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Elas já passaram perrengue e hoje falam de grana para mulheres negras

Amanda Dias é empreendedora do "Grana Preta" - Divulgação
Amanda Dias é empreendedora do "Grana Preta" Imagem: Divulgação

Nathália Geraldo

De Universa

01/11/2019 04h00

Foi percebendo que não tiveram educação financeira na vida e analisando os perrengues que as famílias enfrentavam por falta de dinheiro que a youtuber e estudante de administração Nathália Rodrigues, de Nova Iguaçu (RJ), e a jornalista e empreendedora Amanda Dias, de Salvador (BA), resolveram criar negócios para falar sobre algo nem sempre bem resolvido entre os brasileiros: grana.

Criadora do canal "Finanças com a Nath", Nathália viu que seu pai perdia o controle com vários cartões de crédito, e não conseguia honrar os compromissos financeiros. Já a família de Amanda, fundadora do "Grana Preta", uma empresa de impacto social que dá cursos e consultoria financeira, sempre foi mais cautelosa no controle dos gastos. Até o dia em que o pai investiu em um terreno que perdeu valor no mercado e acabou quebrando.

"Meu pai era bem poupador, justamente por ter passado fome. Ele tocava um bar na rua da minha casa e acabou investido tudo que ganhou em um terreno. Só que investimento em imóvel já estava perdendo valor na época e ele faliu. É até engraçado falar disso, sendo negra e pobre, porque se entende que 'quebrar' é só coisa de brancos e ricos".

"Fazer mais com menos": jeito baixa renda de ser

Fato é que, se falir é um risco financeiro que não se restringe apenas a quem concentra muito dinheiro nas mãos, as duas perceberam cedo que, em suas perspectivas de vida, "fazer mais com menos" era uma realidade. Por isso, depois de dominarem macetes para poupar, empreender e ter equilíbrio financeiro, mesmo sendo baixa renda, resolveram explicar o caminho das pedras para outras pessoas — especialmente, mulheres negras.

Nathália e Amanda entendem que nem todo mundo vai ser Rihanna ou Oprah Winfrey, com fortunas que viram capa de revista. Mas têm uma missão em comum: falar de finanças com quem não tem muito.

Representatividade no discurso

Nathália Rodrigues - Divulgação - Divulgação
Nathália resolveu criar o canal Finanças com a Nath para falar sobre dinheiro com quem tem pouco
Imagem: Divulgação

Por serem mulheres negras, as duas também são referências de representatividade. "Eu via gente no Youtube falando de educação financeira explicando que era fácil guardar R$ 1.000, R$ 5.000 mensais. Podia ser fácil para eles, que sempre tiveram um suporte financeiro. Para meu público, digo que você deve juntar o quanto puder. Para quem não juntava nada, já é bom", explica Nathália.

A questão entre trabalho e remuneração e fórmulas "milagrosas" de ficar rico — comum na fala de coaches ou produtores de conteúdo de educação financeira na internet — também está no radar da youtuber.

"Algumas pessoas indicam que se vá trabalhar de graça, em estágio não remunerado, para agregar valor. Mas para o pobre isso não existe, ele não vai pagar a conta de luz com isso. Trabalhar de graça é para quem tem grana", afirma. "Infelizmente, temos desigualdade social, de raça e de classe, e não dá para acreditar que se vai investir R$ 1.000 do seu salário e que isso vai se transformar em R$ 1 milhão."

Amanda explica que, por trás desse discurso, há uma desigualdade estrutural econômica pouco falada. E é ela que gera uma disparidade salarial do país, que faz com que mulheres negras permaneçam na base da pirâmide social e ganhem muito menos que homens brancos.

Faz parte da proposta do Grana Preta, segundo Amanda, ensinar empreendedoras a conseguir driblar esses perrengues estruturais e falar de forma franca sobre finanças pessoais. Ela, inclusive, está preparando um curso de gestão financeira para microempreendedoras e autônomas.

"Quem não tem dinheiro precisa de organização dobrada, para fazer mais com menos e ter o mínimo de qualidade de vida. Hoje, um salário já não supre esse mínimo. É impossível viver com R$ 1.000 em cidades como Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro", analisa a coach financeira.

Rica x com controle financeiro

Amanda Dias da Grana Preta - Divulgação - Divulgação
Amanda fez especialização em coach financeiro: ela quer que mulheres virem polos de conhecimento financeiro
Imagem: Divulgação

Para ela, a ideia de prestar consultoria a empreendedoras negras surgiu de forma despretensiosa. Como sempre se planejou financeiramente, Amanda conseguia viajar e realizar alguns sonhos em que o dinheiro era uma parte importante.

