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Sem supercomputador, Brasil pode estagnar em sistemas de previsão do tempo

Supercomputador Tupã foi comprado em 2010 e já teve o status de ser o 29º mais rápido do mundo - Divulgação
Supercomputador Tupã foi comprado em 2010 e já teve o status de ser o 29º mais rápido do mundo Imagem: Divulgação

Marcos Bonfim

Colaboração para Tilt

13/07/2021 04h00

Após idas e vindas, o desligamento do supercomputador Tupã, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), vai ficar para dezembro de 2021. Antes, por restrições orçamentárias, a desativação poderia acontecer antecipadamente, em agosto.

O equipamento que o substituirá, porém, funcionará apenas de maneira paliativa, o que representa um risco para o Brasil de estagnar em pesquisas que envolvem a criação de modelos avançados e mais precisos de previsões climáticas, segundo Gilvan Sampaio, coordenador-geral do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), do Inpe, e especialistas do setor ouvidos por Tilt.

Para eles, esse novo cenário no longo prazo pode trazer prejuízos para a previsão de clima e de tempo no Brasil.

"A meteorologia e a previsão funcionam bem quando têm rapidez na transmissão de dados e também no processamento. Então, cada vez mais você precisa de sistemas robustos de computação para ampliar as previsões. Sem isso, as coisas ficam meio perdidas", explica Ana Maria Heuminski de Avila, meteorologista e pesquisadora no Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas em Agricultura), da Universidade Estadual de Campinas.

Troca necessária

Sampaio explica que a verba que estava contingenciada, cerca de R$ 31 milhões (de um orçamento total para 2021 de R$ 76 milhões) foi liberada, o que permitirá o funcionamento do Tupã até o fim do ano, seguindo o planejamento do Inpe, que já articulava sua substituição há algum tempo.

A troca é mais do que necessária, segundo o coordenador-geral do CPTEC. O Tupã foi comprado em 2010 e ficou defasado. Sem contar o custo de manutenção: só em energia são gastos R$ 5 milhões por ano. Mas do jeito que o seu desligamento foi acordado, a substituição por um equipamento sem o nível do supercomputador será apenas paliativa.

De acordo com Sampaio, não há no horizonte nenhuma perspectiva da chegada de um novo supercomputador superior ou do porte do Tupã — que chegou a ter status de ser o 29º mais rápido do mundo e 3º maior na área de previsão operacional de tempo e clima na época de sua aquisição.

Entenda os potenciais riscos

Sampaio teme que a ausência de um supercomputador possa colocar o país em um momento de "morosidade" e "estagnação" em relação à produção de dados importantes que ajudam na tomada de decisões no Brasil. "Sem uma máquina de grande porte, nós não conseguiremos evoluir com a velocidade necessária. Por exemplo, a partir das pesquisas e aprimoramento dos modelos, nós poderíamos antever melhor uma crise hídrica como a que estamos vivendo agora."

Para a professora Heuminski de Avila, há toda uma cadeia de setores envolvida, como agricultura, energia, recursos hídricos e meio ambiente, que depende cada vez mais de informações precisas e rápidas, e que pode sofrer com os impactos.

Hoje, por exemplo, grandes demandas de estatísticas e previsões vêm da agricultura, onde as informações possibilitam entender melhor as probabilidades de chuva, características das próximas estações. Os dados oferecem subsídios para a definição das estratégias para uso de defensivos agrícolas, explica a pesquisadora. Além disso, as análises podem auxiliar o setor elétrico com dados sobre previsão de chuvas, estiagens, dias muito quentes ou eventos extremos, que ajudam a prever melhor os fluxos de consumo de energia.

Todas essas áreas estão entrelaçadas. Se pegarmos uma pirâmide, clima e tempo estarão na base, influenciando a questão de segurança alimentar, hídrica e energética", ressalta Heuminski de Avila.

Sampaio completa citando o problema das queimadas no Brasil: "precisamos incluí-las explicitamente no Brasil, as emissões recorrentes, porque isso impacta na previsão de tempo, na previsão de clima, nas projeções futuras. Se não fizermos isso, ninguém vai fazer."

