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Ele é Bolsonaro, ela é feminista: como o casal dividido por política se ama

Kris e Leonardo: divergências políticas não interferem no amor - Arquivo pessoal
Kris e Leonardo: divergências políticas não interferem no amor Imagem: Arquivo pessoal

Laura Reif

Colaboração para Universa

19/09/2018 04h00

Se você briga com o parceiro ou parceira por conta da toalha largada sobre a cama e aquela louça que está sem lavar, é hora de colocar os problemas em perspectiva. Maria Kristina Benitez, 21, e Leonardo Koch, 25, formam um casal inusitado. Ela se declara feminista abertamente, enquanto ele, da mesma forma, mostra sem medo a escolha do candidato para as eleições presidenciais de 2018: Jair Messias Bolsonaro, que concorre pelo Partido Social Liberal e é conhecido por falas polêmicas e de cunho discriminatório contra minorias, incluindo mulheres.

Kris, como prefere ser chamada, decorou a foto de perfil do Facebook com o filtro “Machistas não passarão”, enquanto o namorado exibe com orgulho o tema “Bolsonaro 2018” na foto dele. Em agosto de 2018, os pombinhos compartilharam o relacionamento publicamente na rede, mas a internet não perdoou a ironia e o status viralizou. Logo, eles foram alvos de ataques, que iam desde usuários agourando o romance, até agressões mais pesadas.

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“Um dia depois já havia gente mandando mensagem falando ‘vocês nunca vão dar certo’. Isso no meu. No Facebook dela, o pessoal pegou mais pesado”, conta Leonardo à Universa. Kris recebeu mensagens de gente desejando que o companheiro a jogasse de um prédio, como o caso recente do feminicídio de Tatiane  Spitzner, que chocou o Brasil. “Estavam me chamando de hipócrita por ter deixado um machista passar”, conta. Apesar disso, ela diz que muitas mulheres mandaram comentários de conforto, dizendo que a entendem.

Os dois tem a tatuagem com a data de nascimento - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

O casal é de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. Eles já se conheciam de vista desde a adolescência, mas começaram a sair após um match em um app de relacionamentos, em novembro de 2017. De lá para cá, os dois já estão morando juntos e com um filho a caminho. Porém a questão que não quer calar é: e aí? Uma feminista e um “Bolsominion” podem dar certo? Por incrível que pareça, dá para conciliar amor e política e, de acordo com Kris, eles não brigam muito.

Levando na paz

O segredo para manter a harmonia, segundo o casal, é empatia. “A gente discorda, mas acaba levando na paz”, explica Kris e brinca que a culpa das discussões, na verdade, é dos signos (ambos são virginianos e celebram o aniversário no mesmo dia, em 26 de agosto). “A gente faz birra e, quando vê, já está rindo e brincando de novo, normal de um casal lindo e maravilhoso que se ama”, brinca Leonardo. Kris conta que ainda está acompanhando as campanhas dos candidatos para tomar uma decisão sobre o voto, mas que no momento está mais inclinada em apostar no político João Amoêdo, do Partido Novo.

A psicóloga Marina Simas, consultora de relacionamento do Match Group Latam, grupo dono de sites de relacionamento como o ParPerfeito, diz que quando o assunto é política, é preciso escutar a opinião do outro com maturidade. Afinal, há outras questões mais complexas. “Ter filho ou não ter filho, casar ou não casar, relacionamento monogâmico ou relacionamento aberto são conflitos que precisam de uma reflexão mais extensa [do que política]”, explica.

Pró-Bolsonaro e pró-aborto

“Eu achava que, por apoiar o Bolsonaro, ele estaria agindo da mesma forma que o candidato. Foi aí que comecei a analisar e ver o quanto ele apoia e também o quanto discorda”, explica Kris.

Quer um exemplo? Diferentemente do presidenciável, Leonardo é a favor da descriminalização do aborto e diz que foi o dia a dia ao lado da namorada feminista que o ajudou a refletir sobre o assunto.“Depois de conviver com a Kris e aprender mais sobre isso, eu sou a favor [do aborto]. As mulheres querem esse direito. Por que não?”, diz.

O casal conversa sem medo sobre tudo e Kris diz que política é um dos assuntos prediletos, mesmo com o dia a dia corrido por conta da gravidez e da nova casa. Eles ainda não sabem o sexo do bebê que está por vir, mas a futura mãe declara que, se tiverem uma filha, ela será criada com todos os princípios de uma “boa feminista”. “Acredito que ela que tem que se identificar com o movimento quando ficar maior”, pondera.

A psicóloga Marina concorda com a abordagem de criar um espaço de diálogo. “Muitos casais pensam que precisam funcionar com uma única verdade”, diz ela e afirma que o mais importante é manter a maturidade para que as conversas não virem discussões homéricas, que podem gerar grandes desconfortos para os filhos.

“O que para mim é um seis, para você pode ser um nove. Aí entra a empatia, se colocar no lugar da outra pessoa. Acredito que nossa relação seja melhor do que de muito casal ‘politicamente correto’ que a gente vê por aí”, afirma Leonardo. Como diz o ditado, “os opostos se atraem”, mas Marina Simas diz que a relação entre opostos tende a ser mais tumultuada no dia a dia. “No começo é bastante interessante ser convidado a visitar o mundo do outro porque amplia recursos e enriquece um relacionamento”, explica.

Para que escolhas políticas não interfiram no amor, a psicóloga lembra: “O voto é secreto.” Ela diz que, com o passar do tempo, um casal com visões de mundo muito diferentes pode valorizar mais a individualidade do que o namoro, então vale sempre exercitar o respeito e a tolerância em qualquer caso.