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"Fui estuprada aos 15 anos e falar sobre isso me ajuda a encarar o medo"

Dior foi estuprada na rua aos 15 anos e levou anos para entender os traumas que carrega - Arquivo Pessoal
Dior foi estuprada na rua aos 15 anos e levou anos para entender os traumas que carrega Imagem: Arquivo Pessoal

Helena Bertho

da Universa

07/06/2018 04h00


A empresária Dior L., 37, foi vítima de um estupro quando tinha 15 anos de idade. Ela levou mais de 20 anos para entender o peso do trauma que ficou e, hoje, tenta dar um novo significado ao seu medo contando sua história e estimulando outras mulheres a falarem.

"1, 2, 3, 4, 5... Contei até 100 deitada no chão, chorando e sangrando. Esperando, como ele havia mandado, para poder levantar e correr feito louca até o trabalho da minha mãe e contar para ela o que havia acontecido: quando usava o orelhão, em uma avenida movimentada, sete da noite, um estranho me abordou e apontou uma arma para minha cintura.

Que ele pediu minha carteira, eu dei, mas, mesmo assim, ele me levou para um beco escuro e me violentou, o tempo todo apontando a arma para a minha cabeça. Eu só conseguia pensar nos meus irmãos e pedir a Deus que, por favor, me deixasse viver.

Enquanto contava para minha mãe, eu sofria com as dores físicas e a dor emocional da violência, misturadas com a alegria de estar viva. Um misto de emoções que passou a ser parte de mim e deixou marcas que carrego comigo até hoje, 22 anos depois.

Fiz um retrato falado e ele foi preso

Eu tinha 15 anos naquela época e a primeira coisa que minha mãe fez foi me levar para a delegacia, onde meu tio trabalhava como policial. Depois da denúncia, fui para o hospital, onde fui medicada e fiz o exame de corpo delito.

Fique cheia de medo do homem que havia abusado de mim e, para conseguir me acalmar, fui para a fazenda da família do meu namorado da época, no interior. Fiquei lá por três semanas e só voltei para fazer a identificação do homem que havia me estuprado, quando ele foi encontrado.

Na denúncia, eu fiz um retrato falado e ele já havia abusado de oito mulheres antes de mim. Então, a polícia juntou as provas e conseguiu capturá-lo.

Não me lembro em detalhes do que aconteceu, muita coisa daquela época ficou apagada da minha memória. Mas sei que, depois que ele foi preso, senti um pouco de paz e tranquilidade para reconstruir minha vida.

Soube que ele sairia da cadeia

Nos anos seguintes, terminei o ensino médio, estudava espanhol e comecei a faculdade de letras. Eu estava refazendo minha história, até que recebi a notícia de que, por bom comportamento, o homem que me estuprou seria solto. Eu fiquei com muito medo. Um medo tão forte que me fez decidir dar uma volta de 360 graus na minha vida. Eu não queria mais ficar na cidade onde tudo aconteceu.

Eu tinha um amigo que morava em Londres e quase nenhum dinheiro. Mesmo assim, decidi ir para lá e parti matriculada em um curso de inglês, com dinheiro para viver pouco mais de um mês, mas cheia de vontade de começar algo novo e deixar o medo para trás.

Fugi para Londres

Morei um mês em uma casa compartilhada, mas tive de sair, sem ter para onde ir e quase nenhum dinheiro no bolso. Gastei todas as economias que levei para fechar duas semanas de estadia em um hostel. E foi aí que encontrei a oportunidade de trabalhar em troca de não pagar o aluguel. Arrumei outros trabalhos, na limpeza de uma escola e em um bar, e com isso pude me sustentar e começar essa nova fase da minha vida.

E foi maravilhosa. Conheci pessoas incríveis, gente de todos os países e culturas, o que me ajudou a expandir minha mente, mudar minha cabeça. Ao mesmo tempo em que o medo deixou de ser central para mim. Em Londres, me sentia segura ao andar pelas ruas, com a liberdade de saber que estava longe de quem me agrediu.

De volta ao Brasil, o medo voltou

Um ano depois, voltei para o Brasil para terminar minha faculdade que estava trancada. Porém, todo o medo voltou à tona. Lembro que, logo que cheguei, peguei um táxi com minha mãe e o motorista fez um caminho diferente do que eu estava acostumada. E isso bastou para que entrasse em pânico, chorando em desespero.

Eu achava que não tinha ficado traumatizada pelo que vivi, mas aquele foi o primeiro indício de que, sim, as marcas ainda existiam.

Fiquei alguns meses tentando retomar minha vida, mas o medo me prendia dentro de casa. Então, decidi mais uma vez partir, dessa vez para os Estados Unidos.

Sem perceber, vivi o trauma por anos

Fui para estudar inglês, mas oportunidades foram surgindo e minha vida foi se fazendo ali. Arrumei um emprego, que depois me permitiu abrir minha própria empresa e crescer profissionalmente. Paralelamente, conheci meu marido, o amor da minha vida, e tive meu filho há dois anos.

Tudo parece maravilhoso, mas o trauma do que vivi nunca desapareceu. Sempre viajo a trabalho, por exemplo, e chego ao ponto de arrastar um móvel para bloquear a porta do quarto do hotel durante a noite, por medo de que alguém entre.

Também comecei a ser superprotetora com meu filho. Não deixava ele ficar com ninguém que não fosse eu ou meu marido nem a babá. Até na casa dos avós eu não queria que ele estivesse sem nós. Comecei a isolá-lo socialmente, como também me isolava sem perceber.

Contar me ajuda a lidar

Durante um evento terapêutico, no final do ano passado, com hipnose e programação neurolinguística, eu me toquei que ainda carregava o trauma do estupro comigo. Lembro que uma mulher ali falou que foi violentada e fiquei chocada de ver o tanto de gente que se levantou e disse: "Eu também fui".

A partir disso que comecei a ressignificar o que vivi.

Tenho usado o medo para me alavancar e lutar. E entendi que uma parte importante desse processo é não me calar, por isso, decidi contar minha história e estimular muitas outras mulheres a contarem as suas. Dizendo "eu também fui", quero que a sociedade fale cada vez mais sobre o estupro e ajude a combate-lo.

Você também tem uma história para contar? Ela pode aparecer aqui na Universa. Mande seu depoimento, nome e telefone para minhahistoria@bol.com.br. Sua identidade só será revelada se você quiser.