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ESG na prática: como economia circular reaproveita de latas a uniformes

Getty Images - No Brasil, grande parte das latas produzidas são reutilizadas
Getty Images Imagem: No Brasil, grande parte das latas produzidas são reutilizadas

Julia Moióli

Colaboração para Tilt, em São Paulo

25/08/2022 04h00Atualizada em 31/08/2022 13h34

Fala-se muito de ESG no mundo corporativo, mas para quem está de fora fica difícil entender como esta sigla (que diz respeito à prática de empresas com foco em meio ambiente, social e governança ou Enviromental, Social e Governance , do inglês) funciona no dia a dia. Um dos principais exemplos é criar um ciclo de reutilização criativa, reaproveitando materiais - como restos de alumínio, plástico ou tecidos de roupas - para a criação de latas, embalagens ou novos uniformes.

A reutilização criativa (ou upcycling) consiste em pegar restos ou itens aparentemente inúteis e transformá-los em novos produtos. Esta tem sido uma forma comum que empresas têm entrado na dita economia circular que, nada mais é que, o conceito de reduzir insumo na produção de algo novo.

Por que a economia circular importa?

De acordo com a Fundação Ellen MacArthur, que atua em parceria com empresas, governos e academia para acelerar a transição rumo a uma economia circular, o conceito "envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos" e se baseia em eliminar resíduos e poluição desde o princípio e manter produtos e materiais em uso.

"Tudo o que é descartado passa por uma série de ações como reuso, remanufatura, reciclagem para ser transformado em matéria-prima", explica Ademir Brescansin, gerente executivo da Green Eletron, entidade gestora de logística reversa de produtos eletroeletrônicos, pilhas e baterias portáteis.

Aderir à economia circular não se trata apenas de uma questão ambiental. "As empresas não podem se basear mais em uma economia linear, por que o risco econômico é muito grande. A pandemia de covid-19 nos mostrou o que problemas nas cadeias de suprimentos globais podem causar", disse Ana Stivanin Senatore, gerente de sustentabilidade da Vivo.

Abaixo, iniciativas de como empresas de diferentes ramos têm atuado, na prática, com a economia circular:

Dos restos de tecido ao uniforme novo

A companhia aérea Latam produz milhares de uniformes para seus funcionários, e começou a fazer um sistema de upcycling para reaproveitamento dos materiais. No início deste ano, a empresa anunciou a meta de zerar o envio de resíduos para aterros sanitários até 2027.

Um dos primeiros passos da Latam foi fazer uma parceria com a consultoria Revoada para reaproveitar tecidos de uniformes antigos para a criação de novos. Embora o desmonte dos materiais seja manual, itens passam por um processo de destruição térmica dos resíduos, chamado de coprocessamento.

"Essa técnica pode contribuir para a preservação ambiental, já que substitui o uso de matérias-primas e combustíveis fósseis na fabricação de insumos e ainda garante destinação mais adequada para os resíduos com alto impacto ambiental", conta Gislaine Rossetti, diretora de relações institucionais e regulatório e responsável pela área de sustentabilidade da aérea.

Reutilizando o alumínio para fazer novas latas

Uma latinha de alumínio descartada precisa de apenas 60 dias para retornar às prateleiras como um novo produto.

No Brasil, que recicla 99% das embalagens do tipo, todo o ciclo, que inclui limpeza, processamento e transformação, além de transporte e envasamento, é realizado quase que sem desperdícios.

"A reciclagem das latas de alumínio é um exemplo de como combater o modelo linear de economia é possível e vantajoso: ao mesmo tempo em que aumentamos a produção para atender à demanda do mercado, também cumprimos nossas metas socioambientais", explica Estevão Braga, diretor de sustentabilidade da Ball, uma das principais fabricantes de embalagens em alumínio do mundo.

Caso não tivesse dedicado as últimas décadas a investir no desenvolvimento de tecnologias e processos de reciclagem necessários para devolver o material à cadeia produtiva, o país teria lançado, apenas nos últimos 16 anos, cerca de 20 milhões de toneladas a mais de gases de efeito estufa na atmosfera.