Para ele, outro risco é o Brasil ficar para trás no desenvolvimento tecnológico e passar a depender de modelos preditivos de órgãos e empresas estrangeiras, sem o domínio da tecnologia pelo país. "Você só faz esse tipo de pesquisa se você tem um supercomputador potente para aprimorar esse tipo de previsão. Requer não apenas modelagem, mas também técnicas de análise, por exemplo, utilizando inteligência artificial. E você precisa de máquina potente para esse tipo de ação."

Perda de protagonismo

Para Pedro Leite da Silva Dias, professor do departamento de Ciências Atmosféricas do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) e ex-diretor do próprio Instituto, a situação atual é reflexo da diminuição de recursos para ciência e tecnologia ao longo dos últimos 10 anos.

De acordo com Dias, a falta de um computador de alto desempenho adequado às demandas atuais mostra a perda de protagonismo do Brasil no cenário internacional, um problema que piora com a perda de talentos, com a migração de jovens pesquisadores para os Estados Unidos ou países da Europa.

A dependência do Brasil de produtos e soluções desenvolvidos em centros estrangeiros é mais um agravante. "A experiência desses últimos 30 anos mostra que ter uma dependência total em produtos que vêm de fora não é prudente, porque existem situações em que ter o próprio modelo de previsão adequado às condições locais fornece dados mais confiáveis do que a de modelos mais genéricos que costumam ser disponibilizados por esses centros", explica Dias.

Para exemplificar a importância de modelos próprios, os especialistas citam o caso do Cerrado, bioma típico brasileiro com feições que vão desde pastagem até algo parecido com floresta tropical. Nos formatos estrangeiros, ele aparece representado como se fosse uma savana africana. A situação do Pantanal é pior ainda, nem existe, alertam.

O substituto do Tupã

Com a tecnologia avança rapidamente, supercomputadores como o Tupã têm uma vida útil média de cinco anos e precisam de constantes atualizações. Longe dos tempos áureos, o equipamento vem deixando de exercer algumas funcionalidades até como forma de prolongar a sua vida útil.

Em 2018, o CPTEC direcionou todas as previsões numéricas de tempo e de clima sazonal para um equipamento de menor porte, o XC50, chamado de "anexo", obtido com recursos de uma emenda parlamentar. No mesmo período, optou por desligar seis dos 14 gabinetes do supercomputador, uma forma de reduzir os custos com o consumo de energia e também de pensar na reposição das peças, logo que a Cray, responsável pela máquina, tinha parado de fabricar o modelo.

Com isso, o supercomputador ficou responsável por fazer pesquisas e a produção de cenários de mudança climática, como projeções de anos e décadas, que atendem, por exemplo, às comunicações nacionais do governo.

Agora, o Tupã terá parte das suas atividades, a que foca no desenvolvimento de modelos para os eventos extremos, assumida por um "cluster", um computador de menor porte recém-adquirido pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), a partir de recursos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e previsto para chegar ao Brasil em até setembro.

O novo equipamento, porém, não tem capacidade para fazer cenários de longo prazo. "O Tupã, para fazer essas projeções para as próximas décadas, às vezes fica rodando 40 a 50 dias direto, e isso porque ele faz trilhões de cálculos por segundo", explica Sampaio. O cluster é uma máquina que chega para desenvolver um papel paliativo.

De acordo com o MCTI, o equipamento foi adquirido no último dia 3 de junho. Ele teria custado US$ 700 mil. Em um vídeo gravado por Clezio Marcos de Nardin, diretor do Inpe, em que comenta a situação, ele afirmou que o computador era "mais moderno, mais eficiente energeticamente."

A reportagem entrou em contato com o MCTI (Ministério da Tecnologia, Ciência e Inovações), mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. Foram feitas várias tentativas por email, telefone e mensagem via WhatsApp (para a equipe de plantão da imprensa) desde o dia 28 de junho.