'Venda do olho' já foi proibida em outros países; saiba onde e por quê

A "venda do olho" por meio do escaneamento de íris em troca de criptoativos pela World Network foi proibida em diversos países. A empresa é a antiga Worldcoin, um projeto de criptomoeda da Tools for Humanity, empresa do "pai" do ChatGPT Sam Altman.

O que aconteceu

Criptomoedas em troca do escaneamento da íris. A partir de julho de 2023, Altman, CEO da OpenAI (empresa por trás da inteligência artificial), começou a oferecer criptomoedas em troca do escaneamento da íris de cidadãos comuns, em diversos países. As coletas "em fase de testes" se iniciaram dois anos antes, no entanto, segundo a agência Reuters.

Investigação sobre legalidade do procedimento. Na mesma semana do lançamento, o órgão de proteção de dados do governo francês, CNIL, iniciou uma investigação a respeito da legalidade do procedimento e do armazenamento dos dados. Ambos foram considerados "questionáveis" pelas autoridades francesas e meses após o início das investigações, a World Network já tinha se retirado da França, reportou a revista Fortune.

Em agosto de 2023, o Quênia se tornou o primeiro país a suspender a operação da World por causa do escaneamento de íris. À BBC, o governo do país ressaltou que iniciaria uma investigação com múltiplas agências e que havia preocupações em relação a "como os dados biométricos seriam armazenados", sobre a prática "de oferecer dinheiro em troca de dados" e de ter "muitos dados nas mãos de uma empresa privada". Na ocasião, quenianos faziam filas nas ruas para oferecer a íris e a empresa insistiu que nenhum dado é armazenado.

Sam Altman, CEO da OpenAI e fundador da World Network, durante conferência em maio de 2024
Sam Altman, CEO da OpenAI e fundador da World Network, durante conferência em maio de 2024 Imagem: Jason Redmond/AFP

Alemanha também investigou. Autoridades da região alemã da Bavária, onde a empresa tem uma sede, admitiram que a investigavam desde novembro de 2022. O motivo? Uso de tecnologia nova "para processar dados sensíveis em grande escala". Em dezembro de 2024, o órgão de proteção de dados local BayLDA obrigou a World "a fornecer um método de eliminação [dos dados] que cumpra as normas" do seu regulamento e "a garantir consentimento explícito para certas etapas de processamento [dos dados] no futuro", segundo o jornal português Observador. A World anunciou que vai recorrer.

Espanha baniu temporariamente o escaneamento da íris. Em março de 2024, foi a vez de o Supremo Tribunal da Espanha de banir temporariamente o escaneamento da íris pela World. O órgão regulatório do país havia apresentado uma queixa de que a empresa forneceu informação insuficiente sobre o projeto, coletou dados de crianças e adolescentes e não permitiu que retirassem o consentimento de uso após a coleta. Àquela altura, a empresa já havia coletado os dados dos olhos de mais de 400 mil espanhóis, segundo o El País. Em 19 de dezembro de 2024, as autoridades espanholas ordenaram que todos os dados já coletados das íris na Espanha fossem apagados pela companhia.

A Coreia do Sul também começou a investigar a iniciativa em março de 2024, mas permitiu sua retomada dois meses depois. Segundo o jornal The Korea Times, as autoridades seguiriam monitorando a atividade da empresa em busca de irregularidades. Hong Kong também proibiu a operação do projeto de criptomoedas da World em seu território em maio de 2024. As autoridades citaram "preocupações com privacidade" de seus cidadãos, segundo a Reuters.

Mulher 'prova que é humana' ao escanear a íris
Mulher 'prova que é humana' ao escanear a íris Imagem: WorldApp/Divulgação
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As autoridades portuguesas também baniram temporariamente a coleta das informações da íris. À Reuters, foi informado pelo houve dúzias de queixas entre fevereiro e março de 2024 a respeito de coleta de dados de crianças e adolescentes sem autorização, pouca informação oferecida às pessoas que "venderam" a íris e a impossibilidade de apagar os dados ou retirar o consentimento de uso deles por parte da empresa.

Em diversos casos, as suspensões deveriam durar poucos meses, mas os impedimentos às operações (ainda que parciais) se arrastaram. A World segue recorrendo de decisões de órgãos regulatórios em diversos países, de acordo com a imprensa internacional, e as autoridades ainda investigam e monitoram a coleta em locais como o Reino Unido. Assim como aconteceu na França, a empresa interrompeu o projeto na Índia diante do escrutínio.

Em julho de 2024, a Argentina multou a World em 194 milhões de pesos (R$ 1,12 milhão) por "práticas abusivas". Em comunicado à imprensa, as autoridades de Buenos Aires afirmaram que detectaram nos contratos de usuários cláusulas "que permitem à empresa interromper o serviço sem qualquer tipo de reparação ou reembolso" e que "obrigam os usuários a renunciar a reclamações coletivas e estabelecem que as normas aplicáveis, para residentes na Argentina, são leis estrangeiras".

Por que magnata quer tanto o seu olho?

Empresa de Altman trabalha na criação de um sistema único de verificação humana, o World ID. Para isso, sua equipe desenvolveu um dispositivo chamado Orb, com câmeras de alta resolução, que faz a coleta de dados da íris das pessoas. Após o escaneamento do olho, a empresa gera um código que funcionaria como uma forma de identificação de cada pessoa. Esse World ID poderia, por exemplo, ser usado por empresas no recrutamento de funcionários para garantir que quem concorre à vaga é, de fato, uma pessoa, e não um robô.

A íris é única e por isso pode identificar uma pessoa, como a digital. Cada pessoa nasce com uma íris — a parte colorida do olho —, que não é igual à de nenhuma outra pessoa no mundo. O desenvolvimento da íris (não da cor) não é determinado pela genética, dessa forma, nem mesmo irmãos gêmeos têm a mesma íris. O formato também não se altera ao longo da vida e, por isso, essa biometria seria mais precisa do que o reconhecimento facial, por exemplo.

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Dados pessoais biométricos, como a íris, são "sensíveis", ou seja, é preciso cautela ao compartilhá-los, diz a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). Se ela cair em mãos erradas, seria como andar com a senha do banco à mostra. A Tools for Humanity diz que as imagens da íris não estão sendo armazenadas. Além da íris, outros dados pessoais biométricos sensíveis são a palma da mão, as digitais, a retina, o formato da face e a voz.

Orb, com câmera de alta definição, tira fotos da íris
Orb, com câmera de alta definição, tira fotos da íris Imagem: REUTERS/Annegret Hilse

Escaneamento da íris é recompensado em token. Como contrapartida, quem cede as informações ganha um criptoativo, que pode ser trocado por dinheiro depois; há relatos de pessoas que conseguiram sacar até R$ 700, mas não há um valor fixo.

A procura por escaneamento da íris é alta. Mais de 22 milhões de pessoas já baixaram o app da empresa (WorldApp) no mundo, sendo um milhão apenas no Brasil. Destas, 400 mil fizeram a verificação de íris. Como mostrou Tilt, parte dos brasileiros que buscou o serviço de escaneamento da íris tinha pouca informação sobre o projeto e vontade (ou necessidade) de ganhar dinheiro.

ANPD pediu detalhes para a TFH (Tools for Humanity), que enviou a documentação, atualmente em análise. O órgão solicitou informações sobre o tratamento de dados, os direitos que os titulares dos dados têm e o contexto da coleta. O processo de fiscalização começou em novembro do ano passado, com o início das atividades da TFH no Brasil. Especialistas em segurança e privacidade veem com preocupação iniciativas como a da empresa.

*Com dados de matéria publicada em 17/01/2025

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