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"Ele não dorme na nossa cama", diz namorada de lésbica pró-Bolsonaro

Shalymar e Jessica estão juntas há nove anos - Reprodução/Facebook/ShalymarMartins
Shalymar e Jessica estão juntas há nove anos Imagem: Reprodução/Facebook/ShalymarMartins

Amanda Serra

Da Universa

22/09/2018 04h00

A foto em que um casal de lésbicas -- uma com uma camiseta do candidato à Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro, que concorre pelo Partido Social Liberal; a outra com uma blusa que pede #EleNão -- publicada no Facebook no último domingo (16), tinha como intuito pedir respeito "independentemente de qualquer coisa".

Fato é que em tempos de polarização política, a imagem viralizou e já conta com mais de 32 mil curtidas, além de ofensas, elogios e algumas perguntas - "Como assim é possível namorar alguém que pensa ideologicamente diferente de você?"; “Como é possível uma homossexual apoiar o Bolsonaro?”

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Juntas há nove anos, a tatuadora pernambucana Shalymar Martins (eleitora do Bolsonaro), 28, e a paulistana Jessica Brunetti, 30, também fazem os mesmos questionamentos, mas decidiram deixar o assunto em segundo plano dentro de casa.

"Se dá bug na cabeça de vocês, imagine na minha! Claro que não é tranquilo saber que a mulher que amo vota nele. Mas resolvi respeitar. Eu voto em qualquer um que tire ele, mesmo sabendo que isso não é o mais inteligente a se fazer como cidadã", diz Jessica à Universa. A jovem se declara feminista e de esquerda, e ouve questionamentos das próprias amigas sobre a posição escolhida pela namorada.

"Decidimos que cada uma vai cuidar do seu título de eleitor. Já discutimos muito sobre política e sempre são aquelas conversas em que ninguém chega a lugar nenhum. O fato é que o relacionamento é entre nós duas, não existe um terceiro entre nós. Bolsonaro não dorme na nossa cama”, afirma a jovem.

Shalymar se defende e usa seu contexto social e familiar para justificar sua escolha. “Homossexual não tem padrão e eu sempre fui uma pessoa fora da caixa. Cresci com arma dentro de casa, tenho uma aparência masculina, sou filha de um militar maçom, que é o homem mais carinhoso que já conheci. Quando contei que era lésbica, meu pai foi o primeiro a me apoiar. Ele me abraçou e tomamos cerveja juntos”, lembra a eleitora, que vê em Bolsonaro a imagem do salvador da Pátria.

“Quero que ele ganhe porque essa é a única forma que vejo para a gente ter segurança como tínhamos antigamente, quando podíamos brincar na rua. Quero proporcionar essa liberdade para os meus filhos. Além disso, acredito que ele irá transformar a economia brasileira em uma pequena América do Norte (referência aos EUA). Não vejo outros candidatos se posicionando como ele.”  

O outro lado

Jessica lamenta por sua namorada não enxergar o radicalismo nas falas polêmicas e de cunho discriminatório contra minorias, incluindo a comunidade LGBTQ, proferidas pelo candidato do PSL. Ela, inclusive, compara a postura do político com a de seus familiares, que não aceitam sua orientação sexual. Algo que afeta diretamente o casal.

“Foi difícil conseguir me posicionar como lésbica, porque minha família é homofóbica e racista. Ainda hoje eles dizem a mesma coisa que o Jair Bolsonaro propaga: ‘Gostar a gente não gosta, mas a gente tolera.’ Ninguém comemora o fato de eu estar feliz”, lamenta a paulistana criada na Vila Zilda, periferia de São Paulo.

“A Shalymar faz parte de um contexto social e familiar, e não enxerga quem ele é, e o que representa para as minorias (negros, pobres, mulheres). Não vê que nossa liberdade está ameaçada com uma possível vitória dele. E eu não acredito em um país potência em que as pessoas não podem expor suas opiniões e ser quem são”, completa Jessica.

Em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram mortos em crimes motivados por homofobia. O número representa uma vítima a cada 19 horas. O dado apresentado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) registrou o maior número de casos de morte relacionados à homofobia desde que o monitoramento anual começou a ser elaborado pela entidade, há 38 anos. Questionada se não se sente ofendida quando ouve seu candidato dizer que “ter filho gay é falta de porrada”, a tatuadora afirma ficar “envergonhada”, mas justifica.

“Ele pode até falar, mas até a pessoa espancar é outra coisa... vi pessoas dentro da minha família mudando o pensamento quando contei que era lésbica. O fato é que o discurso de ódio sempre vai existir, independentemente de quem esteja no poder. Sei do risco que estou correndo, principalmente por conta da minha aparência, que é masculina, mas estou disposta a passar por isso. Se for para melhorar o país, para que os meus filhos tenham uma educação decente e a infância segura que tive, tudo bem”, diz ela, que sofria discriminação no colégio toda semana por conta de sua orientação sexual e já foi proibida de usar banheiro feminino em shopping por conta dos trejeitos.

Apesar das diferenças, o casal faz planos de ter filhos e Shalymar lida com naturalidade sobre a educação das crianças. "Não consigo ver minha vida ao lado de outra mulher. Quero que ela crie nossos filhos, ensinando todas as doutrinas feministas e tudo bem. Será uma casa maneira." 

Elas ainda concordam com alguns outros pontos: defendem a discussão da identidade de gênero nas escolas, são a favor da descriminalização do aborto, da legalização da maconha, da equidade salarial entre homens e mulheres e se posicionam contra o assédio. Informada que Jair Bolsonaro não defende a maioria dessas pautas, Shalymar ressalta: “Não concordo com tudo que ele fala e se não for um bom presidente, a gente tira.”