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E se o seu DNA vazasse? Precisamos falar sobre dados ultrassensíveis

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Imagem: iStock

Bárbara Therrie

Colaboração para Tilt

10/06/2021 19h07

Dados como gênero, religião, sua posição política ou informações sobre sua saúde já são considerados sensíveis porque ajudam a identificar quem você é e podem abrir margem para discriminação ao cair em mãos erradas. Agora, imagine o que pode acontecer com dados ultrassensíveis? O nosso DNA é um deles e existe uma lacuna jurídica quanto aos aspectos de proteção e de privacidade.

Já pensou se a sua propensão a ter alguma doença genética vazar por aí? O que empresas de plano de saúde e de seguro de vida poderiam fazer? É com essa preocupação em mente que Michel Naslavsky, professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), reforça que o dado genético não dá para ir ao cartório e mudar. É um tipo de informação imutável.

Por isso é importante a compreensão sobre o que gira em torno dos dados ultrassensíveis, afirmou o docente durante um painel sobre o tema promovido por Tilt na TDC (The Developer's Conference), que aconteceu no dias 8, 9 e 10 de junho.

Segundo Naslavsky, o que uma pessoa decide fazer com o seu dado ultrassensível pode vir a afetar a vida de parentes, principalmente se pensarmos no DNA. Ele deu o exemplo de gêmeos idênticos, em que um deseja saber se tem propensão a ter uma doença genética e o outro não.

Ainda que a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) estabeleça regras sobre dados pessoais sensíveis, ainda existe uma lacuna jurídica envolvendo esse outro grupo que alimentam bases de dados, afirmou. "Você acabou de se deparar com um problema que os juristas discutem, até onde vai o indivíduo nessa hora e a decisão individual sobre os dados?"

Testes genéticos e termos confusos

Houve um aumento dos testes de covid-19 e de ancestralidade baseados em coleta de DNA nos últimos meses. Essas empresas focadas em genômica pessoal estão acumulando um banco de dados muito grande, lembrou Mariana Tamari, consultora de pesquisa da Coding Rights, que também participou do debate.

Essas companhias não têm o modelo de negócios de vendas de dados, como as empresas de internet, de redes sociais, mas ela se preocupa com o fato de que os termos de uso das instituições trabalhem com informações muito vagas — o que estaria contrariando a LGPD, que determina que o titular do dado deve ter acesso claro sobre como suas informações serão coletadas, armazenadas e tratadas.

"O futuro fica muito incerto em relação aos dados que você ofereceu", afirmou Tamari.

A Coding Rights realizou um estudo dos termos de uso envolvendo testes comerciais baseados em informação genética dentro da série "Nossos Corpos como Dados". Após análise, Tamari disse ter se deparado com páginas e mais páginas que se cruzam e que são de difícil compreensão para quem está sendo submetido ao teste.

"Muitas vezes, nos termos de uso desses bancos comerciais, você tem, por exemplo, autorização para que se utilize aquela informação que você pagou para a empresa analisar, seja passada para terceiros, que podem ser centros de pesquisas, academias, empresas ou outras instituições. Os terceiros são sempre colocados de uma forma muito nebulosa", explicou.

O professor Michel Naslavsky acrescentou que uma outra forma de captar dados sensíveis (e ultrassensíveis) dos clientes é por meio de testes genéticos "diretos ao consumidor" (DTC), ou seja, aqueles que não são encaminhados por médicos, e que estão disponíveis nas farmácias. Esses testes atraem pela ideia de predição de manifestação de doença. Quem compra acha que vai ter algo valioso, mas na verdade não tem nenhum valor clínico ou diagnóstico, ressaltou.

Riscos de vazamentos

Com a popularidade desses testes genéticos, Tamari chamou a atenção para a forma de armazenamento dos dados sobre o nosso DNA e sobre a segurança que as empresas oferecem sobre eles. Riscos de vazamento existem.

"A gente tem visto nesse último ano, principalmente, uma série de vazamentos de milhões de dados, isso pode acontecer também com o nosso material genético", disse a consultora.

Uma forma de lidar com os dados sensíveis para evitar incidentes é aumentar a camada de proteção física, computacional do dado, senha, acesso, distribuição dos dados, completou Naslavsky. "Eu sempre dou essa ideia como um trapezista, ele vai tomar todo cuidado ao fazer, mas tem uma rede embaixo, essa rede é a lei, mesmo que esteja atrasada em relação ao avanço tecnológico. Mas ela existe para mitigar algum tipo de problema caso venha vazar o dado."

Apesar dos riscos, pelo olhar científico é importante que existam bancos de dados genéticos amplos, consolidados e seguros.

Para Naslavsky , é necessário criar um banco de dados genômicos de brasileiros para melhorar a capacidade de entender os riscos a doenças, mas sem violar os direitos à privacidade. Países como a Inglaterra já têm projeto com 500 mil pessoas analisadas. Os Estados Unidos, com 1 milhão de indivíduos sequenciados geneticamente, lembrou.