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Pais que não enxergam filho como obeso incentivam epidemia infantil

Pais de crianças obesas não enxergam que filhos estão acima do peso - Giselle Potter/ The New York Times
Pais de crianças obesas não enxergam que filhos estão acima do peso Imagem: Giselle Potter/ The New York Times

Jan Hoffman

Do New York Times

19/06/2015 15h52

O garoto de 16 anos tinha um sobrepeso de 27 quilos e o exame de sangue mostrou que ele podia ter o fígado gorduroso. Enfim, a mãe o levou a uma clínica pediátrica de controle de peso em New Haven, Connecticut, nos Estados Unidos, mas não gostou do conselho que ouviu.

"Não acredito que está me dizendo que não posso comprar os biscoitos 'Chips Ahoy!'", disse a mãe à enfermeira.

Aquela não foi a primeira vez que Mary Savoye, nutricionista que se lembrou dessa conversa, aconselhou pais que parecem incapazes de reconhecer a dura verdade a respeito do peso dos filhos.

"Geralmente, eles não querem aceitar porque mudar dá muito trabalho a todos, inclusive aos pais", disse Savoye.

Apesar da ampla divulgação da epidemia de obesidade, cada vez mais os pais parecem fazer vistas grossas enquanto os filhos ganham peso. Estudo recente sobre obesidade infantil mostrou que mais de 3/4 dos pais de filhos obesos com idade pré-escolar e quase 70% dos pais de filhas obesas descreviam as crianças como "quase tendo o peso certo".

Os pesquisadores também compararam os resultados da pesquisa de 2012 com outra semelhante de 1994. Não apenas as crianças do estudo recente estavam significativamente mais pesadas, como também a probabilidade de os pais identificarem com exatidão o peso dos filhos havia caído 30%.

David L. Katz, diretor do Centro de Pesquisa Preventiva de Yale, cunhou uma palavra para descrever o problema: "esqueçobesidade".

"Os pais não podem ignorar a ameaça da obesidade aos filhos e ainda esperar dar um jeito naquilo", ele escreveu em artigo que acompanha o novo estudo.

Um motivo pelo qual os pais podem ter dificuldades em perceber o peso dos filhos se deve ao "novo normal": Tanto nos países desenvolvidos quanto nos que estão em desenvolvimento, as crianças em geral estão ficando mais pesadas.

Todavia, durante entrevista, Katz também mencionou a "negação deliberada e genuína" dos pais.

Assim que o pai reconhece o problema do filho, "é preciso lidar com ele". Ainda segundo o médico, o pai se pergunta se deve "se tornar a polícia da comida? Tenho de mudar minha dieta e dar o exemplo? Com muita frequência, é mais fácil fingir que o problema não existe".

Outros especialistas rebatem afirmando que o problema pode ser complicado e sutil, um resultado de dinâmicas familiares. Talvez os pais estejam resignados a terem sobrepeso. Talvez existam irmãos magros e os pais não consigam escolher uma dieta que atenda a todos.

"A negação pode ser um mecanismo de defesa", disse Arnaldo Perez, doutorando da Universidade de Alberta, no Canadá, que pesquisa o que motiva as famílias a buscar ajuda para os filhos com sobrepeso. Antes de julgá-los de imediato, os profissionais de saúde deveriam explorar os possíveis sentimentos de culpa e fracasso dos pais.

Negação também é forma de autoilusão

É "natural para um pai querer pensar de forma otimista sobre os filhos", afirma Thomas N. Robinson, professor de pediatria e diretor do Centro de Peso Saudável do Hospital Infantil Stanford e Lucile Packard.

"Escuto pais me contarem que demoraram a tomar uma atitude porque achavam que os filhos cresceriam e perderiam o peso extra", ele acrescentou.

É somente agora, enquanto Bonnie Ryan, de Bridgeport, Connecticut, olha as fotografias antigas do neto de 12 anos, que percebe que o peso se acumulou ao longo dos anos. Aos sete anos, ele era "robusto", como a avó costumava pensar. E aos oito anos, a robustez continuava.

