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Existe uma razão evolutiva para acumular papel higiênico na pandemia?

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Imagem: iStock

Carina Brito

Colaboração para Tilt

19/04/2020 04h00

Durante a pandemia de coronavírus, uma das indicações é que não precisamos ir ao supermercado comprar produtos em excesso. Ainda assim, muita gente fez estoque de papel higiênico e outros itens em casa —e sendo julgadas por isso. Na verdade, para além do desespero ou egoísmo, a necessidade de estocar é uma característica que veio com a evolução.

Não são apenas humanos que fazem isso. Os exemplos mais comuns na natureza envolvem animais que armazenam alimentos, como esquilos, ratos-canguru e pássaros. Essas espécies não têm acesso a alimentos o tempo todo e, portanto, precisam armazená-los quando estiverem disponíveis para criar um suprimento constante.

Os seres humanos fizeram o mesmo no hemisfério norte por milhares de anos, colhendo toda a comida no outono e depois armazenando para sobreviver durante um inverno longo e improdutivo.

"A acumulação é um comportamento necessário sempre que uma espécie (incluindo os humanos) precisa acessar um recurso essencial para a sobrevivência que nem sempre está disponível", diz Stephanie Preston, professora de Psicologia na Universidade de Michigan (Estados Unidos) e neurologista que estuda o comportamento de acumulação.

Segundo Preston, até o hábito de colocar o dinheiro em vários lugares ou diversificar investimentos pode ser considerado acumulação, de modo que ainda existirá uma garantia no caso de perda de emprego ou aposentadoria.

"O cérebro evoluiu para usar essa estratégia sob incerteza ou ameaça para se proteger contra o futuro, mesmo sem exigir consciência ou planejamento consciente", afirma.

Faça o que eu digo e não o que eu faço

Apesar de ser um hábito comum, a ideia de acumulação já ganhou um sentido tão pejorativo que as pessoas não entendem que armazenar alimentos na despensa e depositar dinheiro em bancos também é acumular.

Durante uma pandemia, o termo está sendo usado para descrever as pessoas que acham que estão comprando demais e não deixando o suficiente para o restante da população.

"É um problema complicado porque, pelo menos nos Estados Unidos, quase todo mundo está comprando muito e armazenando mais do que o habitual porque nos disseram que não podemos sair de casa por semanas seguidas", diz Preston.

Isso acontece também porque a população não está confiante de que as lojas permanecerão abertas ou que os suprimentos estarão disponíveis.

Mas, os julgamentos sobre quem compra em excesso já podem incentivar a comprar menos. Afinal, ninguém quer ser cobrado em público e viralizar em vídeos na internet depois.

"Mas o governo não está dando garantias às pessoas de que seu suprimento de alimentos ou papel higiênico permanecerá intacto. Eles não estão assegurando às pessoas que os supermercados permanecerão abertos", diz Preston.

E no Brasil?

Em relação à população brasileira, a neurologista comportamental Jerusa Smid, vice-coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), afirma que o convencimento para não acumular durante a pandemia tem a ver com a noção de cidadania e de coletivo.

"As pessoas têm muita dificuldade de se colocar no lugar do outro e julgam isso como uma desculpa para garantir o seu próprio sustento", diz.

Segundo Smid, isso fica muito claro na questão das máscaras. "Elas não conseguem entender que se faltar para o profissional de saúde, elas mesmas vão ser prejudicadas."

E o mesmo no supermercado: "A pessoa estoca papel higiênico como se isso fosse resolver uma grande questão da vida dela, como se isso fosse protegê-la da Covid-19. E ela não percebe que quanto mais papel higiênico ela levar para casa, maior é a chance de ter um produto infectado", afirma Smid.

O importante é entender que acumulação, especialmente em excesso, é estimulada por ansiedade, estresse e incerteza —exatamente o que estamos vivendo no momento de pandemia. Então a principal saída seria garantir publicamente às pessoas que elas continuarão tendo acesso aos produtos. Caso contrário, elas não terão escolha a não ser se proteger dessa incerteza comprando mais papel higiênico.