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"Viajei dos EUA a São Paulo de Fusca, ajudando muita gente pelo caminho"

Yamara, 27, criou o projeto Quilômetros do Bem para entregar fusca para mãe - Arquivo Pessoal
Yamara, 27, criou o projeto Quilômetros do Bem para entregar fusca para mãe Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

11/12/2018 04h00

A publicitária Yamara das Dores Silva, 27, saiu de Interlagos, em São Paulo (SP), com destino aos Estados Unidos para fugir da "vida de escritório", com a qual ela estava infeliz, e, quem sabe, conhecer o cantor Justin Bieber. Voltou de lá oito meses depois em um Fusca amarelo. Nos 17 mil quilômetros rodados para chegar ao Brasil, ela fez muito trabalho voluntário pelo caminho. Veja a história completa: 

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A publicitária rodou 17 mil quilômetros e passou por nove países - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A publicitária rodou 17 mil quilômetros e passou por nove países
Imagem: Arquivo Pessoal

"Fui para os Estados Unidos em março porque estava cansada da vida no escritório. Por isso, fui para a Califa [Califórnia] mais com cara e coragem do que dinheiro.

Fiquei seis meses lá. Neste meio-tempo, eu realizei o meu sonho de encontrar Justin Bieber. Depois disso, eu resolvi que queria fazer mais coisas e foi quando veio à minha cabeça a lembrança do Fusca amarelo da minha mãe.

Quando eu era criança, minha mãe havia comprado, com muito esforço, esse carro, e ela estava muito feliz. Mas, logo depois, ele foi roubado. Isso ficou muito marcado em mim. Coloquei na minha cabeça que ia devolver o carro para a minha mãe. Por isso, decidi que, com o dinheiro que eu havia juntado nos Estados Unidos, eu compraria o carro.

No entanto, não queria entregar apenas o bem material, mas também uma grande história para minha mãe. Foi assim que surgiu a ideia de falar com os meus 37 mil seguidores do Instagram para arrecadar dinheiro para o projeto Quilômetros do Bem, para que eu pudesse percorrer com o carro o trajeto de San Diego, nos Estados Unidos, até São Paulo fazendo trabalhos solidários pelo caminho. .

O ponto de partida

Inicialmente, eu aprenderia a dirigir o carro no México para continuar a viagem. Como nasci sem a mão direita, eu consigo dirigir carros automáticos, mas teria que aprender a usar o câmbio manual. Porém, um primo meu, o Junior, viu a história e se empolgou com o projeto social. Ele foi até os Estados Unidos só para fazer a viagem comigo.

Peguei o carro no dia 4 de setembro. No dia seguinte, eu resolvi a papelada dele e nós partimos à noite. Sem fazer revisão nenhuma nem nada. Na minha cabeça, eu achei que eram 9 mil quilômetros de viagem, mas depois eu descobri que eram 15 mil quilômetros. A gente acabou percorrendo 17 mil quilômetros.

A jovem teve alguns perrengues no meio do caminho - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A jovem teve alguns perrengues no meio do caminho
Imagem: Arquivo Pessoal

Perrengues

Logo no começo da viagem, o Fusca amarelo parou. Estávamos perto de Mexicale, no México. Estávamos no meio do deserto, mas logo apareceu alguém para nos ajudar. O carro tinha parado porque estava muito quente. O mecânico nos informou que deveríamos viajar, preferencialmente, à noite, e parar de duas em duas horas para resfriar um pouco o motor.

A viagem toda foi assim. As pessoas surgiam do nada para nos ajudar. Conhecemos muitas pessoas boas e todas dispostas a nos dar uma mão.

Em Guadalajara, tentaram roubar o Fusca. O Junior me acordou às 2h da manhã gritando, dizendo que alguém estava tentando levar o carro. Eu e ele descemos da casa onde estávamos hospedados gritando, em português, e, felizmente, eles não conseguiram levar o carro.

Em algumas cidades, nós havíamos conseguido hospedagem com os seguidores do meu Instagram. Mas, em 98% da viagem, a gente dormiu dentro do próprio Fusca. Ainda assim, não me senti insegura em boa parte do trajeto.

Yamara, Junior e Fernanda, em Guadalajara, no México - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Yamara, Junior e Fernanda, em Guadalajara, no México
Imagem: Arquivo Pessoal

Trabalhos solidários

Eu achei que conseguiria fazer toda a viagem ajudando instituições solidárias que estariam pré-definidas por mim, mas não batia com o trajeto. Por isso, começamos a perguntar nos lugares que parávamos se as pessoas sabiam de ONGs e instituições que poderíamos ajudar. A gente trabalhou com bichos, morador de rua, em apoio às comunidades LGBT...

Teve uma família em Guadalajara, no México, com quem tenho contato até hoje. Era uma mulher que era mãe de duas meninas cadeirantes e um menino com Síndrome de Down. Passamos o dia com uma das meninas, a Fernanda. Ela era muito inteligente, tinha um projeto de vida, uma carreira. Eu me identifiquei muito com ela, porque nós duas fazíamos as coisas acontecerem apesar das circunstâncias.

Em Honduras, uma atendente de um posto de gasolina disse que havia escolas e igrejas abrigando pessoas que tinham perdido tudo por conta da chuva. A situação era muito desumana: eram galpões enormes cheios de gente, que a comunidade estava ajudando, mas Honduras é um país é muito pobre. Eu doei absolutamente todas as minhas roupas para eles.

Eu e meu primo fomos a um mercado, fizemos uma compra de água e mantimentos e passamos a noite com eles. Mexeu muito com a gente ver a forma como eles estavam vivendo --e não saber se um dia eles conseguirão se reerguer. 

Em El Salvador, fomos até um dormitório público de pessoas mais velhas e não nos deixaram entrar. Mas conhecemos a Laura, uma moradora de rua de quase 80 anos. Nós jantamos com ela, trocamos muita ideia. Ela era muito sozinha, mas dizia que estava muito feliz por eu estar voltando para minha mãe.

Yamara saiu de San Diego no dia 5 de novembro - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Yamara saiu de San Diego no dia 5 de novembro
Imagem: Arquivo Pessoal

A chegada

Cheguei na fronteira do Brasil no dia 5 de novembro, pelo Acre. Não fizemos mais paradas e chegamos em São Paulo no dia 9 de novembro, supertarde da noite. Logo na entrada de São Paulo, encontramos um pessoal que estava nos acompanhando pelas redes sociais, felizes porque finalmente havíamos conseguido.

Porém, fiquei quieta e fiz uma surpresa para minha mãe no dia 10 de novembro, quando entreguei o Fusca amarelo para ela e fizemos uma festa em um bar, onde o pessoal levou um quilo de alimento não perecível para doarmos para pessoas carentes. Eu nem sei explicar o que senti. Estava há oito meses fora de casa, tinha feito uma viagem bastante intensa e finalmente estava devolvendo o Fusca para minha mãe. A gente chorava loucamente, porque não acreditava no que tinha feito. Não planejei absolutamente nada. Não fazia ideia do que eu ia fazer.

A gente continua com o projeto Quilômetros do Bem. Tenho entregado a comida que arrecadei para algumas pessoas que indicam para a gente, que sabem que passam por necessidade. Descobri que é isso que eu quero fazer da vida. Não vou mais voltar para o escritório."