"Minhas amigas falavam que eu era rica, mas eu dizia que todo mundo podia fazer, que podia investir títulos no mercado financeiro", conta. Foi falando para sua rede, então, que Amanda percebeu que informações sobre equilíbrio financeiro precisavam ser compartilhadas com mais gente. Com um edital de incentivo a empreendedoras de impacto social, ela impulsionou o Grana Preta, no meio deste ano.

"Eu não escolhi que o público fosse o que é hoje: mulheres negras, entre 24 e 34 anos. Mas eu coloquei a página no ar com a minha cara, e as mulheres chegaram. Meu propósito de trabalhar com elas é sejam um polo de educação financeira para a família, para outras mulheres, na comunidade delas", explica.

Para Amanda, compartilhar conhecimento é uma das heranças que pessoas negras carregam quando se veem em núcleos. "Tudo dentro da comunidade negra é muito redistributivo. Quando a gente tem conhecimento, quer compartilhar, tem uma comida, quer dividir. Isso está na nossa memória ancestral".

Ok, vamos às dicas práticas

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Para quem tem baixa renda, cartão de crédito, investimentos e controle financeiro podem ser palavras pouco convidativas. A pedido de Universa, Nathália e Amanda elencaram dicas práticas para quem quer entrar nos eixos financeiros — e desmistificaram alguns temas da educação financeira.

1. Organizar dinheiro não é chato

"A maior dificuldade de quem é pobre é ter o hábito do controle financeiro. Mas é possível fazer isso diariamente ou semanalmente, ou anotando no caderno com receitas, despesas e cartão de crédito (e descrevendo tudo que está na fatura), criando uma conversa no WhatsApp com você mesmo para anotar os gastos do dia a dia ou lançando em planilha ou em aplicativo", explica Nathália.

2. Cartão de crédito não é vilão

Fazer as pazes com a fatura, se necessário, diminuindo o limite do cartão de crédito, pode ser uma saída para quem não costuma ter muito dinheiro no ato. "O cartão pode ser usado quando a geladeira queima ou acontece alguma emergência", comenta a youtuber. "É preciso saber só em quantas vezes vai parcelar a compra de uma nova, por exemplo. Não pode fingir que não existe fatura no final do mês nem criar várias contas ao mesmo tempo".

3. Cortar, otimizar ou ter outra fonte de renda?

Antes de qualquer movimento na vida financeira, é importante calcular seu custo de vida básico, "aquilo que vai precisar ser pago mesmo sem renda extra, como alimentação, aluguel, transporte", explica Amanda.

No Grana Preta, as alunas aprendem isso na mão. "É regra de três e calculadora. É que as mulheres acham que não sabem lidar com matemática, como reflexo do nosso sistema de ensino. Mas sabem, sim."

Depois de fazer essa conta, a mulher deve avaliar se precisa cortar gastos, otimizar gastos ou ter renda extra.

4. Consumindo demais? O que cortar?

As especialistas indicam que a mulher se atente a seus gatilhos de consumo. O que está comprando sem necessidade, e entender onde dá para fechar a torneira dos gastos.

"Às vezes, o jovem que nunca teve dinheiro e começa a ganhar R$ 500 já acha que é muito. Eu mesma, quando tinha 15 anos e ganhei meu primeiro salário, gastei tudo com comida e roupa: comprei um pote de sorvete só para mim, fui no McDonald's sozinha. Foi um grande erro, que me deu um aprendizado. Se eu quisesse ter feito um curso ou viajado naquela época, não ia conseguir", explica Nathália.

5. Traçar metas reais

Metas alcançáveis, como fazer uma viagem, estudar em um curso, precisam de planejamento. Por isso, é importante fazer pesquisa com antecedência e começar a guardar dinheiro o quanto antes.

6. Se informe sobre economia

Faz parte do conteúdo de Nathália falar sobre inflação, investimento, diferença de taxas bancárias em TED ou DOC, Tesouro Direto.

Assim, canais no Youtube, sites e contas em redes sociais podem ser fontes de informação sobre com uma linguagem mais acessível. "A gente escuta no Jornal Nacional que a inflação subiu ou desceu e não sabe como isso muda na nossa vida. Eu tento explicar com exemplo simples: se o tomate custava R$ 10/quilo e no final do ano, teve aumento de inflação, ele pode passar a custar R$ 15/quilo", explica a youtuber.