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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil sofre com violência infantil e deputado quer investigar Barbie trans

Colunista de Universa

02/06/2022 15h32

Na tarde de quarta-feira, a uma menina de 4 anos voltava da escola com a mãe quando foi baleada na cabeça durante uma operação da polícia na comunidade onde morava, em Curicica, no Rio de Janeiro. Na noite de quinta-feira, ela estava em estado gravíssimo. Alice infelizmente não é a única. Ela é mais uma vítima de um tipo de horror que cada dia se torna mais rotineiro. Segundo a plataforma Fogo Cruzado, pelo menos cinco crianças foram atingidas por balas perdidas só esse ano no Rio de Janeiro

E esse não é o único problema urgente do país, claro. A fome voltou e é possível ver isso em cada esquina. Segundo dados da Fundação Abrinq do fim do ano passado, 18 milhões de crianças viviam em situação de insegurança alimentar no Brasil. O que significa, basicamente, que elas não tinham o que comer todos os dias.

Nesse cenário de horror, era de se esperar que deputados (muito bem pagos com dinheiro público) estivessem preocupados em resolver essas questões urgentes. Mas no Brasil de 2022 as prioridades são outras. A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira (1) a realização de uma audiência pública para debater uma boneca "Barbie". Parece piada de mau gosto, mas não é.

No país das crianças baleadas e passando fome, quem devia cuidar delas (esse é um dever do Estado) está mais preocupado em analisar as "partes íntimas" de uma boneca. Trata-se de uma "Barbie Trans", inspirada na atriz Laverne Cox.

O autor do requerimento para criar a comissão de análise da Barbie foi o vice-líder do governo na Câmara, o deputado Otoni de Paula, eleito pelo mesmo Rio de Janeiro crianças são baleadas voltando da escola. E quem vai analisar a boneca é a "Comissão de Seguridade Social e Família". Sim, eles mesmos, que deviam estar preocupados com as crianças baleadas e passando fome.

A boneca é o que menos importa. Mas trata-se de uma edição especial. E, segundo a Mattel, fabricante da boneca, a ideia é promover a diversidade, coisa que a marca, que já foi conhecida como um símbolo perigoso por apresentar um modelo de corpo super magro e inatingível para crianças, de fato tem feito. Hoje, existem Barbies gordas, PCDs, baixinhas, com vitiligo.. só para citar algumas. Elas ainda são raridades nas lojas. Poderia ser melhor.

E, no caso da Barbie trans, sinceramente, compra quem quer. Pronto. E elas inclusive serão difíceis de achar. Essas bonecas costumam ser mais obras de colecionadores. Mas, segundo o deputado, que, repito, é vice-líder do governo, o objetivo da comissão é "debater sobre as implicações psicossociais em crianças em decorrência da versão da boneca Barbie com órgão sexual masculino".

Essas pessoas estão realmente preocupadas com as crianças do Brasil? Não, não estão. Se estivessem mesmo, de verdade, elas estariam pensando em salvá-las, não em analisar bonecas de plástico e gerar burburinho entre os ultra conservadores com notícias do tipo: "o mundo está perdido, agora existe uma boneca trans".

O que faz qualquer pessoa normal achar que "o mundo está perdido" é o fato de uma criança ser baleada na cabeça voltando da escola e isso ser tratado como um fato corriqueiro. É mesmo desesperador.