'Impacto é zero': especialistas analisam decisão da Meta de acabar com moderação

Qual o impacto da decisão da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) de cessar as suas operações de checagem de fatos nos Estados Unidos? A RFI Brasil ouviu especialistas do mercado digital para saber as implicações para os usuários e discutir as críticas feitas por empresas de tecnologia americanas sobre o que consideram um excesso de regulamentação neste setor na Europa.

Na terça-feira (7), a Meta anunciou que encerraria o seu programa de moderação nos Estados Unidos e o substituiria por um sistema de notas da comunidade, semelhante ao usado pelo X, do bilionário Elon Musk. Para analistas, Mark Zuckerberg ilustra a vontade de grandes empresários da tecnologia de se alinharem à dupla conservadora formada por Musk e o presidente eleito Donald Trump.

Mas para Roberto Abramovich, professor de marketing e inovação na Iéseg, escola de comércio em Paris, o efeito da medida será nulo.

O impacto é zero. Na verdade, o que a gente vem notando nas mídias sociais é que há uma relação de confiança muito baixa hoje em dia, mesmo com todas os fact checkings e todas as moderações que coloquemos.

O professor aponta que o próprio modelo econômico das redes sociais é baseado em tráfego —de modo que quanto mais bombásticas, parciais e atendendo a um público as notícias são, mais as pessoas clicam e compartilham os posts.

"As mídias sociais vivem disso", completa. "Portanto, se a informação é checada ou não, não muda o modelo", continua.

Para Abramovich, "Zuckerberg reconheceu que o modelo dele é mais caro e não necessariamente melhor. Então, ele corta custo, se alinha com Elon Musk, que tem uma abordagem mais pró-Trump. Caíram as máscaras: somos o que somos e fazemos o que fazemos", observa.

Checagem de fontes

O acadêmico avalia que a única maneira de os usuários se protegerem de manipulação das informações é investigar suas fontes. "Todos nós temos de ser um pouco mais jornalistas e realmente checar as nossas fontes. A gente tem que ter um espírito crítico e entender que tudo o que se lê é simplesmente baseado num ponto de vista e tentar realmente entender a origem da informação", recomenda.

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Já Rafael Sasso, cofundador da startup Liquid AI e especialista em inovação, destaca que a posição da Meta visa impedir o uso político das redes sociais. "O governo dos democratas e o aparato de inteligência se apoderaram de mídias sociais como forma de controle de narrativa. Isso está discutido em milhares de horas no Congresso, no Senado, e está virando processos judiciais", destaca. Ele acredita que essa situação "vai fazer com que algumas cabeças no aparato de inteligência americano sejam cortadas na troca de governo".

Para Sasso, professor-associado também na Iéseg, essa discussão acabou prejudicando os democratas. "Politicamente, você viu muitos professores, muitos intelectuais mudando de lado exatamente por causa disso. Eu não estou defendendo a extrema-direita, o que eu estou falando é que todo mundo deveria ter voz igual e a partir daí, a gente criar maneiras de regular extremos. Você não vai deixar o nazismo ter voz, por exemplo", comenta.

Apesar da relevância do tema, Sasso explica que ainda não existe uma solução para o problema da manipulação das informações divulgadas nas redes sociais. O uso político é a maior fonte de problema na discussão da liberdade de expressão nas redes sociais, na sua opinião. "O problema é eu usar [a moderação] para calar a voz que vai contra mim ou a minha narrativa. A grande pergunta é: como a gente isola o uso político? Se a gente conseguisse isolar o uso político, a gente conseguiria regular isso de uma maneira pró-democracia", aponta.

Regulamentação europeia

Na Europa, onde a regulamentação do setor é maior, a Comissão Europeia rejeitou "categoricamente" as acusações de censura lançadas pelo presidente da Meta, Mark Zuckerberg. Diante da pressão das empresas de tecnologia americanas, o desafio do bloco será manter-se firme na regulação da internet sem, no entanto, prejudicar a sua relação com os Estados Unidos.

"Acho que a preocupação é totalmente legítima. O que era um risco, quando a gente imaginava um cenário um pouco futurista daquele empresário que domina uma empresa gigantesca e essa empresa faz coisas para dominar o mundo, acho que hoje é real", compara Roberto Abramovitch.. "Não é mais uma suspeita, mas um desejo, uma ação de proprietários de mídia, que no caso é o Musk, de fazer esse tipo de interferência direta na política. Isso está acontecendo", alerta.

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Para Abramovich, a União Europeia tem razão de querer se proteger. "Se a gente olhar friamente na Europa, há uma transição gradual da esquerda para a direita. Esses grupos políticos estão sendo expostos através de pessoas como o Musk e o Trump. Então, isso realmente é preocupante", afirma. "A Europa tem uma abordagem para economia de mercado que é um pouco mais protetora. Ela acredita que as entidades podem atuar, mas ela não acha que tem que ser um quadro de impunidade", conclui.

Em contraposição, o pesquisador de tecnologias Rafael Sasso vê em Elon Musk um defensor da pluralidade nas redes socias. "O Musk é um caso de democrata que ficou chocado com o que os democratas fizeram nos últimos anos nos Estados Unidos e na política global pelos aparatos de inteligência", avalia.

"Quando comprou o Twitter, ele virou para outro lado. Como Musk, muita gente que votou no Trump também não é republicana. Eles estão sendo contra aquilo que foi feito nos últimos anos, contra as ações antidemocráticas que foram instauradas, contra as fake news oficiais", analisa.

Sasso destaca que é preciso ter regulação e criar maneiras de monitoramento para não permitir que a influência política e da inteligência tenha força para controlar as narrativas. As divergências apontadas pelos especialistas ilustram os enormes desafios futuros para empresários e o público das redes sociais.

55 comentários

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Ricardo Kenji Yoshiyasse

No exercício da cidadania, qualquer brasileiro concorda em ter um RG, um CPF, usar uma placa de identificação no carro, na moto, onde o Estado de Direito prevalece. Por que não manter a cidadania na internet também, no caso das redes sociais, utilizar uma ferramenta que já existe como acesso, a Conta gov.br, criar uma lei brasileira que obriga as redes sociais para usar a conta gov.br para logar, qualquer coisa que for inserida no intervalo entre login e logout (entrar e sair), na conta do Facebook ou Twitter (me recuso a usar o outro nome), será registrada, não para controlar o conteúdo, mas somente o horário que entrou e saiu na rede social, se nesse intervalo cometeu algo fora das leis brasileiras, alguém vai denunciar e legalmente a justiça terá a identidade de quem postou, a PF terá meios também para fazer uma varredura criminal com a identidade através da conta gov.br. Expurgando o mal para algum meio digital temeroso, oculto e impopular.

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Victor Trias

Acho que essas redes estão dando um tiro no pé. Vai chegar num ponto em que qualquer publicação  deixará de ter interesse ao usuário já que não haverá como saber se é verdade ou mentira.

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Alexandre Gomes Camarú

Esperar espírito crítico e uma atitude investigativa de um público que, em sua grande maioria, é composto de analfabetos funcionais e que muitas vezes não vai além do título de um texto.

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