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Mulher na política, mas em postos de vice, está, de fato, ganhando espaço?

Janaína Paschoal (à esquerda) está entre os nomes femininos cotados para cargo de vice; a professora Ivanete Silva, Carla Basson e Sonia Guajajara estão confirmadas - Montagem/Universa Uol
Janaína Paschoal (à esquerda) está entre os nomes femininos cotados para cargo de vice; a professora Ivanete Silva, Carla Basson e Sonia Guajajara estão confirmadas Imagem: Montagem/Universa Uol

Luiza Souto

Da Universa

26/07/2018 04h01

A determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em maio deste ano, de que 30% do fundo de campanhas sejam gastos em candidaturas femininas, pode ter sido o gatilho para postulantes ao cargo de governador e presidência - homens – desejarem ter mulheres em suas vagas de vice. Entre alguns exemplos confirmados estão a líder indígena Sonia Guajajara, na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) ao Planalto, a tenente-coronel Carla Danielle Basson, confirmada como vice de Paulo Skaf (MDB) ao governo de São Paulo, e a professora Ivanete Silva, com Tarcísio Motta (PSOL) ao governo do Rio de Janeiro - posto este que seria da vereadora assassinada Marielle Franco. Jair Bolsonaro (PSL), candidato à presidência, tentou atrair a advogada Janaína Pascoal para sua chapa, assim como Geraldo Alckmin (PSDB), flertou com a senadora Ana Amélia Lemos (PP). 

Lideranças feministas e especialistas no tema apoiam esse movimento. Mas fazem ressalvas; entre elas, a de que não adianta chamar mulheres apenas para cumprir cota e, nas decisões, não dar voz a elas. 

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Pela determinação do TSE, ao menos 30% do R$ 1,7 bilhão do Fundo Partidário reservado para as eleições devem ser gastos em candidaturas femininas. Também ficou decretado que 30% do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão será destinado a elas.

Importante lembrar que, desde 2009, a lei eleitoral obriga o cumprimento da cota mínima de 30% para o gênero feminino, mas não havia, até agora, a imposição sobre os gastos. Nas campanhas municipais de 2016, segundo o TSE, 14,4 mil candidatas não receberam sequer o próprio voto. A suspeita é que muitas delas podem ter sido usadas como “laranjas", apenas para preencher a cota.

Por sugestão do ministro Luís Roberto Barroso, o recurso do Fundo Eleitoral reservado para as campanhas femininas não pode sequer ser doado a outros políticos.

“Pode ter certeza que os partidos só estão convidando mais mulheres por conta da nova determinação. Se não a cumprirem, pagam multa. E há também um monitoramento para que as candidatas não sejam laranjas. Mas é interessante que as mulheres se apropriem dessa prerrogativa porque, a médio e longo prazo, elas terão mais poder dentro dos partidos”, avalia a socióloga Jolúzia Batista, membro do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), sediado em Brasília, que estuda, debate e defende pautas do universo feminino e direitos humanos.  

Nascido em 2015 para incentivar maior número de mulheres na política, a PartidA! (um grupo formado por mulheres, com bastante expressão na internet e que incentiva uma entrada feminina mais robusta na política) concorda com a argumentação da socióloga. Uma das fundadores do movimento, a jornalista recifense Juliana Romão, considera que, mesmo na condição de vice, a mulher tem papel importante.

“É preciso passar por diversas falsificações de projetos até a mulher ser vista e eleita”, observa a jornalista. “Claro que não é o movimento ideal. A gente queria ser o ponto-chave, mas existem vários estágios. As mulheres precisam estar em todos os lugares onde se decidem coisas nas nossas vidas”.

A PartidA! lançou, esse ano, a campanha “Meu Voto Será Feminista”. O grupo, que se define como suprapartidário e orientado à esquerda, apoia candidatas mulheres de distintos partidos, desde que elas se enquadrem na pauta do grupo; o que significa, por exemplo, ser a favor do aborto legal e seguro, além da criação de oportunidades para pessoas negras e de políticas públicas para o combate ao feminicídio. Homens que apoiam esse tipo de pauta também têm a PartidA! como aliada, o que não quer dizer que ela o indique como um bom candidato. E o mesmo vale para partidos que tragam mulheres como vice. "A prioridade, neste momento, é votar em mulher para que ela tenha o protagonismo", diz Juliana.  

