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"Fui vítima de erro médico, quase morri e preciso viver com cicatrizes"

Carolina Rinaldi, 27, ficou com oito cicatrizes na barriga após quase morrer de infecção aos 12 anos - Arquivo Pessoal
Carolina Rinaldi, 27, ficou com oito cicatrizes na barriga após quase morrer de infecção aos 12 anos Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

01/11/2018 04h00

A jornalista Carolina Marchiano  Rinaldi, 27, tinhas 12 anos quando o médico descobriu um problema simples no seu estômago, cuja solução era uma videolaparoscopia --intervenção pouco complexa. "Meu médico era conhecido por fazer várias no mesmo dia, o mais rápido possível”, conta a jovem à Universa. Porém, Carolina quase não saiu do hospital, onde entrou em fevereiro de 2004.

O cirurgião de São Caetano do Sul (SP), que ela prefere preservar a identidade, cometeu um erro durante a operação que quase lhe custou a vida. “Foram 21 dias no hospital, quatro deles na UTI”, conta. Dos dias que passou no hospital, ficaram oito cicatrizes na barriga que, durante a adolescência, foram motivo de vergonha. “Hoje em dia, entendo que faz parte da minha história, do que sou”, fala Carolina. Leia o depoimento dela:

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“Com 12 anos, descobri que eu tinha hérnia de hiato, um problema no estômago que causava refluxo desde que eu tinha dois anos. Fui encaminhada para um médico que era conhecido por ser o que mais fazia essa intervenção por dia, em menos tempo.

A cirurgia seria assim: uma pinça, chamada de pinça cega, seria inserida no abdômen para injetar gás e inflá-lo, para que as outras pinças não atingissem nenhum órgão. Uma câmera também seria colocada pelo umbigo.

Foi a pinça cega que atravessou o meu intestino e furou uma veia atrás do órgão. O médico, no entanto, não percebeu e operou o meu estômago normalmente. Quando acordei da anestesia, eu estava com muita dor na barriga. O médico e as enfermeiras disseram que era normal.

Como a dor não dava trégua, eles fizeram uma lavagem intestinal, o que piorou a situação, porque espalhou fezes por todo o meu abdômen. No dia seguinte, o médico, ao fazer um ultrassom, achou que um cisto no meu ovário poderia ter estourado, por isso eu estaria com infecção.

Fui para a segunda cirurgia, novamente por videolaparoscopia. Na volta, o médico disse que não achou a causa da infecção, mas que deu uma limpada no meu abdômen e que a gente deveria esperar para ver como a situação ia ficar.

O terceiro dia foi o pior de todos. Eu mal me lembro deste dia, porque eu já estava tomando morfina por causa da dor. Eu estava com 41 graus de febre, taquicardia e pressão extremamente baixa. Era um quadro bem tenso de infecção. Estava morrendo.

Meu pai, desesperado, ligou para um amigo dele, ortopedista, e pediu ajuda. O ortopedista indicou um colega do departamento de cirurgia da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que foi me visitar no hospital. Por sorte, ele estava por perto.

Como a cirurgia era por vídeo, o hospital tinha as fitas da intervenção. O médico da Unifesp assistiu. Algum tempo depois, falou para os meus pais que eu precisava de uma terceira cirurgia. Ele não tinha dito, por ética, que era um erro médico, mas falou que meus pais deveriam escolher qual equipe a faria, a dele ou a do meu primeiro médico. Meu pai escolheu ele.

Na terceira cirurgia, eles tiveram que abrir o meu abdômen para que o novo médico pudesse procurar a perfuração. Logo ele a encontrou e a suturou, mas o cirurgião percebeu que havia um coágulo no retroperitôneo. O médico preferiu ver se o meu corpo absorveria o coágulo, porque tinha medo que ele estourasse e a infecção se espalhasse. Se isso acontecesse, eu poderia ficar paraplégica ou morrer.

Fui para a UTI, onde fiquei quatro dias. Logo o meu corpo absorveu o coágulo e eu fui para o quarto, já melhor. Recebi alta no dia 8 de março de 2004.

Ao todo, fiquei 21 dias no hospital. Estávamos aliviados de eu ter conseguido sair com vida de toda essa situação. Descobrimos, no entanto, que meus pais deviam R$ 11 mil pelo meu tratamento. No desespero de encontrar uma solução, o meu pai não se tocou que o segundo médico não atendia o meu convênio.

Meus pais logo começaram a ver o que vender para pagar o meu tratamento, mas eu achava injusto. Falei com o meu pai que eu não acreditava que ele tinha que pagar a conta, mas, sim, o médico que cometeu o erro. Não precisávamos processá-lo por tudo o que aconteceu, mas era o mínimo que ele poderia fazer.

O meu primeiro cirurgião concordou em pagar as despesas. Ele pediu desculpas e conversou bastante com o meu pai. A gente não fala muito disso em casa, mas meu pai, na época, contou que deu uma bronca no médico por ele se gabar por fazer a maior quantidade de videolaparoscopias por dia, que ele não deveria tratar os pacientes como uma parte de uma linha de produção.

Este médico não pode mais operar no hospital onde fiquei internada, após eles fazerem uma investigação sobre o meu caso. A instituição falou para meus pais que eles poderiam levar o meu caso para o Conselho Regional de Medicina, mas eles quiseram acreditar que o que aconteceu já tinha sido uma lição para o médico. Ele continua atendendo na mesma clínica em que fui consultada.

Depois de toda essa situação, eu tive que lidar com a vergonha das oito cicatrizes que ficaram no meu corpo. Não usava biquíni, mini-blusa. Mas, hoje em dia, entendo que elas fazem parte da minha história, do que sou. No entanto, continuo tendo pavor de entrar em um centro cirúrgico.”