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Protege da caça ou faz mal? Veja polêmica sobre tinta em chifres de animais

Montagem com elefante com marfim rosa - Reprodução
Montagem com elefante com marfim rosa Imagem: Reprodução

Daniel Schvartz

Colaboração para Tilt

02/12/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Fotos de elefantes e rinocerontes com as presas pintadas de rosa rodam a web
  • Dizem que isso ajuda a protegê-los da caça predatória, porque desvaloriza o marfim
  • Discussão em torno da prática é constante; não se sabe malefícios que tinta pode trazer
  • Corante é do mesmo tipo usado para marcar cédulas em assaltos a banco

Algumas fotos de elefantes e rinocerontes com as presas pintadas de rosa rodam a internet há tempos. Dizem que isso ajuda a protegê-los da caça predatória, porque desvaloriza o marfim tão cobiçado pelos caçadores. Mas isso é real?

Por mais que a prática exista, ela é diferente da forma que é reproduzida. Primeiro, a pintura não é feita na parte externa das partes desses animais —as imagens da internet, como a que abre este texto, são montagens. Depois, o produto usado não é uma simples tinta. É um corante (semelhante ao usado nas cédulas de dinheiro) chamado Disperse Red 9 misturado com um antiparasitário.

O método foi criado pelos fundadores da reserva natural Rhino & Lion, Ed e Lorinda Hern, em conjunto com o veterinário Charles van Niekerk, na África do Sul. O objetivo era diminuir ao máximo a extração ilegal de chifres desses animais, com foco nos rinocerontes.

A tinta realmente é eficaz?

De acordo com a edição de 2011 da revista da National Geographic, o grama do chifre nas ruas do Vietnã pode valer entre US$ 33 e US$ 133 (R$ 139 a R$ 563). Isso porque os orientais têm como cultura algumas técnicas milenares de medicina que usam o pó dos chifres, que são triturados, para combater enjoos, náuseas e dores. Algumas pessoas acham até que eles são afrodisíacos.

Essas teorias não foram comprovadas cientificamente até hoje. No caso dos elefantes, as presas são tiradas com o único intuito de ser objeto de decoração, sendo vendidas em mercados clandestinos por preços exorbitantes.

A discussão em torno da prática de pintura dos chifres é constante. Por mais que seja uma tentativa de controle ao extermínio, os números de animais abatidos não diminuíram. Além disso, não se sabe quais os malefícios que a tinta pode trazer à saúde desses animais.

"Os estudos quanto a isso estão em estágio inicial. Não sabemos ainda quais sequelas a tinta pode causar nos animais. Mas, o benefício imediato (impedir a caça ilegal) é algo que nos leva a crer que seja uma prática viável e que mais ajuda do que prejudica a vida deles", explica André Maia, biólogo e gestor ambiental da IAC (Instituto Agronômico de Campinas).

O tranquilizante usado para acalmar animais de grande porte, o M99, é entre mil e 3 mil vezes mais forte do que um analgésico, e pode ser mais perigoso aos rinocerontes do que a tinta, por exemplo. Esses animais têm uma reação respiratória negativa ao medicamento, que precisa ser revertida o mais rápido possível. Apesar do perigo, foram poucas perdas registradas pelo tranquilizante, levando em consideração o número de animais que passaram pelo procedimento.

André ainda explicou que a tinta rosa não é a única ação usada para proteger a vida desses grandalhões. "Os cientistas colocam microchips ou colares no momento da sedação, com o intuito de acompanhar o dia a dia desses animais, a localização exata e os possíveis movimentos fora do padrão. Nesse momento, eles também realizam a pintura".

Outro ponto ressaltado contra a eficiência da tinta no combate à caça é em relação ao crescimento dos chifres. Assim como as nossas unhas, as presas também crescem com o tempo. O rinoceronte, por exemplo, pode ter um novo chifre em um prazo de três anos, obrigando que a prática fosse repetida sempre que necessária.

O problema é que isso tem um custo e ele é bem elevado (cerca de US$ 1.000 por animal). Especialistas defendem que o dinheiro poderia ser usado de outra forma, com campanhas de prevenção e tecnologias de monitoramento, como drones, para identificar caçadores em tempo real.

Mas, para André Maia, o processo de entintamento não pode ser tratado como irrelevante. "Acho que todo processo que serve para inibir o tráfico e os maus tratos aos animais é válido e não pode ser tratado como algo desnecessário", explica o biólogo.

Também marca cédulas

A tinta rosa dos rinocerontes e elefantes é bem parecida com a que o poder público e os bancos usam para marcar cédulas de dinheiro, quando um caixa eletrônico é violado. Apesar de não ter muitos detalhes da sua composição divulgados, acredita-se que o composto é um corante do tipo antraquinona, mais conhecido como Disperse Red 9, ou 1-metilamino-antraquinona.

Corantes são substâncias que, quando aplicadas a um material, lhe conferem cor, mas mantendo a transparência do objeto tingido (diferente dos pigmentos). Os corantes podem ter várias classificações, seja por conta da sua estrutura química ou quanto ao modo de fixação.

"No caso do Disperse Red 9, ele é do tipo dispersivo. Ou seja, são insolúveis em água e podem ser aplicados em fibras de celulose, como a do papel moeda", explica a professora Janaína Versiani dos Anjos, Mestre em Ciências Farmacêuticas e Doutora em Química pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

É nocivo aos animais?

A tinta serve para ajudar na identificação dos chifres, mesmo que ele já tenha sido transformado em pó. A cor rosa é identificada até nos scanners dos aeroportos, ajudando no combate ao tráfico, mesmo sem muitos episódios do tipo. A preocupação de alguns defensores dos animais é quanto ao perigo que o corante pode trazer à saúde dos rinocerontes e elefantes.

A professora Janaína pontua que existe um parâmetro para avaliar a toxicidade da substância, que é o valor da dose letal para 50% da população. "Considera-se muito tóxica uma substância que tem DL50 (dose letal) menor que 25mg por quilo de peso. Ela passa a ser apenas nociva se a DL50 for até 2.000 mg por quilo. No caso da Disperse Red 9, a DL50 é de 8.210mg por quilo para ratos, não sendo tão nociva".

Portanto, o corante utilizado para pintar as presas desses animais de grande porte não é, comprovadamente, prejudicial. Mas, Janaína alerta quanto a Disperse Red 9.

"A DL50 é alta e esses animais são de grande porte. Mas, como são Quinonas, elas geram o que chamamos de radicais livres. Esses radicais são espécies reativas de oxigênio, causando envelhecimento celular e podendo aumentar o índice de mutações no longo prazo, incluindo o câncer".

E complementa. "Em nenhum dos artigos que li, vi efeitos em aplicações nos animais. Depende de como é feito, a quantidade, o porte do animal, são diversas variáveis. Mas, se o procedimento é realizado por uma equipe especializada, isso, certamente, está sendo respeitado."

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do informado, não são as garras dos animais citados que são pintadas de rosa. O erro foi corrigido.