“Às vezes, a candidatura da mulher é distante da nossa pauta. Então, infelizmente, não basta ser mulher. A Marina (Silva, candidata à presidência pela Rede), por exemplo, aparece como uma figura de centro e puxa para a direita. Não concordamos com o discurso dela, mas sabemos que é importante que ela tenha voz". 

"Presença vexatória"

O cientista político e especialista em marketing Antônio Lavareda classifica como “vexatória” a presença de mulheres no Parlamento e pontua que deve-se olhar esse novo movimento de forma legítima. Ele considera que discutir somente a cota de financiamento “é uma bobagem” e diz que essencial mesmo é aumentar a representatividade na Câmara, que é onde está o problema, na sua visão. Segundo ele, qualquer esforço é válido para que isso aconteça. Longe das campanhas desde 2010, o marqueteiro ajudou a eleger Roseana Sarney a governadora do Maranhão em 1994 e 1998, além da ex-governadora do Rio Grande do Norte Rosalba Ciarlini, em 2010.

“Mesmo que seja de marketing, uma ação para que se amplie o espaço das mulheres será importante. Quando há maior presença feminina, a política tende a ser mais transparente”, acredita.

Lavareda entende ser difícil apontar qual candidato convida uma mulher para sua chapa por puro marketing. Mas acredita que não há como um vice ser apenas decorativo. “Que o diga Michel Temer”, lembra ele, amigo e consultor do mandatário emedebista. Temer foi vice na chapa da ex-presidente Dilma Rousseff e assumiu quando a petista foi deposta, em 2016. 

Ainda que a candidata não tenha experiência na política, avalia Lavareda, o fato de ser mulher já inspira o gênero. A fala veio após ser instado a comentar o fato do candidato do MDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, ter convidado a tenente-coronel da PM Carla Danielle Basson para ser sua vice. Concorrente de Skaf pelo PSB, Márcio França também teria cogitado como vice uma policial, a cabo da PM Katia da Silva Sastre. Ela ficou famosa em maio deste ano após evitar um assalto à mão armada em frente a uma escola de Suzano, na Grande São Paulo, matando o criminoso.

“A imagem de uma policial vem para simbolizar, além da figura da mulher, a da segurança”, observa o marqueteiro.

A coordenadora da Procuradoria da Mulher no Senado, Rita Polli, também avalia o movimento como positivo, mas alerta: “Os partidos estão nessa procura por obrigação, infelizmente; e não porque se importam com a mulher. No entanto, para elas, a novidade é positiva porque aumenta o número de projetos para mulheres, especialmente nas áreas da assistência social, saúde e direitos humanos", afirma a coordenadora.

Nem 9% na Câmara dos Deputados

Mais importante do que discutir o papel da mulher numa campanha e se ela será ou não secundária no partido, é debater o número inexpressivo que ela ocupa no Legislativo, acredita a professora aposentada Caci Amaral, integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral São Paulo. Caci lembra que as mulheres “são mais de 50% da população e não chegam a 9% na Câmara dos Deputados, em Brasília” 

Os números são alarmantes mesmo: o Brasil ocupa a 32ª posição em um ranking de 33 países latino-americanos e caribenhos sobre participação das mulheres nos parlamentos nacionais. Nesses espaços, só 9,9% dos parlamentares eleitos são mulheres. No ranking geral de América Latina e Caribe, o índice médio de participação de mulheres no parlamento é de 28,8%, segundo a lista de “Mulheres na Política 2017” da União Interparlamentar (organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos) e da ONU Mulheres. O Brasil também ocupa as últimas posições no ranking de participação feminina na Câmara e no Senado: estamos no 154º lugar, com 10,7% de participação de mulheres na Câmara e de 14,8% no Senado.

“Se aumentasse a população feminina no Congresso brasileiro, haveria mais possibilidades de termos pautas para negras e indígenas, além do público LGBT. Essa é a preocupação fundamental”, avalia Caci.

Ela cita avanços como na Argentina onde, em 2016, foi aprovada a igualdade de gênero na reforma eleitoral. Hoje, as mulheres no congresso de lá são mais de 30%. Em junho, talvez como reflexo dessa fotografia, os deputados e deputadas do país aprovaram o aborto numa votação histórica.