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"Apanhei por ser lésbica; hoje, minha mãe está organizando meu casamento"

Clara Marina, 23, sofreu quando seus pais não aceitaram sua sexualidade, mas conseguiu se reconciliar com eles - Getty Images/iStockphoto
Clara Marina, 23, sofreu quando seus pais não aceitaram sua sexualidade, mas conseguiu se reconciliar com eles Imagem: Getty Images/iStockphoto

Jacqueline Elise

Da Universa

25/04/2019 04h00

A jornalista Clara Marina, 23, de São Paulo (SP), soube que era lésbica na adolescência. Por imposição dos pais, que a consideravam muito rebelde, passou a frequentar um grupo de jovens da igreja católica e lá conheceu sua primeira namorada. A mãe de Clara fuçou seu celular e descobriu sobre o relacionamento.

Clara afirma que a mãe "enlouqueceu" quando soube de sua sexualidade. Ela chegou a apanhar e passou um ano tendo sua vida controlada em todos os aspectos. Foi só quando Clara entrou em depressão, após o término do namoro, que seus pais passaram por uma transformação. Hoje, conta, eles se reconciliaram e a mãe dela até já planeja o casamento da filha com a nova companheira. Conheça a história de Clara:

"Eu tinha 15 anos quando meus pais descobriram que eu sou lésbica. Eu estava frequentando a igreja católica porque eu era meio 'porra louca', batia de frente com o que eu achava que estava errado e sempre fui uma adolescente bem feminista. Minha mãe disse que se eu quisesse continuar tendo liberdade, teria de ir à igreja. Foi no grupo de jovens da paróquia que eu conheci a Michele e a gente se apaixonou. Meus pais começaram a desconfiar. Minha mãe sempre foi uma pessoa muito liberal, mas também vivia olhando meu celular, e começou a ler as coisas que a Michele me mandava.

Teve uma época em que minha mãe estava muito paranoica com isso, então decidi mudar o nome da Michele na minha agenda para Luan, para que pensasse que era um homem me mandando mensagem. Até que, um dia, a Michele me deu um livro. Acabei falando que era um presente da Michele, que minha mãe pensava ser minha amiga, mas minha mãe rebateu: 'Ué, na mensagem do celular dizia que quem te deu o livro foi o Luan'. Tentei desmentir, mas não deu.

Ela ficou enlouquecida, bateu portas em casa, disse que isso era inadmissível. Ela passou o dia trancada no quarto chorando sem parar. Quando meu pai chegou em casa, ela virou para ele e disse: 'Bate nela'. Apanhei feio do meu pai. Ele me bateu com lágrimas nos olhos. No dia seguinte, fui à escola toda machucada.

Minha mãe é psicóloga, minha família é cheia de artistas, então eu realmente não imaginava que haveria essa reação quando eles ficassem sabendo. Me proibiram de contar sobre minha sexualidade para outras pessoas da família. E detalhe: eu tenho um primo gay, que desde a infância dele todos sabiam disso, mas ninguém teve problemas com a sexualidade dele. Comigo, foi o caos. Lembro que uma vez eu mencionei para minha mãe que meu primo ia casar com o namorado dele e ela achou lindo, ficou superempolgada e queria ser madrinha. Ai eu perguntei: 'Mas e quando eu for casar?'. Ela disse que só iria se já estivesse internada em uma clínica psiquiátrica.

Meus pais passaram a controlar tudo que eu fazia: eu não podia sair de casa, não podia ter celular, eu tinha que ir para casa direto depois das aulas, e minha mãe me proibiu de ir à igreja porque descobriu que, além da Michele, também já tinha ficado com outra menina de lá. Minha mãe também me colocou na terapia com o objetivo de fazer com que eu 'voltasse a ser heterossexual'.

Meus pais tiveram muitas atitudes lesbofóbicas no começo. Minha mãe é psicóloga freudiana, e ela acreditava que todas as questões da mulher tinham a ver com a ausência da mãe. Então ela achava que eu procurava na Michele coisas que eu não tinha em casa.

Fiz um ano de terapia e, no final, a psicóloga chamou meus pais para conversar e disse: 'Olha, vocês a trouxeram aqui por um motivo, mas não tem o que ser tratado. Ela já sabe o que quer, de quem ela gosta e quem precisa de terapia são vocês'. Comecei a finalmente pensar que isso não era uma fase: ou meus pais me aceitavam ou eles iam me perder de vez. Eles começaram a fazer sessões de análise também.

Depois disso, a Michele, que é chefe de cozinha, foi contratada para trabalhar com meu tio, que tem um restaurante de comida tailandesa. Assim, minha mãe passou a conviver mais com ela e foi vendo que ter uma filha lésbica não era um bicho de sete cabeças, mas ainda era difícil para ela me entender.

As coisas realmente mudaram no meu aniversário de 20 anos. Comemorei no restaurante do meu tio, minha família toda estava lá, e a Michele terminou comigo no mesmo dia. Ela me deu parabéns meio seca, e contou que meu traiu, se apaixonou por outra mulher e que ia me deixar para morar com ela. Você não faz isso no aniversário de alguém, especialmente da sua namorada, mas ela fez.

Eu caí numa depressão pesada, e minha família ficou muito envolvida nisso. Quando perceberam meu estado emocional, eles entenderam que minha relação com a Michele não foi uma coisa do momento. Na época, eu morava em Campinas e fazia faculdade lá, mas voltei a viver com meus pais em São Paulo porque eu estava muito frágil.

Minha mãe me arrumou um novo psicólogo, voltei à terapia e foi ela quem me deu forças para superar o término e seguir em frente. Foi assim que a gente começou a se entender de verdade. E olha que curioso: dois anos depois, as coisas estavam um pouco melhores em casa e minha irmã tomou coragem para se assumir lésbica também.

Hoje, tenho uma nova namorada, estamos juntas há dois anos e vamos nos casar. Minha mãe está até planejando nossa festa, chá de panela, tudo. Meu pai é um cara muito fechado, mas ele garante que só quer me ver feliz. Foi um processo longo e doloroso, mas agora somos muito próximos".

* O nome foi trocado para proteger a identidade da personagem.