se negado a fazer esse exame, mas a delegada do caso na época, Caroline Monavique Pedreira, usou o material genético de um copo de água usado pelo empresário durante depoimento na polícia.

Aranha foi reconhecido no vídeo cedido pelo Cafe de La Musique em que um homem aparece subindo as escadas de um camarote com Mariana na noite do dia 15. Duas testemunhas ouvidas afirmam que se trata do empresário.

Na primeira audiência do caso, realizada no dia 31 de outubro, o motorista do Uber que levou Mariana para casa afirmou, em depoimento, que a vítima estava visivelmente alterada. "Ele afirmou que a Mariana estava sob efeito de substância entorpecente porque não estava normal. Ela repetia palavras, chorava muito, era visível que deram a ela algo que não era álcool", afirma a advogada de Mariana, Thayse Pozzobon, que acompanhou a audiência.

Os áudios divulgados por Mariana em sua conta no Instagram mostram a jovem falando com a mãe e com conhecidas que estavam com ela no estabelecimento. "Amiga, eu não tô bem, eu tô sozinha, não sei pra onde vou", diz ela, com a voz embargada. Para a mãe também afirmava, chorando, estar muito triste.

O advogado do réu afirma que "todos os laudos atestam que Mariana não foi dopada" e que as "próprias testemunhas demonstram que ela estava em perfeito estado mental". Questionado sobre o depoimento do motorista do Uber e sobre os áudios enviados por Mariana, Rosa diz que se passou muito tempo e que "não sabe o que pode ter acontecido horas depois" de a jovem ter subido as escadas com Aranha para ela ter ficado naquele estado. As primeiras mensagens de áudio enviadas por Mariana, porém, foram gravadas cerca de dez minutos depois do crime, que ocorreu entre 22h25 e 22h31, segundo o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina).

Sobre o processo, Luciane questiona o fato de o crime ter sido registrado na 7ª Delegacia de Polícia de Canasvieiras, mas o boletim de ocorrência aparecer como se tivesse sido registrado na 8ª DP, do bairro dos Ingleses. "Em todo o processo se referem como 8ª DP. Seria para engavetar o crime e também para que o número de ocorrências de Jurerê [ao lado de Canasvieiras] não apareça nas estatísticas", diz. Além disso, a idade de Mariana na guia do exame do IML aparece como se ela tivesse 35 anos. "Nunca consertaram que a guia de exame estava com 14 anos a mais", relata. A mãe ainda afirma não se conforma que as pessoas presentes no beach club não foram indiciadas e diz que, no decorrer do inquérito, provas foram obstruídas.

O réu

O empresário André Aranha foi indiciado pela Polícia Civil em julho. Desde que foi apontado como principal suspeito de ter estuprado Mariana, apagou perfis em redes sociais e a única foto que resta dele na internet é a que está anexada ao processo, em preto e branco, com data de 2014. Ele mora em São Paulo e trabalha no ramo de marketing esportivo. Seu antigo perfil no Instagram seria @andre11spyder, segundo postagens feitas em redes sociais, e essa conta que já foi marcada em publicações do ex-jogador Ronaldo Nazário, em viagens.

De acordo com a denúncia do Ministério Público, Aranha estava ciente de que Mariana era incapaz de oferecer resistência e, após ela consumir uma substância que alterou seu discernimento, foi conduzida ao camarote número 403, no segundo piso do estabelecimento, em uma área usada como camarim, apenas por funcionários e colaboradores, e de acesso restrito ao público.

A mãe e a advogada de Mariana afirmam ter recebido denúncias de outras mulheres que passaram por situação similar à da jovem, relatando também terem sofrido violência sexual dentro do Cafe de La Musique. A advogada pretende anexar esses depoimentos ao processo e apresentá-los à Justiça. "É um local que engana a todos, com uma falsa propaganda de um lugar saudável, seguro. Recebemos inúmeros depoimentos de vítimas desse local. As bebidas são batizadas e também têm pessoas que se prestam ao papel de dopar meninas escolhidas pelos estupradores", diz Luciane. "Fica bem claro pelos depoimentos insustentáveis de todos que querem esconder o crime."

O advogado do Cafe de La Musique, Leonardo Pereima de Oliveira Pinto, afirma que o clube de luxo prestou toda a ajuda necessária à polícia, cedendo imagens das câmeras de segurança, e é um dos principais interessados em solucionar o caso. Mas a casa não prestou ajuda a Mariana nem a procurou após a ocorrência ter sido registrada na delegacia. Leonardo afirma, ainda, que o beach club só não procurou Mariana por causa da "postura" dela nas redes sociais, expondo o que aconteceu. "A relação [entre a vítima e o estabelecimento] ficou conturbada porque Mariana passou a atacar o Cafe como se tivesse participado daquilo tudo", diz o advogado. Mas a jovem só começou a postar sobre o caso em maio, cinco meses depois de a casa tomar conhecimento do crime. "Ela nunca procurou o clube para pedir algum tipo de auxílio", afirma o advogado.

Luciane, mãe de Mariana, rebate a afirmação: "Posso disponibilizar conversas que tive com a contratante [pessoa responsável por contratar as embaixadoras] na mesma noite. Pedi socorro e explicações para o que tinha acontecido com minha filha. Pedi o contato de um sócio que é o responsável pelas embaixadoras, mas até hoje estou esperando [resposta]", atesta. "Como havia dito, eles nunca auxiliaram em nada. Pedi mais de uma vez que eles entrassem em contato, que ajudassem auxiliando nas investigações e nunca sequer houve nenhum contato dos mesmos e nem ajuda."

Mariana também foi procurada pela reportagem, mas preferiu que a mãe falasse por ela sobre o caso. "Não estou bem. A injustiça e absurdos que estão correndo só aumentam", justificou em conversa por mensagens no Instagram. A vítima foi diagnosticada com estresse pós-traumático e, segundo atestado médico, apresenta "tensão, ansiedade, fobia social, síndrome do pânico, transtorno depressivo recorrente, privação do sono".

Próximos passos

As próximas audiências estão marcadas para os dias 4 e 6 de fevereiro de 2020. Mais uma testemunha será ouvida, um segurança do Cafe de La Musique, além de Mariana e a mãe, Luciane. Depois, acontecem os depoimentos das testemunhas de defesa e do empresário André Aranha.

Em um dos documentos apresentados pela defesa, conforme compartilhado por Mariana, uma médica legista usou fotos antigas da jovem na tentativa de desqualificá-la, afirmando que há "aspectos profundos" da personalidade dela que "devem ser ressaltados e analisados, demonstrando, anteriormente aos fatos, um traço narcisista e exibicionista, conforme se observa". Além disso, Mariana sofreu ataques em um grupo de Whatsapp, em que, dizem, teria inventado o estupro para aparecer. No Instagram, pessoas ligadas ao Cafe de La Musique também afirmam que Mariana estaria mentindo.

O advogado do réu também afirmou à reportagem que por trás da acusação "esconde-se interesse pecuniário e midiático".

Advogada de Mariana, Thayse, especializada em violência contra mulheres, afirma notar um comportamento por parte da defesa semelhante ao que já presenciou em outros processos de estupro. "É bem comum procurarem um motivo para a vítima ter sido estuprada ou, então, desacreditarem o que ela diz. Normalmente são esses dois padrões."