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A onda de estupros coletivos que provoca indignação e protestos na Índia

A indignação está aumentando na Índia após a suspeita de estupro e assassinato de uma mulher de 27 anos - Getty Images
A indignação está aumentando na Índia após a suspeita de estupro e assassinato de uma mulher de 27 anos Imagem: Getty Images

04/12/2019 10h08

O estupro e o assassinato de uma jovem médica veterinária na cidade de Hyderabad provocaram raiva e chamaram atenção para a falta de segurança para as mulheres em mais uma cidade indiana.

A raiva voltou às ruas da Índia após notícias de outro crime horrível.

Desta vez, é o suposto estupro coletivo e assassinato de uma médica veterinária de 27 anos na cidade de Hyderabad.

Os restos carbonizados dela foram encontrados sob um viaduto após seu desaparecimento na semana passada.

Quatro homens foram presos em conexão com o caso.

A brutalidade do ataque chocou o país, onde o estupro e a violência contra as mulheres permanecem em altos níveis.

Só na última semana, pelo menos mais cinco estupros foram amplamente divulgados na imprensa, incluindo o de uma criança de seis anos que foi "estrangulada até a morte com o cinto da escola que estava usando".

Mulheres indianas disseram nas redes sociais que continuam vivendo com medo e se deparam com a ideia de ter que "se vestir adequadamente", não sair sem escolta ou simplesmente ficar em casa. Isso porque a sociedade indiana está baseada no patriarcado, e é comum que as mulheres sejam culpadas por convidar à agressão sexual e ao estupro.

Muitas vezes, as vítimas são humilhadas por usar saias curtas ou jeans, ter namorados, sair tarde ou até mesmo falar em telefones celulares.

Mas e as leis de estupro da Índia?

O estupro coletivo e o assassinato de uma estudante em 2012 e os protestos públicos subsequentes forçaram o governo a introduzir leis mais duras contra o estupro no ano seguinte.

Aumentou a punição por violências como ataques com ácido, perseguição e voyeurismo. Mas foi mantido, de forma controversa, que um homem não pode ser acusado de ter estuprado sua esposa - a menos que ela tenha menos de 16 anos de idade.

Promulgada recentemente, a lei aumentou o tempo de prisão na maioria dos casos e trouxe a pena de morte por repetidos casos de estupro, ou estupro que causa coma, entre outras mudanças.

A definição de estupro também foi expandida para declarar explicitamente que a ausência de luta física para resistir não significa consentimento.

Essas leis ajudaram as vítimas?

A boa notícia é que agora mais mulheres estão denunciando violência sexual.

Dados do departamento nacional de registros criminais (National Crime Records Bureau) da Índia mostram que o número de queixas passou de 21.467 em 2008 para mais de 38 mil em 2016.

Mas as mulheres ainda enfrentam obstáculos tanto na denúncia de ataques, como também na hora de ver a justiça ser feita.

Um relatório do Observatório dos Direitos Humanos aponta que meninas e mulheres ainda enfrentam humilhação em delegacias e hospitais e nem sempre têm acesso a um bom apoio jurídico ou médico.

Uma vez relatado um caso de estupro, as mulheres têm mais chance de conseguir justiça?

O sistema de Justiça criminal do país permanece vulnerável a pressões políticas e há casos de grande repercussão em que os acusados saem impunes. E também há julgamentos atrasados.

Apenas um em cada quatro casos de estupro na Índia termina em condenação, de acordo com um trabalho de pesquisa publicado em 2018, e mesmo essa baixa taxa de condenação se refere apenas aos casos que chegam a uma conclusão.

"De todos os estupros relatados à polícia na Índia na última década", explica o estudo, "apenas 12% a 20% dos julgamentos foram concluídos".

Muitas das vítimas de estupro ainda estão aguardando justiça, às vezes anos após os crimes terem sido cometidos.

No ano passado, o governo disse que criaria mais mil tribunais com procedimentos mais ágeis para lidar com o acúmulo de casos de estupro.

