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"Parei de comprar e tive crise de abstinência. Foram 5 anos de tratamento"

Caio Braga/UOL
Imagem: Caio Braga/UOL

Beatriz Santos e Marina Oliveira

Colaboração com Universa

16/05/2018 04h00

A consultora de imagem e estilo pessoal Vivian Cardinali, 34, acompanha clientes em compras para garantir que as peças tenham a ver com a imagem que querem passar. Mas chegar nessa posição não foi fácil: ela teve de encarar a própria compulsão por compras e não pisar em um shopping por dois anos.

“Eu fui uma criança gordinha, porque comia demais. Ali já era o início da minha compulsão. Na minha adolescência, porém, decidi emagrecer. Mas, como eu já tinha comportamentos excessivos, quando passei a comer menos fui para o outro extremo e quase fiquei anoréxica. Tive, novamente, que me controlar. Quando achei que estava curada, percebi que apenas transferi o problema. Agora eu era compulsiva em comprar

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Aos 19 anos eu já tinha o meu dinheiro. Na época, eu também estava mais feliz com a minha imagem, após o emagrecimento. Foi essa combinação que me fez começar a comprar roupas. Muitas roupas. Eu sentia uma euforia muito grande antes e durante a compra. Mas depois, vinha o peso na consciência. Exatamente como acontecia quando comia uma fornada de bolo.

“Se chegava no limite dos cartões, eu dava cheques”

Eu não percebia a minha compulsão por compras, embora algumas pessoas já falassem que eu comprava demais, minha mãe inclusive. Mas, enquanto eu estava conseguindo pagar, o problema não era tão grande. Como trabalhava em banco, eu tinha acesso fácil a cartões de crédito. Possuía vários, o que me levava a gastar descontroladamente mais de R$ 8 mil com compras por mês, um valor bem maior do que o meu salário da época. E se chegava no limite do cartão, eu dava cheques.

Logo precisei pegar empréstimos para pagar a fatura do cartão e cobrir a conta corrente. Mas como os gastos não cessavam, eu precisava de muitos empréstimos, porque o empréstimo seguinte deveria cobrir o anterior e assim por diante. Cheguei a pegar R$ 60 mil em um único empréstimo.

“Tinha mais de  mil peças paradas, sem uso, que já nem lembrava”

Foram 11 anos de compras excessivas. Só me dei conta da minha compulsão durante o meu primeiro curso de consultoria de imagem e estilo pessoal. A professora pediu para fazermos um exercício com peças que nunca havíamos usado, mas estavam no guarda-roupa. Foi então que descobri mais de 1 mil peças paradas, sem uso, que eu já nem lembrava.

Decidi fazer uma limpa no armário. Só que o que era para ser algo bom, uma mudança de comportamento, se tornou doloroso. Foi quando percebi o tamanho do problema: eu estava sofrendo com a abstinência de comprar roupas.

5 anos de tratamento

Um terapeuta creditou o meu comportamento à insatisfação pelo meu trabalho da época. Eu usava o ‘eu mereço’ e comprava. Era a minha válvula de escape para uma vida que eu não gostava. Precisei fazer terapia.

Foram seis meses sem adquirir nada, para que começasse a conseguir controlar a minha compulsão. Mas o controle total só veio após cinco anos de tratamento. Por dois anos, eu não ia a shoppings de jeito nenhum, se precisasse ir, teria de estar acompanhada de alguém que realmente me conhecesse, porque ele teria que me parar, caso eu começasse a comprar.

Conforme ia me recuperando, fiz um planejamento financeiro para quitar todos os meus empréstimos. Fui bem disciplinada e negociei muito para conseguir pagar tudo em seis anos. Também vendi o meu excesso de roupas, o que ajudou a inteirar o valor.

Compulsão não tem cura, ela é controlada

Ainda hoje eu preciso me controlar bastante. Contratei uma consultoria de organização para me ajudar regularmente com todos os meus pertences, mantenho o máximo que consigo de controle financeiro, medito e também modero na alimentação, para não desencadear outra compulsão. Em determinado momento, eu transferi novamente o meu problema para outra área. Virei workaholic, quer dizer, compulsiva por trabalho. Trabalhava 16 horas por dia.

Atualmente trabalho com muitas pessoas que são compulsivas por compras. Após o tratamento, eu as ajudo a encarar o guarda-roupa de outra forma, ensino a comprar somente o necessário. Muitas pessoas se desesperam depois que a compulsão passa, elas não entendem o que realmente gostam e qual é o estilo delas, já que antes compravam tudo o que viam pela frente. É aí que eu entro.

Hoje, shopping para mim é local de trabalho, onde acompanho clientes em compras e onde gosto de tomar um café. A compulsão não tem cura, ela é controlada, mas hoje eu sei reconhecer quando estou exagerando.”