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Luto inacabado: relatos de mães que vivem em busca de filhos desaparecidos

Grupo Mães da Sé, que reúne mães de desaparecidos - Divulgação
Grupo Mães da Sé, que reúne mães de desaparecidos Imagem: Divulgação

Breno Damascena

Colaboração para Universa

24/09/2019 04h00

Foram sete anos de exames, medicações e um tratamento rigoroso até Bibiana Gonçalves Brasil finalmente conseguir realizar o sonho de engravidar. O Dia das Mães passou a ser um momento de celebração após o nascimento de Wesley e, em seguida, de Yara. No entanto, essa alegria se tornou dor quando ela recebeu a pior notícia da sua vida. O filho primogênito tinha desaparecido.

Naquela Sexta-Feira Santa, 30 de março de 2018, Wesley, então com 32 anos, saiu de casa sem dinheiro ou documento, apenas com a roupa do corpo e o celular. Ainda não voltou. "Pensei que era uma coisa passageira, que a dor logo iria acabar", diz Bibiana. Natural de Crato, Ceará, ela se mudou para São Paulo em 1981 e morou com os filhos na cidade até 2013, quando se separou do marido e voltou sozinha à cidade natal. Logo após saber do ocorrido, voltou a São Paulo a fim de encontrar o rapaz, que era segurança e trabalhou por oito anos na mesma empresa.

Naquele momento, ela não imaginava a complexidade da situação. A mulher conta que a ficha caiu apenas após o aniversário de Wesley, neste ano. "Comecei a perder as forças, a entrar em depressão e não conseguia reagir", conta. Bibiana voltou a morar com o ex-marido e a trabalhar em um hotel. "Não tinha aonde ir, acabei ficando. Estou tomando antidepressivo, nem consigo comer direito. É muito difícil."

Apesar da distância nos últimos anos, Bibiana diz que tinha um bom relacionamento com Wesley e que conversavam todos os dias. "Ele sempre foi muito carinhoso comigo e apegado." Ela alega que não recebeu suporte do Estado e, por isso, a procura se tornou ainda mais difícil. "No começo eu tinha fé, esperança. Agora estou revoltada, irritada. Sem saber lidar com a situação. É um pesadelo."

No ano passado, 24.368 pessoas desapareceram em São Paulo, segundo dados do Ministério Público do estado. A esperança e a angústia parecem caminhar juntas para as mães que vivem sob a expectativa de que os filhos que sumiram voltem para casa. Foi pensando em aliviar esse doloroso processo que, em março de 1996, nasceu a Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), conhecida como Mães da Sé.

A entidade trabalha em parceria com órgãos públicos, ministérios, conselhos tutelares, polícias e iniciativas públicas e privadas para buscar soluções e amenizar a dor das pessoas que estão em busca de entes queridos que desapareceram. Além disso, oferece serviços de apoio jurídico e psicológico para as mães que, no segundo domingo de cada mês, se encontram na praça da Sé, no centro de São Paulo, para chamar a atenção para os casos na esperança de que alguém possa dar notícias. Apesar de ter sede em São Paulo, a associação atende familiares e amigos de pessoas desaparecidas de todo o país.

"Você morre um pouco a cada dia"

"Quando você vive uma dor sozinha, ela dói mais", diz Ivanise Esperidião da Silva, uma das fundadoras da organização. Há 23 anos e 8 meses, sua filha Fabiana, então com 13 anos, desapareceu a 120 metros da casa em que moravam. Começou a procurá-la desde que sentiu sua falta e nunca mais parou: "Já cheguei à beira da loucura".

Durante esse processo, Ivanise chegou a ser internada por desnutrição, mas, depois de oito anos de terapia, conseguiu voltar a ficar em pé. "Convivo com a incerteza. É uma dor que não tem remédio, é um luto inacabado. Essa dor é pior que a morte porque você morre um pouco a cada dia", diz. "Todos os dias ao acordar e todas as noites ao dormir, essa é a primeira coisa que passa pela minha cabeça."

Ivanise conta que 4.958 pessoas foram encontradas com a ajuda das Mães da Sé e isso reforça a esperança que tem de encontrar sua filha. "Meu coração acredita. E pressentimento de mãe funciona", diz. Com essa mesma convicção, Acione Erolina se mudou do Pará para a capital paulista para participar das buscas do filho.

Acione consegue pronunciar poucas palavras sem se engasgar com o choro ao falar de Cleberton Felipe Gonçalves, visto pela última vez em junho deste ano vez no município paulista Santa Cruz das Palmeiras. "A gente nunca se imagina do outro lado. Sem saber o que ele comeu, com quem ele está, como está? Eu só estou sobrevivendo." Ela diz que Cleberton foi para São Paulo trabalhar. "Ele tem ambições para mudar de vida. O sonho do filho sempre é ajudar a mãe."

Ao saber do desaparecimento, a técnica em enfermagem saiu apressada de São Miguel do Guamá, no Pará, rumo a São Paulo. Com a ajuda das Mães da Sé, está se mantendo na cidade enquanto procura o filho. Precisou, no entanto, deixar a mãe de 75 anos e os outros dois filhos em segundo plano por causa dessa busca. "Minha mãe é hipertensa e precisa de cuidados. Nossa família é muito grande e esse amor tem que ser dividido."

Ivanise acompanha de perto a história e a conversa com a Acione. "Como o caso é muito recente, ela ainda está em choque, chora o dia quase inteiro", diz. "É uma dor muito intensa. Vivemos com a incerteza constante, mas sabemos que nossa vida não é e nunca será a mesma."