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Reality show americano inspira nova geração de drag queens no Brasil

A drag Alma Negrot, que se define como "esquisita", questiona lógica comercial gerada por RuPaul - Arquivo Pessoal
A drag Alma Negrot, que se define como "esquisita", questiona lógica comercial gerada por RuPaul Imagem: Arquivo Pessoal

06/02/2016 11h56

Inspirada pelo reality show americano RuPaul Drag's Race e com a ajuda da internet, uma nova geração de drag queens surgiu e vem crescendo no Brasil.

Elas chamam a atenção do público não só pelo visual exagerado, mas também pela pluralidade: na caracterização, além de (muito) glitter, vale usar cílios de papel, exibir chifres de demônio ou se transformar em borboleta.

"Essa geração vem desmitificando a ideia de que quanto mais feminina, mais bonita é a drag. Não há mais regras, todos os estilos são bem-vindos", diz o baiano Robson Dinair, de 28 anos, que vive no Rio de Janeiro e divide seu tempo com sua criação, a drag queen Ravena Creole.

Grande parte dos novatos se monta (se caracteriza, no vocabulário drag) só para ir à balada, sem pretensão de ganhar dinheiro com isso.

"Além dos profissionais, há muitos que fazem pela experiência ou por diversão, alguns por ato político, e outros porque são tímidos e como drag se sentem mais empoderados", explica Ravena, que começou a se montar há três anos e já ganha a vida como drag.

RuPaul, uma das drag queens mais famosas do mundo, costuma ser apontada como responsável pela recente popularização do movimento.

O reality show que ela e ele –RuPaul também é o nome real do ator, cantor e intérprete da personagem, que também apresenta o programa fora dela, ou seja, desmontado– comandam desde 2009 (exibido no Brasil pela Netflix, na internet, e mais recentemente pelo canal pago Multishow) se tornou um sucesso ao explorar na televisão o potencial da estética drag.

Por mais que RuPaul sirva de referência para boa parte da nova geração, alguns questionam sua importância na cena nacional.

"Existe um movimento drag no Brasil há muito tempo, a drag está no imaginário dos brasileiros. Isabelita dos Patins, Elke Maravilha, Suzy Brasil... a gente sabe quem são, elas estavam na televisão nas décadas de 80 e 90", diz Bia Medeiros, diretora da websérie Drag-se, que retrata o cotidiano de 13 drag queens novatas do Rio de Janeiro.

Para Bia, a maior contribuição veio das redes sociais, que deram visibilidade ao trabalho desses artistas. A internet também facilitou o processo de transformação, já que hoje muitos começam a se montar por conta própria, seguindo tutoriais do Youtube.

Alma Negrot adota maquiagem abstrata e usa materiais como sucata, planta e lã para se montar - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Alma Negrot adota maquiagem abstrata e usa materiais como sucata, planta e lã para se montar
Imagem: Arquivo Pessoal

Rainha da sucata

Raphael Jaques, gaúcho de 20 anos que há dois dá vida à drag queen Alma Negrot, considera negativa a padronização das drag queens, inerente à lógica comercial do programa de RuPaul: "Cria-se regras para algo que deveria ser totalmente livre".

Alma sabe bem o que é ser "fora da caixa" –uma "drag esquisita", em suas palavras. Sua maquiagem é abstrata e o rosto, coberto de sucata, com um ar de rainha do lixo.

Um dia o cabelo é de lã, no outro, de plantas. A androginia e o punk fazem parte das suas referências, assim como o movimento Tranimal, que surgiu na última década e reinterpreta as drags tradicionais com um toque de surrealismo. "A drag tranimal não é nem ser humano, é uma coisa extraterrestre, um ser abissal", explica.

Ravena Creole começou a se montar "na onda" do sucesso de "RuPaul's Drag Race" - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ravena Creole começou a se montar "na onda" do sucesso de "RuPaul's Drag Race"
Imagem: Arquivo Pessoal
Ravena Creole, apesar de também "caminhar por vários mundos" –suas referências vão de Marilyn Manson aos Gremlins – segue outra linha: uma personagem bem feminina, com elementos de brasilidade.

No palco, ela samba, joga capoeira e interpreta canções de artistas como Elza Soares ou Daniela Mercury. Exibe sua "essência negra" e já é conhecida como a drag do povo: é "bagaceira" e gosta de estar "no meio da muvuca", como conta em seu episódio do Drag-se.

Para criar sua pegada brasileira, Ravena se inspirou em drag queens mais antigas. Começou a se montar na onda do RuPaul, mas já frequentava o meio drag e admirava o trabalho de artistas como as falecidas Kayka Sabatella e Rose Bombom. Ela diz, porém, que parte da geração dela está desconectada do movimento drag brasileiro.

"Muitas conhecem a cultura drag somente pelo RuPaul, e algumas começaram a julgar as outras com base nesse padrão", afirma.

Alguns produtores de festas promovem essa aproximação, juntando no palco drags com décadas de carreira e outras que estão começando. Mas essa interação ainda é discreta.

"Respeito e admiro as veteranas, mas, ao mesmo tempo, sinto vontade de renovação quando olho pra elas. As que eu via em Porto Alegre eram todas meio parecidas, com cabelão, plumas, paetês e maiôs com pedrarias, um estilo mais antigo, e acho que isso acontece nos guetos de várias cidades", diz Alma.

O carioca Marcelo Franco, de 43 anos, vive da arte transformista há 20 anos, como a drag queen Desiree –também conhecida na noite como Cher, por imitar a diva pop. Para ele, a geração RuPaul só veio a acrescentar.

"É mais uma mídia pra gente. Sou de uma época em que éramos muito gueto, não tinha internet, o público chegava à gente por um panfleto entregue na rua", lembra.

Desiree faz parte de uma "panelinha" de veteranas que conseguiram fazer nome no mercado, e diz que não vê o aumento no número de drags como concorrência. "Quem é bom não precisa se preocupar com isso. O público é fiel, às vezes você não é o melhor, mas é carismático."

Ela diz, contudo, que não gosta quando uma artista iniciante se oferece para um show por cachê menor do que o dela. "Já cansei de perder trabalho por isso."

Versatilidade

Para quem quer se profissionalizar nesse meio, a versatilidade se tornou um fator essencial.

Além da concorrência, a crise também prejudica quem está começando, já que muitas casas tiveram que reduzir o número de atrações. Para pagar as contas, a drag tem que fazer um pouco de tudo: ser DJ, atuar como hostess de festas, participar de videoclipes, animar casamentos e até chás de lingerie.

Para Bia Medeiros, há um mundo infinito de possibilidades para a cultura drag --o segredo é a diversificação.

Ela inscreveu os participantes do Drag-se em uma seleção de artistas para os eventos culturais que vão acontecer no Rio durante as Olimpíadas, e estuda uma parceria com a semana de moda deste ano na cidade.

"Como qualquer moda, acho que o boom da cultura drag pode vir a perder força em algum momento. Mas agora as portas estão abertas, então é hora de se empoderar e fazer aquilo que gosta, para estar forte o suficiente caso as portas se fechem um dia", aconselha.