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Urânio apreendido pela polícia em Guarulhos é pedra convencional; entenda

Exemplo de minério de urânio, matéria-prima para combustível nuclear - Marcelo Correa/Divulgação INB
Exemplo de minério de urânio, matéria-prima para combustível nuclear Imagem: Marcelo Correa/Divulgação INB

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Tilt, do Recife

12/04/2022 08h47Atualizada em 14/04/2022 14h02

Análise posterior feita pelo IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) mostrou que o material apreendido em Guarulhos (SP) trata-se de uma pedra convencional, sem urânio. Abaixo, o texto na íntegra como foi publicado.

Um quilo de pedras, identificadas como "material radioativo urânio bruto", foi apreendido no último domingo (10), no bairro de Vila Barros, em Guarulhos, na Grande São Paulo.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP), o material estava sendo comercializado de forma ilegal por dois homens, um de 34 e outro de 40 anos, que foram presos em flagrante por porte de material nuclear e crime contra a ordem econômica.

No Brasil, qualquer material que se enquadre como mineral radioativo do solo natural precisa seguir as normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Entre elas, são exigidas licenças para transporte e comercialização.

Além disso, esses materiais são de propriedade da União. Os indiciados não informaram a procedência do material à polícia.

De acordo com a SSP, a Polícia Civil havia recebido informações anônimas de que o material estava sendo comercializado na Rua Eugênio Diamante. Policiais à paisana se passaram por compradores.

Os agentes "receberam as pedras como amostra de uma quantidade maior, de duas toneladas. Na casa, havia diversas pedras aparentando o material urânio em estado bruto, com documento sobre análise de fluorescência de raios-X", informou em nota a Secretaria de Segurança Pública.

As pedras apreendidas foram lacradas e enviadas ao Ipen para análise de técnicos. O caso foi encaminhado à Justiça Federal.

O gerente do Centro Reator de Pesquisas (CRPq) do Ipen, Frederico Genezini, explica que "o urânio natural, que não está contabilizado no inventário do país, pode ser ilegalmente comercializado e por isso tem grande valor".

Afinal, é perigoso?

O urânio é um mineral encontrado na natureza com propriedades radioativas. Ou seja, seus átomos apresentam a capacidade de emitir radiação (partículas de energia) de forma espontânea. Essa radiação pode interagir com o corpo humano e alterar estruturas celulares.

No entanto, nem toda atividade radioativa é necessariamente perigosa ao ser humano. Um exemplo é a luz do sol, que emite radiação mas podemos conviver com ela. Se ela é potencialmente perigosa ou não, vai depender da quantidade emitida e da densidade do corpo que vai se submeter à exposição.

Segundo o professor do Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), Carlos Brayner, uma ou duas pedras brutas de urânio (na casa dos quilogramas), embora radioativas, não são amplamente perigosas para a saúde. Em contrapartida, podem ter pouca utilidade.

"O urânio é perigoso quando se acumulam os produtos do decaimento dele. Por exemplo, dentro de um ambiente fechado, alguns produtos podem ser gasosos. Ao inalar (constantemente) materiais radioativos do urânio, a pessoa pode vir a ter algum tipo de problema", afirma Brayner.

Segundo o cientista, no passado pedras de urânio chegaram a ser utilizadas para decoração ornamental, mas isso foi proibido por não trazer nenhum tipo de benefício ao ser humano.

É possível fazer bombas com urânio no Brasil?

O gestor do Ipen Frederico Genezini explica que o urânio é formado basicamente por dois isótopos (238 e 235). Eles são muito pouco radioativos, o que explica, por exemplo, porque ele ainda está presente em grande quantidade na natureza.

O isótopo 235 é um pouco mais radioativo que o 238 e por isso é utilizado nas usinas nucleares do Brasil. Segundo os especialistas ouvidos por Tilt, os dois são quimicamente iguais, mas o primeiro produz energia (radiação) capaz de levar a uma explosão, e o outro não.

No entanto, na natureza, a cada 99% do isótopo 238, encontra-se menos de 1% do isótopo 235. Ou seja, para a fabricação de armas nucleares, é preciso extrair uma grande quantidade de urânio - ou enriquecê-lo através de processos físicos e caros.

"É necessário pelo menos umas cinco toneladas de urânio in natura para conseguir extrair a quantidade suficiente do isótopo 235 capaz de gerar energia para fabricar uma bomba", calcula Brayner, do CRCN-NE. Segundo ele, o elemento in natura só tem grande utilidade mesmo para alguns tipos de reatores.

Ele lembra ainda que, mesmo que alguém consiga essa grande quantidade do isótopo 235, a confecção de armas com esse urânio demanda instalações muito complexas que poucos países possuem.

O Brasil não é um deles. Somos um dos 189 signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), um acordo internacional em que seus membros se comprometem a não desenvolver bombas atômicas. Ele foi elaborado em 1967, mas o Brasil só assinou em 1998, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso.

"O urânio é quimicamente tóxico e é um material nuclear. Portanto, nos países signatários, é sujeito a controle pela Agência Internacional de Energia Nuclear e outros organismos nacionais e internacionais", lembra Genezini.

Mas o país faz outros usos do urânio. Atualmente, o Brasil produz combustível enriquecido de urânio para as indústrias.

"Devido à sua alta densidade e à grande quantidade de elétrons, o urânio é um material caro e pode, inclusive, ser utilizado para confecção de blindagem para radiação", exemplifica Frederico Genezini, do Ipen.