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Como 'exército de TI' recrutado pela Ucrânia é usado em guerra com Rússia

Camila Mazzotto

Colaboração para Tilt, em São Paulo

02/03/2022 04h00Atualizada em 02/03/2022 09h10

Diante de ataques cibernéticos que começaram antes mesmo de a Rússia invadir a Ucrânia, a nação vizinha se articula para travar uma guerra no front virtual. No último sábado (26), o ministro de Transformação Digital ucraniano, Mykhailo Fedorov, convocou um "exército de TI" para ajudar o país a se defender dos avanços russos no campo digital.

Em mensagem publicada no Twitter, foram convocados especialistas em tecnologia da informação dispostos a "lutar no front cibernético". A publicação redireciona para um canal no Telegram, onde os voluntários estão recebendo tarefas para auxiliar na defesa digital do país — até a conclusão desse texto, o grupo já contava com mais de 32 mil inscritos.

Vale lembrar que o aplicativo de mensagens, inclusive, tem sido usado pela população na Ucrânia para compartilhar informações.

"Estamos criando um exército de TI. Nós precisamos de talentos digitais", anunciou Fedorov. "Haverá tarefas para todos. Nós continuamos a lutar no front cibernético", disse o vice-primeiro ministro, que também tem feito pedidos em suas redes sociais para que as empresas de tecnologia globais limitem o acesso dos russos aos sistemas mundiais.

Algumas plataformas já tomaram atitudes. Alguns exemplos são a Meta (ex-Facebook), o YouTube e o Twitter. Os três bloquearam a monetização das páginas de mídias estatais russas visando combater a desinformação.

Guerra virtual -- e de informação

A primeira tarefa solicitada pelo governo da Ucrânia pede aos voluntários que realizem um tipo de estratégia atribuída a operadores hackers russos contra a Ucrânia: ataques de negação de serviços (DDoS - "denial of service"), cujo objetivo é tirar um site do ar ao direcionar a ele mais tráfego do que é capaz de suportar.

Nesse caso, a missão era derrubar sites de empresas, bancos e do governo da Rússia. E parece ter sido bem sucedida: no começo do sábado, o site oficial do governo russo, o Kremlin.ru, ficou fora do ar, segundo informações da agência de notícias Reuters.

Por um tempo, o popular site de buscas Yandex — o "Google russo" — também ficou indisponível, segundo o site Ars Technica.

As páginas do Comitê de Investigação da Federação Russa, o FSB da Federação Russa, do Sberbank (maior banco russo) "e outros importantes sistemas de informações governamentais" estiveram fora do ar no domingo (27), de acordo com o Departamento Nacional de Polícia Cibernética da Ucrânia.

Confira a seguir imagens de satélite que mostram avanço da Rússia contra Ucrânia nos primeiros dias do conflito:

Imagens de satélite mostram avanço da Rússia contra Ucrânia

Outros alvos

Mas os alvos do "exército de TI" não se restringem a sites do governo ou de grandes corporações. "Também incluiremos sites de notícias, canais do YouTube e blogueiros que mentem abertamente sobre a guerra na Ucrânia", orienta uma mensagem no grupo do Telegram — em referência à mídia russa, que está proibida de chamar o conflito na Ucrânia de guerra, por exemplo.

Nesta segunda-feira (1), o canal incentivou blogueiros e youtubers da Ucrânia a fazerem transmissões "24 horas por dia, 7 dias por semana, para os russos".

"Todos os meios de comunicação [russos] significativos estão sob controle governamental. Mas milhares de ucranianos estão prontos para mostrar a verdade", diz o comunicado.

Os voluntários também foram incentivados a derrubar sites registrados em Belarus, um dos principais aliados da Rússia. No mesmo dia em que um referendo iria decidir se o país introduziria mais tropas em território ucraniano, o canal reforçou a necessidade de "uma grande empresa de informação independente" por lá — também notória pelo controle estatal da mídia — para mostrar o que está acontecendo na Ucrânia.

Resposta aos ataques russos

Reescrever a narrativa que Moscou está apresentando aos russos sobre a guerra é um dos motivos que impulsiona os ataques cibernéticos liderados pela Ucrânia. Mas essa não é a única razão.

Um ex-oficial ucraniano que tem conhecimento da organização do "exército de TI" diz que o grupo foi formado como uma forma de revidar contra os ataques virtuais da Rússia.

"Já sabemos que eles [russos] são muito bons em ciberataques. Mas agora vamos descobrir o quão bons eles são na defesa cibernética", disse o ex-funcionário à revista Wired. A Rússia tem, de fato, capacidades significativas para realizar ataques hacker.

Um levantamento da empresa de segurança digital NSFocus, especialista em proteção contra DDoS massivos, revela que as ameaças contra a Ucrânia no front digital começaram pelo menos 10 dias antes da invasão territorial, iniciada no último dia 24. E os responsáveis seriam de hackers da Rússia.

Provedores de internet, instituições financeiras, instalações governamentais, emissoras de televisão, órgãos nacionais e secretarias de gabinete estão entre os alvos de ações cibernéticas, segundo um relatório da empresa sobre o conflito, compartilhado com exclusividade a Tilt.

É difícil avaliar qual será o saldo final da resposta ucraniana contra os ataques russos no ambiente virtual. Embora haja milhares de inscritos no canal do Telegram, não é possível saber quem são ou qual envolvimento tiveram com as tarefas publicadas.

Também há desafios em torno de como distribuir os alvos e evitar infiltrações — o grupo, no entanto, parece continuar a todo o vapor na missão de proteger o país e atacar a Rússia.