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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

88% dos maiores influencers se alinham ao bolsonarismo, estima pesquisadora

Poder na internet do bolsonarista Nikolas Ferreira o levou a ser o deputado federal mais votado do país - Reprodução
Poder na internet do bolsonarista Nikolas Ferreira o levou a ser o deputado federal mais votado do país Imagem: Reprodução
Rosana Pinheiro-Machado

Colaboração para Universa

20/10/2022 04h00

O fenômeno de audiência de Lula na live do podcast Flow, na terça-feira (18), coloca o candidato num lugar privilegiado na disputa política digital, que tem se transformado rapidamente desde a eleição de 2018, desde quando as fake news toscas mobilizam o universo do WhatsApp. Isso não deixou de acontecer, mas há uma sofisticação e diversificação nos modos de recrutamento político online com o crescimento dos reels do Instagram e do TikTok. Os influencers dessas redes, atualmente, ocupam um lugar chave na persuasão política.

Há muitos anos, minhas pesquisas têm procurado entender como o bolsonarismo tem cooptado classes populares e trabalhadores precarizados. Nos últimos 18 meses, tenho olhado com profundidade para o empreendedorismo digital no Instagram e o papel dos influencers naquela rede social. Voltarei a este tema muitas vezes neste espaço para falar sobre como os mais pobres caem na lábia do fazer dinheiro fácil. Mas por ora, basta dizer que, nessa empreitada, fui descobrindo como a política chegava sutilmente entre aos ouvidos dos desesperados por oportunidades.

Ao olhar para o universo do empreendedorismo digital, para vender produto ou serviço e ganhar dinheiro mesmo, fui entendendo como influencers de marketing digital, pastores, investidores e coachs motivacionais formam um ecossistema de influência política mais complexo do que, simplesmente, espalhar a mentira da "mamadeira de piroca" ou de que um chip chinês nas vacinas muda seu DNA. Digo mais complexo porque a visão política não é explícita na maioria das vezes e, por isso, consegue atingir milhões de pessoas que não necessariamente se identificam com Bolsonaro e com a extrema-direita.

Para milhões e milhões de pessoas, os influencers vendem a ilusão de um estilo de vida: riqueza, beleza, vida sem patrão e independência financeira. Se a extrema-direita era velha e outsider há até pouco tempo, hoje ela é o padrão. Isso ainda se soma ao mundo dos gamers e do sertanejo.

Entre lives, no pente fino da pesquisa, vamos captando o posicionamento político e tendência de voto de cada um deles. Às vezes, identificamos apenas um alinhamento ideológico —que não é surpresa para ninguém—, baseado em crenças econômicas e morais. Mas tem sido comum, especialmente nessas eleições, que influencers saiam do armário e declarem voto.

Pedir voto é arriscado para um influencer que depende da torcida de sua base de fãs e, por isso, teme desagradar. Nesse caso, é importante que o campo todo se mova de forma similar para que eles possam se proteger das consequências do posicionamento político.

Dos 212 maiores influenciadores de suas áreas que monitoro, 187 demonstraram alinhamento com o bolsonarismo nos últimos meses. Não à toa, no dia 11 de outubro, Bolsonaro realizou uma reunião no Palácio do Planalto com boa parte do que chamou de "influenciadores cristãos", que já estavam alinhados ao presidente de forma explícita.

Pastor André Valadão, em forte campanha, foi a Brasília de jatinho na companhia de Nikolas Ferreira, eleito deputado federal pelo PL. As fotos do evento se espalharam no Instagram para além do campo cristão. Dias depois, Bolsonaro convocou influenciadores de todas as áreas para outra reunião fechada no dia 13 de Outubro.

Ao longo dos últimos anos, como comentadora política e cidadã posicionada, tenho lamentado a profunda defasagem da esquerda em relação à disputa das redes sociais.

Ela parecia não entender a surra que estava levando enquanto a extrema-direita sambava sozinha no salão político digital. Para os canhotos, a eleição de Bolsonaro só podia ser culpa de fake news, manipulada de cima para baixo e com zero organicidade. Contratar marketeiros digitais, só durante as eleições. Enquanto isso, vendedores de sonhos com política embutida falavam para milhões e convertiam populares de todas as classes.

Realisticamente, ainda se está muito longe da formação de um ecossistema comparável ao bolsonarista. Mas parece que as coisas estão mudando. A campanha de Lula já entendeu. Passos importantes têm sido dados. Boa parte disso se deve ao encorajamento do deputado André Janones (Avante-MG). Felipe Neto, em sua melhor performance, está ativo com vídeos curtos e contundentes.

Faz uma semana que o campo progressista está em alta nas redes. Isso, somado às pesquisas, leva Bolsonaro e sua base a dobrar a aposta. Analiticamente, não penso que as redes sejam o aspecto decisivo da eleição. De um lado, temos um contexto de aumento da fome e da miséria em um país devastado por uma crise sanitária e econômica. De outro, a grande rejeição que boa parte da população tem a Lula. Mas mobilizar e produzir contágio nas bases políticas, por meio da esfera digital, é uma tarefa inescapável.

Lula, que é uma força na natureza, só precisou estar à vontade no programa do Flow. Mostrou que é possível valer-se de sua autenticidade "gente como a gente" para fazer política grande nas redes. Soube brincar que "ninguém gosta de patrão", misturando direitos trabalhistas e o incentivo ao trabalho autônomo.

Se a extrema-direita sempre fez a disputa das redes por meio do ressentimento, da mentira e da venda insustentável do enriquecimento fácil, Lula mostrou que é possível ter presença online falando de esperança, valores coletivos, justiça social e dignidade individual.

O candidato deu um primeiro passo, em um caminho muito longo a ser reaprendido pela esquerda, para se reconectar com trabalhador precarizado.