Casos de gêmeos duplicam no mundo; especialistas explicam
Levantamento divulgado pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças, um órgão reconhecido na área da saúde, nos Estados Unidos, datado de 2012, mostrou que os nascimentos de gêmeos dobraram dos anos 1980 para cá. Essa é uma tendência mundial e que se verifica também no Brasil, diz o médico Wagner Rodrigues Hernandez, ginecologista e obstetra do setor de gestações múltiplas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
A princípio, parece fácil explicar esse aumento. “Dois terços devem-se aos tratamentos de reprodução assistida”, diz o médico. É que, para aumentar as chances de gravidez, os especialistas costumam implantar mais de um embrião no útero. Contudo, mesmo o número de gêmeos nascidos naturalmente –o terço restante– tem aumentado e é especialmente esse fenômeno que os pesquisadores estão tentando desvendar.
De maneira geral, o nascimento de gêmeos não é um evento tão incomum: uma em cada 40 crianças que nasce no mundo é gêmea. Mas nesse grupo incluem-se dois diferentes tipos de gemelaridade: os gêmeos univitelinos, ou idênticos, que são formados a partir da divisão de um mesmo óvulo fecundado, e os bivitelinos, que nascem da fecundação de dois óvulos por dois espermatozoides e, portanto, não são idênticos, podendo até serem de sexos opostos.
Os gêmeos univitelinos são bem mais raros e sua incidência tem permanecido constante na maioria dos países, em torno de 3,5 e 4 para cada mil nascimentos, segundo dados de pesquisa realizada pelo Laboratório de Genética da Universidade Católica de Pelotas, no Rio Grande do Sul. O que está aumentando significativamente são os gêmeos bivitelinos. E, para explicar esse aumento, diversos fatores estão sendo estudados.
Histórico familiar
A mulher que tem gêmeos na família apresenta mais chance de gerar gêmeos não idênticos, afirma o urologista Jorge Haddad Filho, coordenador do Programa de Reprodução Assistida da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
“Presume-se que a predisposição a liberar dois óvulos seja uma herança ligada ao cromossomo X”, diz o especialista. “O cromossomo X que carrega o suposto gene da superovulação pode vir do pai ou da mãe da mulher que vai engravidar”, explica.
Segundo o obstetra Wagner Hernandez, quanto mais gêmeos a mulher tiver na família, maiores as chances de uma gravidez múltipla. A proximidade dos parentes que tiveram gêmeos também importa: “As relações de primeiro e segundo graus são as que mais aumentam as chances. Por exemplo, se a mulher tem uma irmã gêmea ou se a mãe dela tem uma irmã gêmea, há maior possibilidade de que ela venha a ser mãe de gêmeos”.
No caso de gêmeos idênticos, a questão é mais controversa. Diversos estudos afirmam que a divisão de um óvulo em dois se dá por puro acaso, sem influência ambiental ou determinação genética. Contudo, um estudo recente realizado no município gaúcho de Cândido Godói indica o contrário.
Conhecida como a “Cidade dos Gêmeos”, com uma incidência de 10% na população geral, ela foi alvo de um estudo divulgado em 2011, feito por geneticistas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A pesquisa durou 17 anos e descobriu, no código genético da população local, uma variação do gene p53, que aumenta a chance de sobrevivência do embrião no útero.
Segundo os pesquisadores da UFRGS, em muitas gestações, as mulheres têm dois embriões, mas apenas um se desenvolve, o que acaba passando despercebido. No entanto, a variação genética encontrada poderia favorecer o desenvolvimento dos dois embriões.
A genética também seria a explicação para as diferenças já identificadas em estudos populacionais. “Mulheres afrodescendentes, em geral, são mais propensas a ter gêmeos, enquanto, entre as orientais, os gêmeos são mais raros”, diz o obstetra Wagner Hernandez.
Idade da gestante
“Mulheres após os 35 anos que engravidam espontaneamente possuem mais chances de terem gêmeos”, diz Hernandez. Ele explica que isso acontece porque, em uma mulher mais velha, o estímulo para ovular precisa ser maior. Com isso, o organismo acaba produzindo mais FSH (o hormônio estimulador de folículos, as estruturas do ovário que contêm os óvulos) para garantir o desenvolvimento dos poucos folículos que restam. Então, aumenta a probabilidade de se produzir mais de um óvulo, em um mesmo ciclo.
Estudos clínicos confirmam a experiência prática dos consultórios. Uma pesquisa realizada na Universidade Vrije, na Holanda, em 2006, com um grupo de 500 mulheres, chegou à conclusão de que, no último estágio do ciclo reprodutivo da mulher, entre 38 e 48 anos de idade, há um aumento da predisposição à produção de óvulos múltiplos.
