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Ricardo Cavallini

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

NFT: nova tecnologia deve ser compreendida sem a paixão exibida nas redes

NFT é uma nova tecnologia que tem despertado posts acalorados a favor e contra nas redes sociais - Pixabay
NFT é uma nova tecnologia que tem despertado posts acalorados a favor e contra nas redes sociais Imagem: Pixabay

28/02/2022 04h00

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Na última semana, em algumas redes como Facebook e LinkedIn surgiram posts fervorosos a favor e contra o NFT.

Seja com NFT, metaverso ou qualquer outra tendência, esse calor agita as redes, mas dificulta que as pessoas entendam e tirem suas próprias conclusões.

É humano ter uma expectativa exagerada com novas tecnologias. A própria internet viveu isso, com o auge em 2000 (a tal bolha da internet), quando qualquer "empresa de internet" valia mais que qualquer "empresa tradicional".

Também é natural que, assim que essa expectativa exagerada não se comprove, ela seja seguida de uma grande desilusão. No caso da internet, após a explosão da bolha em 2001, quem trabalhasse com isso era visto de duas formas, ou como picareta ou como idiota.

Com o tempo vem a maturidade, a popularização e entendemos o valor real das coisas. Hoje ninguém discute mais o valor da tal internet.

Mas é importante lembrar que nem sempre foi assim.

Em 1996 quando eu dava palestra sobre o assunto e dizia que ela ia mudar nossas vidas e ter impacto em todas as indústrias e segmentos, era tachado de louco ou idiota. Em 2000, quando eu comecei a falar o mesmo sobre celulares, idem.

Não podemos esquecer que até o lançamento do iPhone em 2007, os aparelhos ficavam cada vez mais caros e mais complexos de usar. Para muita gente, dizer que um motorista de táxi teria um celular para se relacionar com clientes e receber pagamento de suas corridas beirava a insanidade nessa época.

Para entender novas tecnologias ou novas tendências precisamos tratar os pontos fora da curva. Na linguagem matemática, um ponto fora da curva é algo que se encontra a uma distância anormal dos outros.

Precisamos separar os casos midiáticos, os extremos. Mostrar que o artista Beeple já ganhou dezenas de milhões de dólares vendendo NFT é interessante, tem impacto, chama atenção, mas não é isso que acho relevante. Mesmo, nem um pouco.

O Neymar investir US$ 1 milhão em NFTs também é ótimo para gerar buzz (para ele e para a tecnologia), mas também não é relevante. Não é, mesmo.

Para ele, esse montante em um investimento de alto risco, é muito pouco. Não chega a 3% de seu salário anual. Seria o equivalente a alguém "normal" pagar um jantar em um bom restaurante em São Paulo.

Lembrando que essa comparação nem é válida porque se você é alguém normal, eu sei que o dinheiro nem sobra para um jantar caro. Porém, se você ganhasse dezenas de milhões por ano, sobraria bastante dinheiro mesmo com todas as suas extravagâncias, do iate de R$ 15 milhões ao investimento em NFT.

Para comprovar meu ponto, vamos falar sobre as plataformas de financiamento coletivo, usando as estatísticas da mais famosa delas, o Kickstarter.

A plataforma já distribuiu mais de US$ 6 bilhões para inventores, criadores e artistas. Destes, 81% para projetos cujo valor é abaixo dos US$ 20 mil.

Projetos que arrecadam milhões atraem a mídia, mas o verdadeiro impacto foi distribuir bilhões de dólares para mais de 200 mil projetos.

O mesmo vale para o NFT. Seu verdadeiro valor está longe de Neymar.

Mas quais seriam exemplos relevantes? Trago dois para ilustrar este artigo.

O primeiro é do designer brasileiro Mauricio Pommella, que mora no Canadá. Seu principal trabalho é no mercado publicitário, mas ele também faz quadrinhos e ilustração. Há alguns anos, portanto antes da moda, começou a colocar sua arte em NFTs. Comparando a receita da última década, ele ganhou 20 vezes mais com NFT do que vendendo seus quadrinhos e artes em convenções.

Ele ficou rico com NFT? Não! Para ele, o NFT é um complemento de renda e uma possibilidade interessante para o futuro.

Obra de Mauricio Pommella vendida por 1eth (cerca de R$ 13.000)

O outro caso vem do Brasil, direto da favela Morro Santo Amaro, no Rio de Janeiro. O artista Geancg tem usado NFT para causas sociais. Sua primeira iniciativa foi criada para financiar alimentos e produtos de higiene para pessoas carentes através do projeto @socialcryptoart. Em outra, conseguiu usar a venda das obras e ajudar no financiamento coletivo do @instituto.ademafia para reconstruir a casa de um morador da favela com 73 anos de idade.

Seu novo projeto se chama "Menor Portando", provocando a discussão sobre diferentes trajetórias predestinadas dos jovens moradores de favela. Gean não ganha só dinheiro com NFT, ganha voz.

Projeto Menor Portando, de Geancg

Apesar de toda a sua distância, física e social, Mauricio e Gean são exemplos que fogem dos extremos. Não ficaram ricos, mas o NFT já é relevante em suas vidas. Principalmente quando olhamos para as possibilidadexpostases para os próximos anos.

Dizer que a maioria dos artistas não ganha nada com NFT ignora que isso também poderia ser dito para atletas no futebol, ou sobre projetos de financiamento coletivo. Influenciadores? Idem. Músicos? Também, bem como diversas outras profissões ou trabalhos, incluindo nesta conta os próprios artistas fora do universo digital.

As críticas são importantes para apontar o excesso e exageros. Elogios também, para mostrar que já existe impacto e que todas as suas possibilidades.

Como o jornalista Luiz Gustavo Pacete falou nas redes, não podemos entrar em um Fla-Flu da tecnologia. Cabe a cada um ponderar, refletir e contra-argumentar, mas com a cabeça, não com o fígado ou com o estômago. Fazer isso não ajuda nada, já percebemos isso com outros assuntos, não seria diferente com as novas tecnologias.