Transformando restos de plásticos em novas embalagens

A petroquímica Braskem é uma das principais empresas de biopolímeros do Brasil. Recentemente, a companhia criou o Cazoolo, um centro de desenvolvimento de embalagens para economia circular. Ele consiste em um espaço de inovação para que diferentes atores (de startups a universidades) possam criar projetos e produzir embalagens sustentáveis reutilizando produtos.

Embalagem Stand Up Pouch, como o nome sugere em inglês, são embalagens que param em pé - Getty Images - Getty Images
Embalagem "Stand Up Pouch"; como o nome sugere em inglês, são embalagens que param em pé
Imagem: Getty Images

Até o momento foram desenvolvidas duas novas soluções: uma embalagem Stand Up Pouch (aqueles sacos que param em pé) feita com matéria-prima reciclada e uma solução monomaterial em Bopp (Polipropileno Biorientado, material flexível e de alta resistência) - em português simples, um substituto de embalagens multicamada, como as usadas para guardar biscoitos e salgadinhos.

A companhia também tem um projeto no Parque Ibirapuera, em São Paulo, com a Urbia, concessionária que administra a área.

Com o objetivo de tornar o parque o mais sustentável da América Latina até 2030, a companhia está reformando 500 lixeiras, e adicionando novas com informações de descarte de materiais analógicos e digitais. Além disso, a companhia vai implementar um sistema de cashback para ajudar a conscientizar os frequentadores.

Quem, por exemplo, usar um dos coletores digitais do parque acumula pontos, que podem ser trocados por benefícios no Parque do Ibirapuera ou desconto em restaurantes da área de concessão.

Descarte de celulares em lojas

Celulares sendo descartados em cesto de reciclagem - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Apesar do esforço de empresas no ramo de economia circular, o sucesso dele depende em grande parte de um agente externo: o consumidor.

Foi graças à participação de consumidores que o programa Recicle com a Vivo recebeu, desde que foi criado em 2006, mais de 128 toneladas (com a meta de bater 10 toneladas apenas este ano) de aparelhos celulares fora de uso e promoveu o reúso dos materiais que os compõem.

Também graças às campanhas de conscientização, já conseguiu coletar e recondicionar mais de 1,4 milhão de modems e decoders.

Óleo usado vira biodiesel

Pessoa descartando óleo de cozinha - Getty Images - Getty Images
Descarte responsável de óleo de cozinha pode ajudar a transformá-lo em biodiesel
Imagem: Getty Images

A Cargill tem o programa Ação Renove o Meio Ambiente, da marca de óleos Liza. A empresa informa que já recolheu em mais de 4 mil postos de entrega e reciclou 8 milhões de litros de óleo de cozinha para reutilizar como matéria-prima na produção do biodiesel.

"Sabemos que não podemos extrair indefinidamente os recursos nem descartar sem dar à natureza o tempo necessário para ela se recuperar e que essa é uma responsabilidade a ser dividida entre a indústria, o comércio, o governo e o público", reforça Márcio Barella, coordenador de sustentabilidade da Cargill. "E tudo começa pelo consumidor."

Itens tecnológicos também são reaproveitados

O Sinctronics se descreve centro de desenvolvimento de soluções de reúso e remanufatura de materiais. A companhia atua no reaproveitamento de impressoras, computadores, celulares, entre outros itens: do plástico usado nos produtos até itens eletrônicos.

Atualmente, a empresa tem uma fábrica certificada como "zero waste" (resíduo zero) na área de eletroeletrônica. Nela, 95% de todo o seu resíduo é transformado em matéria-prima usada tanto internamente quanto por parceiros de outras cadeias, e 5% são convertidos em energia. São mais de 800 toneladas por mês, que a empresa quer dobrar até o final do ano que vem.

Números à parte, a empresa conta até com o Sincbin, um dispositivo de internet das coisas para facilitar a coleta de cartuchos de impressão. Ele é uma espécie de "sensor" conectado que fica dentro de caixas coletoras de cartucho. Quando o recipiente atinge 70% da capacidade, ele abre um chamado na central de atendimento da companhia para a coleta dos materiais.