Índice de massa corporal
Mulheres que apresentam um índice de massa corporal mais alto (acima de 30) também podem ter mais chances de gerar filhos gêmeos. A princípio, trata-se apenas de uma relação estatística, de explicação pouco conhecida.
Uma hipótese considerada pelos médicos é a de que mulheres obesas converteriam mais hormônios na gordura. “Elas estabeleceriam uma relação parecida com a das mães maduras, que têm níveis mais altos de FSH na corrente sanguínea e, por isso, teriam mais chances de produzir mais de um óvulo por ciclo”, declara Hernandez.
Uso de anticoncepcional
Após a interrupção do uso de pílula anticoncepcional, também haveria maior probabilidade de gestação gemelar. “Aconteceria mais ou menos o mesmo processo que ocorre com a mulher de idade mais avançada: o organismo enviaria mais hormônio para a corrente sanguínea, fazendo com que a mulher ficasse mais predisposta a ovular mais de um folículo”, diz Hernandez.
Mas essa não é uma questão fechada. O médico Eduardo Zlotnik, coordenador do curso de pós-graduação em ginecologia e obstetrícia no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, discorda dessa tese. “Na verdade, o que pode ocorrer é que a mulher demore um pouco mais para voltar ao ciclo regular, apenas isso.”
Ovários policísticos
A obstetra Karla Giusti Zacharias, ginecologista da unidade do Itaim Bibi do Hospital São Luís, também na capital paulista, afirma que as mulheres que sofrem da síndrome do ovário policístico, uma disfunção hormonal que provoca irregularidades e falhas no ciclo menstrual, podem, eventualmente, produzir mais óvulos em um determinado ciclo.
O fenômeno poderia ocorrer, especialmente, no caso de mulheres que, em função da doença, precisam tomar medicamentos indutores de ovulação.
Altura da gestante
“Mulheres mais altas também podem ter mais chances de engravidar de gêmeos”, afirma Karla. O motivo seria o aumento da proteína IGF, abreviatura do termo em inglês “insulin-like growth factor” ou “fator de crescimento tipo insulina”.
A médica cita uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pelo obstetra Gary Steinman, do Centro Médico de Long Island. O levantamento mostrou uma relação entre a maior quantidade dessa substância no sangue e uma maior sensibilidade dos ovários ao FSH, o hormônio folículo-estimulante.
Nesse estudo, Steinman comparou as alturas de 129 mulheres que deram à luz gêmeos ou trigêmeos univitelinos ou bivitelinos (105 tiveram gêmeos e 24 tiveram trigêmeos) com a altura média das mulheres nos Estados Unidos. As mães de nascimentos múltiplos tinham, em média, cerca de 2,54 cm acima da estatura média.
Consumo de leite
Gary Steinman também descobriu que as mulheres que consomem produtos de origem animal, especialmente laticínios, são cinco vezes mais propensas a ter gêmeos, se comparadas àquelas que fazem uma dieta vegana (sem produtos de origem animal).
A explicação também passa pelo aumento do IGF: a proteína é encontrada no leite de vaca e em outros produtos animais. Mas o que a pesquisa encontrou é uma probabilidade estatística e não um fator determinante, conforme alerta Haddad. “A relação não é tão direta e simples. Não podemos afirmar que, se a pessoa quiser ter gêmeos, então, basta tomar mais leite”, diz o médico.
Os riscos da gravidez gemelar
Apesar do fascínio que envolve os gêmeos, para os médicos, a notícia de uma gravidez gemelar é sempre motivo de preocupação. “Trinta por cento delas resultam em partos prematuros”, diz o médico Eduardo Zlotnik, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O risco é ainda maior quando os gêmeos dividem a mesma placenta, o que ocorre em cerca de 85% das gestações de bebês univitelinos (nas gestações de bivitelinos, ou seja, não idênticos, há, obrigatoriamente, duas placentas). “Quando há uma placenta só sustentando os dois bebês, um pode puxar o sangue do outro e atrapalhar o seu desenvolvimento”, diz Zlotnik.
Segundo dados do Laboratório de Genética da Universidade Católica de Pelotas, a taxa de mortalidade logo após o parto é quatro vezes mais alta para gêmeos e seis vezes maior para trigêmeos.
Além de prejuízos ao desenvolvimento do bebê, há, ainda, riscos de hipertensão e hemorragia para a mãe, que sofre a sobrecarga de uma gestação múltipla. Também já se verificaram maiores índices de depressão pós-parto nas mães de gêmeos. “A gravidez, por si só, é uma condição que exige bastante do organismo feminino. No caso de gêmeos, a atenção aos bebês e à mãe deve ser ainda maior”, fala Zlotnik.
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