Porém, o pai tem 1,92 m de altura e 100 quilos. Ela esperava que o neto também afinasse. Os pais do neto se separaram. Sozinho, ele continuou a comer.

Logo após a consulta do neto aos 11 anos, ela e o filho falaram com o pediatra. O médico disse que o neto media 1,54 m, pesava 90 quilos e tinha pré-diabetes.

"Você pensa que ele tem um pouco de sobrepeso, mas de repente leva um susto." Eles não podiam mais fazer vistas grossas.

Ela matriculou o menino no Bright Bodies, programa de estilo de vida saudável em New Haven, patrocinado pela Universidade Yale.

O problema de peso infantil pode não ser percebido por vários motivos. Por exemplo, muitos estilos de roupa escondem as formas, principalmente no caso de meninos.

"Quando tiram as calças e camisas folgadas no consultório, é possível notar a quantidade tremenda de gordura corporal que pode estar escondida", afirmou Robinson.

E quando os pais acreditam que os filhos são ativos, têm uma maior probabilidade de considerar normal o peso da criança, demonstraram estudos. Entretanto, os pais costumam superestimar a atividade física dos filhos.

Entre outros fatores que causam confusão estão a condição de imigrante e a posição socioeconômica.

Francine R. Kaufman, professora de pediatria da Faculdade de Medicina Keck, da Universidade do Sul da Califórnia, disse que entre os imigrantes novos de países onde a fome é uma realidade, "mesmo crianças de três, cinco e sete anos não podem ser pesadas demais para a avó. Nutrir e cuidar de uma criança costumam ser a mesma coisa".

Estudos mostram que à medida que se aproxima a adolescência, um número maior de pais presta atenção aos problemas de peso dos filhos porque a exclusão social e a escorregadia autoestima pressionam mais. Para Kaufman, no entanto, esses pais costumavam ser de classe média e alta.

"Comida saudável custa mais", disse Kaufman, autora de um livro sobre obesidade e diabetes. "É mais difícil para alguém com renda fixa que depende do almoço da escola do que para quem pode contratar um profissional para ajudar a criança e comprar alimentos naturais."

Outros pesquisadores atribuem o aumento da não percepção da obesidade à comunicação imperfeita entre pais e pediatras.

Estudo de 2011 sobre pediatria constatou que os pais preferiam que os médicos usassem termos como "problema de peso" e "peso doentio" a "gordo", "obeso" e "extremamente obeso". Os médicos podem se sentir incomodados a usar uma linguagem contundente, por temer afastar os pacientes e perder a oportunidade de discutir uma mudança comportamental.

Pais e médicos podem ter ideias conflitantes sobre o peso apropriado. Pesquisa mostra que mães de baixa renda não confiam em tabelas de crescimento e peso.

Certamente, o índice de massa corporal ou um número numa balança são um fator entre muitos que indicam a saúde total da criança. "Porém, o peso é um grande indicador da doença crônica", afirmou Katz.

Katz e outros entrevistados afirmaram que o primeiro passo em ajudar os pais a auxiliar os filhos é deixar a vergonha de lado, já que ela pode ser o maior obstáculo.

"A questão é o amor. Famílias têm de cuidar disso juntas. A questão não se resume aos filhos."

Na verdade, as crianças podem estar mais cientes do que os pais de que têm sobrepeso. Elas são inundadas com notícias e os colegas não costumam evitar comentários ácidos.

Porém, as crianças podem não saber como mudar os hábitos alimentares.

Uma noite dessas no Bright Bodies, o programa de New Haven, Savoye conduziu uma discussão em um grupo de controle de peso para adolescentes. Uma garota de 15 anos havia emagrecido 13 quilos e ainda precisava perder outros 18.

"Queria que meus pais tivessem feito alguma coisa sobre meu peso antes", declarou a menina.