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'Puro lucro': golpistas vendem cartão clonado a R$ 35 nas redes sociais

Perfil no Twitter que negocia venda e aluguel de cartões clonados - Reprodução/Twitter
Perfil no Twitter que negocia venda e aluguel de cartões clonados Imagem: Reprodução/Twitter

Matheus de Moura

Colaboração para Tilt, do Rio

30/03/2023 04h00Atualizada em 30/03/2023 09h06

Golpistas passaram a usar redes sociais, como o Twitter, para atrair interessados em comprar e alugar cartões clonados. Por meio de apps como WhatsApp e Telegram, eles divulgam relatos de supostos clientes satisfeitos com a aquisição e exibindo produtos comprados com o dinheiro extraviado, segundo mensagens vistas por Tilt.

"Quem compra nunca se arrepender. Material tá puro lucro, vamos pra cima (sic)", diz o dono do perfil "Professor do 7 cartão clonado" no Twitter, que soma 2.711 seguidores.

Segundo especialistas consultados pela reportagem, as práticas descritas caracterizam diversos crimes, como:

  • fraude eletrônica;
  • roubo de identidade;
  • acesso não autorizado a computadores;
  • lavagem de dinheiro;
  • conspiração.

Por meio das contas, os criminosos oferecem os seguintes pacotes:

  • Cartão clássico com R$ 300 de saldo por R$ 35;
  • Tipo Black com R$ 900 de saldo por R$ 80;
  • Outros com saldo entre R$ 5 mil e R$ 8 mil custam em torno de R$ 460.

Para seduzir clientes, exibem "casos de sucesso": celulares, aparelhos de ar-condicionado, placas de vídeo e TV Smart comprados com os cartões e colocados nas contas de outras pessoas.

Em publicação de 4 de outubro de 2022, o perfil "Lobo Mal CCS (cartao clonado)", também no Twitter, exibe um print do WhatsApp em que clientes comemoram o sucesso da compra de um celular Xiaomi Redmi 10 por R$ 1.185,49, uma transação realizada com cartão clonado.

Seguido por 1.598 contas e ativo desde novembro de 2019, o perfil indica em sua descrição um link para um número no WhatsApp em que é possível negociar os cartões. A permanência desse perfil no ar por mais quase quatro anos é fato raro.

Um vendedor de cartões clonados afirmou à Tilt que as páginas de comércio do tipo nas redes sociais são derrubadas recorrentemente, fazendo com que tenham que construir uma nova identidade sempre que necessário. A tendência é comprovada pelas outras cinco contas que foram abordadas, mas não toparam falar. A constante troca de perfis, diz ele, atrapalha o lucro mensal, que varia entre vendedores. Ele não quis revelar quanto costuma faturar.

O vendedor, que pediu para não ter nome e negócio expostos, mas possui um dos perfis mais populares, com 3 mil seguidores, explica que os cartões comercializados têm três origens:

  • Por meio de extravios a partir de agências bancárias;
  • Das ruas após golpes da maquininha aplicados por ambulantes;
  • De dados financeiros vazados; o comércio costuma acontecer em sites da dark web (espécie de internet invisível).

Varejo de contas alugadas

clonados - Reprodução/Telegram - Reprodução/Telegram
Grupo no Telegram usado para vender cartões clonados
Imagem: Reprodução/Telegram

No grupo do Telegram "CC's e Laranjas", o vendedor que se apresenta como Braga explica diariamente que os cartões e as laranjas (contas que podem ser alugadas para despistar a origem e, por vezes, o ponto final de uma transação econômica) têm recursos e disponibilidade finitos. Portanto, os usuários devem esperar para acioná-lo.

Por volta das 12h de 7 de março, Braga anunciou no grupo: "VOU ENCERRAR AS VENDAS MAIS CEDO HOJE!". Em seguida, liberou a tabela de preços, prometendo que vem com "Nome completo, CPF, Data de Nascimento..." e que dá uma garantia caso o cartão não funcione. Antes que algum comprador desatento o chamasse, ele avisou: se não souber usar, melhor nem comprar.

As negociações ocorrem no privado, mas ele mostra, por meio de prints que não mostram o rosto de seus clientes, o sucesso das vendas e como funcionam as coisas. Numa conversa recente, um cliente, por volta das 22h, pede para comprar uma conta com saldo, para o que recebe, na manhã seguinte, uma resposta explicando que "já tinha encerrado as vendas".

Em outros grupos, como o "Cartão de crédito CLONADOS E PIX ON", que conta com 14 mil membros, o usuário identificado como Johnny Bravo Consultáveis, que se apresenta como gerente do grupo, republica diariamente o mesmo aviso: o grupo é voltado à venda de cartões e notas falsas, e a única pessoa autorizada a fazer isso é ele.

"Não negociem com esses parasitas que chamam no privado. Quem chama no privado tá desesperado para dar golpe. Não negociem com terceiros", anuncia.

O vendedor ouvido por Tilt conta que, na mesma proporção que o comércio corre solto, há aqueles que fazem ofertas falsas para extorquir os possíveis clientes.

"São os famosos lotters: enganam os clientes afirmando fazer a entrega do material, e na hora eles somem", explica.

Como combater a prática?

Para o delegado Thiago Chinellato, da Divisão de Crimes Cibernéticos na Polícia Civil de São Paulo, as fraudes online aumentaram assim que o covid-19 fez diversos serviços migrarem para a internet.

São diversos os crimes cibernéticos, mas com certeza, após o advento da pandemia e a migração ou aumento dos serviços e atividades na internet, observamos um aumento das fraudes nesse cenário
Thiago Chinellato, da Divisão de Crimes Cibernéticos na Polícia Civil de São Paulo

Na avaliação da advogada Adriana Cansian, especializada em segurança digital, explica que os setores público e privado ampliaram os investimentos em tecnologia e aparato legal nos últimos anos para proteger cidadãos de golpes e vazamentos de dados, como os que são comercializados no Telegram e e Twitter.

Consultada pela reportagem, a Abesc (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) afirma que o Brasil avançou na segurança física, mas que o mundo digital representa um desafio.

Mais de 98% das compras presenciais feitas com cartões no Brasil são por meio de cartões com chip, e toda a base de terminais de captura (POS) está preparada para receber esse tipo de transação. Em consequência desse investimento, o setor eliminou a clonagem de cartões no ambiente físico, uma vez que as informações do chip não podem ser copiadas
Abecs

Eduardo Pires, gerente geral da Incognia no Brasil e especialista em prevenção à fraude e segurança digital, explica que os criminosos brasileiros se diferenciam dos de outros lugares por serem mais inventivos e especializados. "O país se destaca como um dos campeões mundiais quando o assunto é criatividade e mesmo conhecimento técnico para aplicar técnicas de engenharia social."

Para driblar os golpistas, algumas empresas apelam à tecnologia. Empresas como Banco BMG, Serasa Experian, iFood e Rappi recorrem a uma ferramenta que usa geolocalização para validar compras. Ela cruza o padrão de comportamento do usuário com a localização em que a transação está sendo feita. A partir daí, indica a possibilidade de o cliente estar sendo vítima de um golpe. Isso ajuda a evitar roubos de contas.

Já na esfera pública, Adriana Cansian explica que o desafio para combater esse tipo de fraude é implementar os aparatos legais criados para resguardar a privacidade dos usuários e punir quem vaza dados ou os utiliza sem o consentimento deles. Ela cita a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e a criação da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) como estruturas positivas, mas que ainda não surtiram o efeito esperado.