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Opinião

Sexo, amor, intimidade? É o humor que vai ajudar sua relação a dar certo

O humor é um grande lubrificante psicológico da vida sexual. Ele permite que aquele que o pratique tenha reconhecida a sua habilidade de captar, de seduzir e de surpreender o outro.

O humor é uma forma de contornar, de modo compartilhado, as interdições e convenções da vida social. Isso é uma condição muito favorável para o desenvolvimento da intimidade.

Quando um lance de humor dá certo, se estabelece uma ligação mais próxima, mais qualificada entre duas ou mais pessoas.

Além disso, a aptidão para o humor deriva da nossa capacidade de brincar, e o sexo é a brincadeira turbulenta preferida do adulto.

Brincar depende de entrar e manter certo "como se", um mundo alternativo e metafórico no qual as coisas poderiam ser diferente do que são. Ora, outro nome que damos para isso é fantasia. Quem sabe fazer humor saber fantasiar. E mais, sabe fazê-lo com alguma flexibilidade, capaz de incluir novos elementos.

Para o homem acertar uma tirada de humor é como colocar um cantada bem-posta. Quando ela ri ... o prazer que ela sente é também parte do prazer que ele pode imaginar vindouro.

No entanto, se ela o atiça com o humor está posto que sua capacidade de sustentar um desafio não será pequena, assim como a coragem de tomar a iniciativa, quando isso for necessário.

Piadas —como sexo— são um dispositivo de produção compartilhada de prazer, não um uma competição para ver quem é mais feliz. Aliás, sexo, assim como o humor para os antigos, tem que ver com os líquidos, e como os líquidos se misturam em combinações que vão do explosivo ao sutil.

Freud escreveu um pequeno trabalho sobre o humor ainda muito atual clinicamente, no qual defendia que o humor é uma ótima estratégia para "enganar" o supereu.

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O supereu é esta espécie de voz interior que sussurra tanto interdições e impedimentos quanto nos impele a dar aquele "passo a mais" que vai detonar aquela noite, "aquela piada a mais" que vai por em risco a relação, aquele "copo a mais" que pode estragar tudo.

O supereu, como se pode ver, é um grande protagonista de nossa infelicidade e o soberano mestre de nossa ressaca moral.

O humor exige inteligência, pois envolve interpretar a cena na qual se está, descobrir qual é o senso comum dominante naquela paróquia para "dar um passo a mais" com relação à rede de expectativas dominantes.

O humor depende sempre de uma economia da surpresa e a arte da surpresa está contida na grande arte da sedução.

A inteligência requerida para a prática do humor envolve também um manejo especial da linguagem, a capacidade de escutar os outros e de se escutar, a sensibilidade para localizar o momento oportuno no qual a palavra deve cair com perfeição, como uma palavra criativa.

Outra função embutida no humor e essencialmente incluída na inteligência é a função da crítica.

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Todo bem-humorado é um crítico disfarçado, daí que quando esta habilidade se volta contra si mesma frequentemente tenhamos um depressivo.

Mas a crítica, na qual se escora o humor, que vai da ironia à paródia, não se refere apenas a capacidade de localizar ângulos insuspeitos e encobertos nos outros, mas principalmente em si mesmo. Isso tem um efeito muito importante para a formação de casais, e para a detecção da atratividade que chamamos de simpatia.

Aquele que consegue driblar seus próprios ideais, sem rebaixar-se diante da força que nos impele à adequação e à conformidade com as normas e expectativas, é também alguém que não está colocando a "si mesmo" em primeiro lugar.

É alguém que não se acha assim tão elevado e grandioso, pois é capaz de reconhecer, dentro de si mesmo uma força maior (o supereu), mesmo que para enganá-lo. Isso denota uma abertura para o outro, no qual tendemos a nos incluir agradavelmente.

Quem conta piadas, explora segundos sentidos e inverte o senso comum tem um grande trabalho. Tudo bem, este trabalho no fim envolve um desejo de ser reconhecido, mesmo que seja como o "engraçadinho aparecido", mas este trabalho orientado para que os outros se divirtam é em grande parte o que esperamos da experiência amorosa. Que o outro e que a nós mesmos nos transformemos e criemos novos ângulos para cada qual dos envolvidos.

Em um de seus momentos mais misóginos e execráveis, segundo a crítica feminista dos anos 1960, Freud afirmou que o supereu era mais forte e exigente nos homens do que nas mulheres. A identificação do homem com as leis e com a versão interiorizada das leis faria deles adversários mais contumazes do supereu, enquanto a relação mais frágil e quiçá simplificada das mulheres com seus sistemas de ideais tornaria o supereu um pouco desnecessário.

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A pesquisa de Gil Greengross e Geoffrey Miller [1] confirma esta descrição sombria, ao afirmar que o humor é um traço mais saliente em homens.

Penso que tanto em Freud quanto na pesquisa em questão isso envolve certo equívoco de perspectiva quanto ao que devemos entender por humor.

O humor inclui uma variedade grande de tipos e gêneros. Ele compreende desde o cômico, como capacidade de rir do semelhante e de sua debilidade, como em "The Big Bang Theory" ou "Pobres Criaturas", quanto a ironia sarcástica de "House" ou "Bridgerton".

Ocorre que para Freud o supereu exprimia sua força coercitiva principalmente por meio da culpa, e ainda mais na temível culpa inconsciente.

Contudo, podemos traçar uma linha completamente diversa de humor se pensamos na ação do supereu pela via da vergonha.

Aliás, esta via é cada vez mais dominante em nossa cultura, se expressa na crítica indireta, muitas vezes baseada na irreverência, outras tantas vezes dependente da cumplicidade, como aparece em "Sex and the City", mas também da coragem para juntos transgredirem a lei, como no episódio de "Black Mirror", "Hang the DJ", onde um computador calcula o par perfeito, depois de uma série de experimentos preliminares.

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Quanto à importância do humor na escolha do parceiro, o que depende desta afinidade em torno de "como vamos juntos praticar as transgressões que pudermos inventar" a isso se deveria se acrescentar a sabedoria clínica de que casamentos que duram dependem essencialmente do humor.

Sem esta capacidade para extrair alguma satisfação da massa de obrigações, deveres e exigências que formam a vida cotidiana, seria impossível pensar na vida duradoura de um casal.

Sem isso, gradualmente, cada um dos envolvidos começa a deslocar o parceiro para o lugar de reedição revisada de seu próprio superego e a ver no outro apenas a sede de suas próprias proibições e imperativos de gozo.

Mas, se na lógica da escolha o humor entra como desinibidor e qualificante entre os respectivos candidatos, na lógica da sustentação do relacionamento o humor entra como repositor do cuidado e como modalizador do amor entre o casal.

REFERÊNCIA

[1] Gil Greengross, Geoffrey Miller (2011) Humor ability reveals intelligence, predicts mating success, and is higher in males, Intelligence, Volume 39, Issue 4, 2011.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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