O caso de estupro coletivo e assassinato ocorrido em 2012 foi um desses processos julgados em um tribunal com procedimentos acelerados.

Em 2017, a Suprema Corte da Índia confirmou a pena de morte para quatro dos acusados, mas especialistas em Direito disseram que ainda pode levar meses ou até anos para que as sentenças sejam executadas.

A taxa de violência sexual está caindo?

Não há sinais de que a violência contra as mulheres esteja diminuindo na Índia.

No ano passado, uma pesquisa realizada pela Fundação Thomson Reuters sugeriu que a Índia era o país mais perigoso do mundo para as mulheres, à frente do Afeganistão, Síria e Arábia Saudita.

De acordo com os últimos dados do governo sobre crimes, a polícia registrou 33.658 casos de estupro na Índia em 2017, uma média de 92 por dia. No entanto, vale lembrar que muitos casos de estupro na Índia ainda não são relatados.

A violência contra crianças está se tornando uma grande preocupação.

Os registros criminais da Índia mostram que os estupros de crianças mais que dobraram de 2012 a 2016.

Seleção antinatural

Muitos acreditam que o patriarcado, baseado em crenças discriminatórias e antigas, e a desigualdade de gênero podem estar contribuindo para o aumento de crimes contra as mulheres.

A preferência por meninos leva a abortos ilegais por seleção de gênero: nascem cerca de 112 meninos para cada 100 meninas.

O estado de Haryana, no Norte, que registra o maior número de estupros coletivos na Índia, tem a pior proporção de gênero no país.

"Apesar do impressionante crescimento econômico do país e da exposição ao 'liberalismo ocidental' nas últimas duas décadas, as mulheres ainda são vistas como objetos a serem explorados", diz Nita Bhalla, jornalista que cobre questões relacionadas às mulheres no sul da Ásia.

Muitos acreditam que a indústria cinematográfica indiana reforça os estereótipos sexistas.

Houve vários filmes, tanto em Bollywood quanto no cinema regional, em que "perseguidores são glorificados, masculinidade tóxica é normalizada e até molestação é justificada como uma forma legítima de namoro", de acordo com Divya Arya, repórter da BBC na Índia.

A apatia pública também é um problema: "os direitos e a segurança das mulheres nunca se tornam questões eleitorais", segundo Soutik Biswas, correspondente da BBC na Índia.

"A maioria dos partidos políticos, incluindo o do primeiro-ministro, Narendra Modi, não parece reconhecer e tratar esse tema como a devastadora crise social que é".

O brutal caso de Hyderabad

A mulher, que não pode ser identificada pela lei indiana, havia saído de casa em sua scooter por volta das 18h da quarta-feira para ir a uma consulta médica.

Mais tarde, telefonou para a irmã para dizer que um pneu havia furado e que um motorista de caminhão se ofereceu para ajudar. Ela disse que estava esperando perto de uma praça de pedágio.

As tentativas de contato com ela depois disso foram sem sucesso. E seu corpo, que havia sido incendiado, foi encontrado embaixo de um viaduto por um leiteiro na manhã de quinta-feira.

À medida que a raiva pelo ocorrido aumentava, várias autoridades locais questionaram por que a vítima não ligou para o serviço de emergência da polícia.

"Ela já estava com muito medo, assustada, preocupada e nervosa, como ela poderia...", disse a irmã da vítima à BBC.

Em outros lugares do país, houve protestos e vigílias pela vítima.

Enquanto isso, as mães de dois dos acusados ??se manifestaram, pedindo que fossem punidos se fossem considerados culpados.

"Você dá qualquer punição (para eles). Eu também tenho uma filha", disse uma delas ao jornal The Press Trust da Índia.

O caso foi direcionado para um tribunal com procedimentos acelerados.

Mas, por enquanto, a família da vítima se trancou dentro de sua casa e colocou cartazes dizendo 'sem políticos, sem mídia, sem polícia, sem forasteiros'.

Em vez disso, querem ação.