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Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apoio evangélico: Bolsonaro se sente à vontade para mentir em púlpitos

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia na Base Aérea de Anápolis (GO) no último dia 9 - Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia na Base Aérea de Anápolis (GO) no último dia 9 Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista de Universa

11/06/2021 04h00

"Quando Trump estava com 12%, eu disse: 'Se você voltar para as ideias básicas nacional-populistas com as quais começou e às quais renunciou, ganhará com certeza. Em 88 dias, você ganhará'. Foi a mesma coisa que disse a Bolsonaro em julho de 2018, quando estava com 15%. Ele tinha uma mensagem tão poderosa que se continuasse a confiar nela, mesmo que a imprensa dissesse que era o diabo, ele venceria."

A cada nova visita de Bolsonaro a igrejas evangélicas, a cada novo passeio sem máscara entre uma multidão de pessoas e principalmente a cada nova declaração estapafúrdia e negacionista do presidente da República, me lembro dessa entrevista dada pelo ex-estrategista de Donald Trump e um dos pais do novo populismo político de extrema-direita no mundo, Steve Bannon, ao "El País" em 2019.

Na mesma entrevista, Bannon disse ainda que Jair Bolsonaro (sem partido) tinha uma das operações "mais sofisticadas da política" naquele momento e que ele tinha a capacidade de "transformar a política em um estilo de vida aspiracional".

No último dia 9, poucos dias antes do Brasil se aproximar das 480 mil mortes em decorrência da covid-19, o presidente seguiu seu roteiro em Goiás. Aglomerou sem máscara, disparou falas negacionistas e participou de um culto evangélico na igreja Church in Connection em Anápolis.

A igreja é popular entre os mais jovens — com direito a pastor tatuado de roupa preta que faz a pregação com um laptop no púlpito — e se espelha em modelos americanos de cultos em formato de show, com telões, som potente, banda ao vivo. No evento criado especialmente para receber o presidente, estavam também lideranças de outras das principais denominações evangélicas da cidade.

Antes de passar a palavra a Bolsonaro, o pastor Thiago Cunha, que também é diretor de cultura do prefeito Roberto Naves (PP), disse que reafirmava o compromisso do povo cristão com o governo e que "Deus está fazendo algo extraordinário pelo nosso país".

Falas como essa reafirmando apoio, vindas de líderes de megaigrejas e de pastores com bastante influência, têm sido comuns durante esses três anos de governo, assim como as comitivas de pastores ao Alvorada e as campanhas de "jejum nacional".

Segundo a professora e pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) Christina Vital da Cunha, a adesão da base evangélica à campanha de Bolsonaro em 2018 foi algo inédito na história do país.

O crescimento no número de fiéis e o aumento da influência política do grupo não é algo novo e certamente não pode ser tratado de maneira simplista ou de forma a achatar a diversidade de pensamento (ainda iremos falar bastante sobre isso nessa coluna), mas o fato de que as mais importantes denominações evangélicas não apenas apoiaram a eleição mas constituem uma fatia significativa da base de apoio do governo Bolsonaro não é qualquer coisa.

Para além dos lobbies, do aumento (em número e poder) da bancada evangélica no Congresso e representantes no Executivo, dos crescentes privilégios políticos e econômicos, é para esta base que, assim como instruiu Steve Bannon, Bolsonaro se volta a cada crise em seu governo.

E tem sido nesse ambiente, diante de púlpitos que o celebram, que o presidente tem se sentido mais à vontade para mentir e disparar impropérios como fez na Church in Connection — criticando o uso de urnas eletrônicas, o alto número de mortes por covid-19, afirmando incorretamente que as vacinas estão em fase experimental, citando documentos falsos e promovendo o uso de cloroquina (remédio sem eficácia comprovada contra a covid).