Topo

Manual antirracista: Djamila lança livro e questiona privilégio branco

Djamila Ribeiro lança Pequeno Manual Antirracista - Marlos Bakker
Djamila Ribeiro lança Pequeno Manual Antirracista Imagem: Marlos Bakker

Nathália Geraldo

De Universa

05/11/2019 04h00

Autora de livros que discutem a questão racial, como "Quem tem medo do Feminismo negro" (Companhia das Letras) e "O que é lugar de fala?", da Coleção Feminismos Plurais (Letramento), a acadêmica e filósofa feminista Djamila Ribeiro lança nesta terça uma espécie de cartilha sobre racismo.

Em "Pequeno Manual Antirracista", Djamila fala para pessoas não-negras olharem para o próprio umbigo, o da branquitude, e analisarem que tipo de relação estabelecem (ou não) com pessoas negras e com o conhecimento que elas produzem. Quais autores negros você já leu? As pessoas negras ao seu lado viram as únicas fontes de informação sobre racismo?

Em 64 páginas, a escritora também aponta caminhos para combater a desigualdade racial no país e para que o leitor possa reconhecer em si o fato de ser racista, já que a opressão a pessoas por conta de sua raça "é sistêmica e não só individual", como explicou em entrevista para Universa.

"Racismo é um sistema de opressão que nega oportunidades a populações negras e indígenas no Brasil. Por mais que uma pessoa branca não se diga racista, o fato de ela ser branca significa que ela se beneficia desse sistema. Ela está do lado do privilégio. Não reconhecer ou entender o racismo, assim, acaba atrapalhando [a luta pelo fim dele]. É muito mais complexo do que dizer que não é racista."

Pequeno manual antirracista Djamila Ribeiro - Divulgação - Divulgação
Livro é da editora Companhia das Letras: preço sugerido de R$ 24,90
Imagem: Divulgação

A orientação vai na mesma linha da célebre frase da militante pelos direitos civis Angela Davis: "Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista".

No Brasil, entrar nessa briga passa por enxergar os sofrimentos diários de negros e negras como saldo negativo deixado pela escravização de africanos — que durou mais de 300 anos e não teve a reparação necessária para os negros — trazidos para cá.

Acabar com o racismo é luta de todos e todas

O debate sobre o fim do racismo, assim, precisa ser colocado na mesa para todos. E é esse chamado que Djamila propõe em "Pequeno Manual", que será lançado hoje, em São Paulo.

"O que você está fazendo ativamente para combater o racismo?"

Na introdução do livro, a autora já estabelece alguns parâmetros: "Mesmo que uma pessoa pudesse se afirmar como não racista (o que é difícil, ou mesmo impossível, já que se trata de uma estrutura social enraizada), isso não seria sufciente — a inação contribui para perpetuar a opressão", defende.

Humanizar pessoas negras, entender o significado de privilégio e olhar ao redor, além de entender o processo histórico que formou a sociedade brasileira são alguns dos "exercícios" propostos pela cartilha.

"As pessoas precisam entender o significado de privilégio, ele advém historicamente pela construção social do racismo. Foram mais de 300 anos de escravidão e, no pós-abolição, o negro não foi incluído de fato na sociedade brasileira", pontua. "Falta às pessoas o entendimento de como as desigualdades foram criadas. A origem social delas."

É só com essa retomada histórica, acredita a autora, que estaremos prontos para avançar em direção à igualdade social. "Pensar 'lugar de fala' é entender isso. E a partir daí, elaborar como se pode construir espaços menos desiguais. Como do lugar de privilégio que as pessoas estão, elas podem pensar a sociedade e construir outros espaços."

Rever os afetos

No capítulo "Conheça seus desejos e afetos", Djamila coloca holofote sobre as questões das mulheres negras que, entre várias formas de racismo, também sofrem com a hiperssexualização dos corpos. Para a autora, mudar os estigmas precisa ser um trabalho das pessoas brancas de revisão do tratamento dado às pessoas negras.

"Tem que nos tratar como as brancas, nos restituindo de humanidade. Nos tratar como sujeitos, não como mero objetos e mercadorias. Muitos dos tratamentos que recebemos é porque sequer reconhecem essa humanidade", detalha. "É preciso passar por um processo de desconstrução", sugere.

Criança no combate ao racismo  - VLIET/iStock - VLIET/iStock
Incômodo deve levar à ação para igualdade racial
Imagem: VLIET/iStock

Depois de reconhecer as desigualdades, não basta ficar no discurso. Se sentir incomodado com as faltas de acesso e de oportunidades de pessoas negras em vários espaços e com a discriminação racial deve levar à ação, indica a autora.

Algumas sugestões de como reverter o jogo são: apoiar ações e políticas afirmativas, questionar a cultura massificada que consumimos — que exclui ou se apropria da cultura negra —, contratar pessoas negras no mundo corporativo e ler autores negros, para entender o mundo pela visão deles. Olhar para a mídia que, por vezes, reforça estereótipos racistas, também é uma forma de se engajar na luta antirracista.

"Se você é empregador, deve [se perguntar] se você está empregando pessoas negras, se criou um comitê de diversidade que funciona. Quem tem poder, precisa pensar como está fazendo isso. Na prefeitura [de São Paulo] do Haddad [Fernando Haddad, gestão em que foi secretária-adjunta de Direitos Humanos], foi criada cota para negros, negras e afrodescendentes [mínimo de 20% das vagas e/ou cargos públicos]. É importante que os gestores públicos tenham esse olhar, assim como a lei de cotas federais."

No mundo corporativo, um jeito de ser antirracista é não criar práticas que afastem pessoas negras ou que são de baixa renda das vagas de emprego. "É preciso pensar se só pega currículos das universidades de elite. Se exige inglês fluente, entender que poucas falam o idioma no Brasil."