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IA Google pode ajudar a detectar câncer de pele, mas médicos têm ressalvas

Médico analisando se há presença de melanoma (câncer de pele) em paciente usando um dermatoscópio - Getty Images
Médico analisando se há presença de melanoma (câncer de pele) em paciente usando um dermatoscópio Imagem: Getty Images

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

15/06/2021 09h14

Em maio, o Google anunciou um novo recurso de inteligência artificial, que usa a câmera do celular para identificar problemas de pele, unhas e cabelos. A tecnologia demonstrou bons resultados ao reconhecer 288 doenças, mas é vista com cautela por médicos da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), que temem que as pessoas deixem de procurar um profissional ou se automediquem.

O Derm Assist, que deve ser lançado até o final do ano, funciona assim: quando encontrar algo suspeito na pele (como verrugas, erupções, lesões ou descolorações), basta tirar três fotos da área com a câmera do celular e responder a algumas perguntas do "Dr. Google".

A ferramenta, então, vai apontar possíveis diagnósticos, com base nas imagens (comparadas pelo algoritmo com um enorme banco de dados) e nas características do "paciente", como idade, tipo de pele, sexo e raça. Informações, revisadas por dermatologistas, e respostas para perguntas comuns sobre as doenças, são apresentadas na sequência.

A SBD ressalta que esse tipo de mecanismo pode ser útil, ajudando que doenças malignas como o câncer de pele sejam detectadas em suas fases iniciais, mas não substitui a atuação do médico.

"Essa tecnologia pode acelerar a ida ao consultório médico, facilitando diagnósticos precoces, especialmente na triagem de lesões graves, como o câncer de pele, que normalmente não causa sintomas evidentes nos primeiros momentos. Não é raro o paciente só buscar por um dermatologista quando a situação já está avançada, com prognóstico negativo", disse Daniel Holthausen Nunes, coordenador do Departamento de Teledermatologia da SBD, em comunicado.

Já Chao Lung Wen, responsável pela disciplina de telemedicina do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), reforçou que "somente o médico pode assumir as condutas terapêuticas e o tratamento, traçando um raciocínio investigativo, a partir das informações clínicas de cada paciente, como o biótipo".

Ética e diversidade

Para criar o Derm Assist, o Google usou um sistema de aprendizado profundo (deep learning), que vem sendo desenvolvido há três anos, e foi apresentado em um artigo na revista Nature Medicine, em 2020. De acordo com a pesquisa, ele foi capaz de identificar 26 problemas de pele com a mesma precisão que um dermatologista.

A equipe treinou o sistema com milhões de fotos de pele saudável e de áreas afetadas por patologias dermatológicas diversas, incluindo 65 mil imagens de doenças já diagnosticadas. Ao ser testada em pacientes reais, a ferramenta identificou corretamente o problema nas três primeiras sugestões em 84% das vezes; se consideradas todas as opções apresentadas, o índice de acerto foi de 97%.

Uma publicação recente, no Jama, aponta que a ferramenta pode ajudar médicos sem especialização em dermatologia a diagnosticar enfermidades de pele, cabelo e unhas. Mas Lung Wen ressaltou que questões éticas também devem ser consideradas no uso de plataformas desse tipo, que devem ser monitoradas pelas organizações de profissionais de saúde dos países.

"O médico moderno, com capacidade de análise crítica, investigativa e de comunicação, com o suporte da tecnologia, pode ser capaz de aperfeiçoar sua relação de confiança com os pacientes, oferecendo assistência e contemplando aspectos de segurança, eficiência e empatia. Assim, será viável promover maior comprometimento da população, por meio dessas condutas, ajudando-a a conhecer melhor sua saúde, as doenças e os autocuidados", concluiu.

Outra preocupação é que a tecnologia do "Dr. Google" ainda pode discriminar pessoas. Ela é mais precisa em peles brancas — ou seja, há pouca diversidade no conjunto de dados em que se baseia. Menos de 4% das imagens que treinarão o sistema são de pele escura. Isso, além de ser um fator de exclusão, pode levar a falsos diagnósticos ou imprecisões nos resultados para pessoas não-brancas.

Segundo o Google, o algoritmo ainda está sendo refinado até chegar na versão final para o público — e isso deve englobar a questão da diversidade racial.

O Derm Assist deve entrar em operação até o fim do ano, nos Estados Unidos, mas ainda aguarda autorização da Food and Drug Administration (FDA), agência federal de saúde do país. Na União Europeia, já recebeu a classificação Class I, que indica se tratar de um dispositivo médico de baixo risco. Ainda não há previsão de lançamento no Brasil.