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China entra na corrida rumo a Marte e envia primeira missão ao planeta

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

23/07/2020 02h21

Sem tempo, irmão

  • Tianwen-1 decolou da ilha de Hainan em um foguete Long March 5
  • Primeira tentativa chinesa de chegar a Marte nunca saiu de órbita
  • Sonda inclui orbitador e rover para pouso no planeta vermelho
  • Instrumentos de ponta podem detectar presença de água ou vida marciana
  • Viagem leva sete meses; missão retorna até 2030

A China lançou, na madrugada desta quinta-feira (23), sua primeira missão para o espaço profundo. A sonda Tianwen-1 — algo como "perguntas celestiais 1" — deve alcançar o campo de gravidade de Marte em fevereiro de 2021. A viagem acontece dias após os Emirados Árabes Unidos lançarem a Al Amal, ou "Hope" (Esperança em inglês), também sua primeira missão rumo a Marte.

Há nove anos, a China tenta chegar ao planeta vermelho. A primeira tentativa frustrada, em 2011, nem saiu dos arredores da Terra. Após a decolagem, o orbitador Yinghuo-1 orbiter, com a nave russa Fobos-Grunt, perderam contato e caíram de volta à Terra dois meses depois.

Quatro janelas de lançamento depois, o país reforça suas crescentes ambições espaciais, principalmente em relação aos Estados Unidos. Esta também é a primeira missão interplanetária totalmente chinesa. A sonda foi lançada por um foguete chinês e de solo chinês, na ilha tropical de Hainan (o ponto mais ao Sul do país).

Esta é apenas a quarta missão do Long March 5, o maior e mais poderoso foguete chinês, incluindo uma grande falha em 2017 e destroços que atingiram cidades em maio deste ano. Se bem-sucedida, a Tianwen-1 vai chegar mais longe que qualquer nave chinesa já foi. A previsão de retornar à Terra é entre 2028 e 2030.

Como é a sonda?

A Tianwen-1 combina três elementos em um único lançamento: um orbitador, que captará imagens e dados ao redor de Marte; um módulo de aterrissagem; e um robô por controle remoto (rover), encarregado de analisar o solo do planeta. Movido por energia solar, o conjunto pesa cerca de 240 quilos.

O orbitador carrega sete atributos científicos, incluindo câmeras de alta resolução, um magnetômetro (instrumento que mede campos magnéticos), um radar e instrumentos para detecções atmosféricas e ionosféricas. Ele é projetado para operar por um ano marciano (687 dias terrestres).

O rover foi feito para atuar 90 dias em Marte —mas pode durar mais. Leva seis instrumentos, incluindo um sistema de espectroscopia a laser (para detectar elementos de superfície, minerais e tipos de rochas), leitores de imagens topográficas e multiespectrais, e detectores de clima e campo magnético.

O robô também carrega um radar para penetração no solo —algo que nunca foi colocado em Marte. A missão tem o potencial de trazer novas informações sobre o planeta, como detectar camadas geológicas, depósitos de sal, evidências de gelo e de um suposto lago subterrâneo, além de encontrar possível atividade biológica microbiana.

O governo chinês não divulga muitos detalhes da missão. Espera-se que, inicialmente, os elementos fiquem juntos em uma órbita estacionária, por dois ou três meses, enquanto o orbitador pesquisa possíveis locais para aterrissagem do rover. Com essas informações, o módulo de aterrissagem, usando um sistema de paraquedas supersônicos e retropropulsores, fará a primeira tentativa de pouso em Marte.

Essas tecnologias já foram testadas nas missões chinesas Chang'e-3 e -4 para a Lua, em 2013 e 2019. Um pouso autônomo é um dos maiores desafios de uma missão interplanetária.

O lançamento da Tianwen-1 está sendo auxiliado pelo sistema de rastreamento Estrack, da Agência Espacial Europeia (ESA). Enormes antenas na Guiana Francesa, Austrália e Espanha devem monitorar a sonda, principalmente durante momentos críticos, como manobras de mudança de trajetória e a chegada em Marte.

O que é a janela de lançamento?

Uma viagem até Marte leva entre seis e oito meses. Mas ela não pode acontecer a qualquer momento: é preciso respeitar uma janela de lançamentos, chamada Órbita de Transferência de Hohmann. A cada 26 meses, durante cerca de um mês, Marte está em oposição à Terra —ou seja, os dois planetas estão o mais próximo possível, a cerca de 55 milhões de quilômetros.

Este é o momento ideal para viagem. Além de gastar menos combustível, é a trajetória mais segura e inteligente. Por isso que missões ao planeta acontecem, em geral, a cada dois anos. Para voltar à Terra, também é preciso esperar a próxima oposição.

Não se sabe se a China fabricou um orbitador ou um rover de backup. Se sim, pode haver um novo lançamento na próxima janela, em 2022 —seja em caso de falha na Tianwen-1 ou para testar novos pontos de aterrissagem em Marte.

O programa espacial chinês

A China investe bilhões de dólares em seu ambicioso programa espacial, para tentar chegar ao nível dos Estados Unidos e da Europa. Enviou seu primeiro homem astronauta ao espaço em 2003; fez pequenos robôs pousarem na Lua, em 2013 e 2019; está terminando a constelação de satélites de seu sistema de navegação Beidou, rival do GPS.

A missão em Marte é a próxima grande etapa do programa, que também prevê pisar na Lua nesta década e construir uma grande estação espacial até 2022. Com o tempo, poderia se tornar a única estação operacional, após o fim da Estação Espacial Internacional (ISS).

O moderno centro de lançamentos chinês Wenchang Satellite Launch Center, na ilha de Hainan, foi construído especialmente para missões com o enorme Long March 5, que permitirá a exploração do espaço profundo e o futuro programa tripulado.

A corrida para Marte está acirrada. Além da China, nesta semana os Emirados Árabes Unidos enviaram a sonda Hope; em 30 de julho, os Estados Unidos lançarão a missão Marte 2020, com o rover Perseverance. Os três devem chegar ao planeta em fevereiro do ano que vem.

E até o excêntrico bilionário Elon Musk tem seu projeto de construir uma cidade em Marte. Vale lembrar que, das quarenta missões soviéticas, americanas, europeias, japonesas ou indianas lançadas para Marte desde 1960, a maioria fracassou. E agora, quem sairá na frente?