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Tesudo com ayahuasca e cogumelo: como é o sexo químico na versão 'do bem'

Queria viver o resto da vida dentro daquele minuto. Com a ponta dos dedos, ela traçava em meu corpo latitudes e longitudes. E no meio delas, o pau era como um nervo exposto, que a cada leve contato irradiava choques e arrepios.

Músculos, ossos e carnes se retesaram, formando um único feixe. A corrente sanguínea parecia seguir em uma só direção. Quase sem perceber, as costas iam descolando do colchão, num desejo de decolar deste mundo.

Nesse delicioso desespero, vivia um longo orgasmo durante sessão de massagem tântrica turbinada por uma microdose de ayahuasca.

O corpo inteiro ia dilatando e contraindo por comandos manuais. O fim e o jorro eram inimigos inevitáveis, mas o êxtase dos sentidos seguiu para além deles. Ainda deitado, entrei em um estado de introspecção e sonho.

Não sei quanto durou aquilo: as curvas do corpo não se acomodam muito bem em linhas do tempo. Nem percebi que escurecia, com a tarde e a chuva que caiam atrás da janela.

Quando deixei aquele quarto, as copas das árvores vizinhas à casa bailavam ao som de uma ensaiadíssima melodia de grilos, cigarras e sabiás. A chapação era tanta que a paisagem tinha um brilho extra, envernizada pelas águas da tormenta que passara.

Aguçados, pele, olho, ouvido e nariz penetravam fundo na realidade. Tudo efeito da poção amazônica, que naquele domingo marcou encontro com o ritual indiano.

Uma semana antes me submeti a uma massagem aditivada com cogumelos psicodélicos. Nunca na vida tinha tomado nem um nem outro.

As 20 gotas de ayahuasca vieram em uma colher de chá e deslizaram amargas pela língua como um café ristretto. Já o meio grama de cogumelos recheava um tablete de chocolate.

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O objetivo era descrever por dentro essa novíssima vertente do neotantra, versão ocidentalizada da tradição asiática que sacraliza os prazeres físicos. No final, as experiências foram tão tremendas que eu quase saltei para fora da minha pele.

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Imagem: Divulgação

Todos os meus corpos

A caixa de som emitia uma trilha tribal mesclada com sons da floresta. E as mãos sutis do terapeuta se transformaram em dezenas de animais rastejantes e emaranhados, farejando, roçando, enroscando, devorando e copulando.

Os cheiros do incenso e do óleo corporal adensavam ainda mais os efeitos do cogumelo, e eu me sentia em meio a um desejo animal, daquele sem o menor traço de ternura.

O extenso universo micológico vai do saboroso champignon, passando pelo tenro queijo brie até chegar a dura e desagrável micose de unha. No meio deles estão também os celebrados "cogumelos mágicos", em especial, os do gênero Psilocybe. Três de suas espécies retumbavam em meu metabolismo naquele momento.

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Terminada a sessão daquela massagem viajandona, fiquei deitado entregue ao que chamam de "integração", período em que você fica refletindo sobre a experiência pela qual acabou de passar. No fundo, eu estava mesmo era me desintegrando em vários elementos.

A vontade não era de pensar: queria continuar sentindo. E o estranhamento aumentou quando toquei meu corpo e já não o reconheci como humano. Ele ganhara novas dimensões, proporções e consistências.

Escorregava os dedos sobre a pele besuntada, e a distância entre o peito e a cabeça eram tão enormes que meus neurônios interpretavam que agora eu portava um exoesqueleto como os insetos.

Além da expansão da consciência, os fungos alucinantes tinham amplificado meu corpo. Tanto é assim que, pouco adiante durante a automassagem, a impressão era que eu podia abraçar minhas cavidades e órgãos internos. O gel sobre a epiderme ganhava a consistência dos tecidos moles e viscosos de minhas entranhas.

Estava tão vazado que, no próximo delírio, eu me via formado só de teias de aranha, de todas as espessuras e desenhos. Na sequência, me transformei em uma mariposa felpuda.

Duas horas depois, foi difícil abrir os olhos, voltar para essa existência e para aquela sala de clínica no bairro paulistano da Liberdade: meu ego se dissolveu junto com o corpo.

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Imagem: Keiny Andrade/UOL

Sexo, drogas e (...) mais sexo

Sem o combo "álcool+tesão", uma boa porcentagem da humanidade não estaria passeando pela crosta terrestre.

Mas a relação entre entorpecentes e luxúria vai muito mais além desse coquetel. A maconha, por exemplo, é considerada um grande afrodisíaco, principalmente para as mulheres —diversos estudos científicos apontam que, em pequenas doses, ela pode aumentar o desejo sexual e a intensidade do orgasmo.

Na última década do século 20, o ecstasy ganhou fama de "droga do amor" porque aumentava a sensibilidade e o prazer. Muitos casais passaram a incluir quatro comprimidos antes do sexo. Ela ingeria o já tradicional anticoncepcional. Ele, o Viagra (lançado naquela época). Depois, os dois tomavam a pastilha de MDMA. E não podiam esquecer das garrafas de água por perto, porque um dos efeitos é a desidratação —fora a taquicardia.

Essa combinação de drogas recreativas e atividade sexual ficou muito mais perigosa quando as metanfetaminas entraram na roda, na última década. A volúpia se multiplica a cada toque, mas aumenta muito mais os riscos de dependência, infecções e danos permanentes. A maioria se injeta (aumentando a probabilidade de transmissão de doenças), e a euforia causada muitas vezes faz a pessoa esquecer de colocar ou exigir camisinha.

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Sair do vício do chemsex (sexo químico) é difícil, mas há relatos de quem conseguiu aderindo a práticas tântricas, atingindo picos de orgasmo sem passar pelos vales e depressões cheios de efeitos colaterais causados pelas drogas sintéticas.

Atualmente, alguns terapeutas do neotantra experimentam ministrar pequenas quantidades para aguçar os sentidos (com a ayahuasca) e causar uma expansão corporal (com os cogumelos).

O tamanho da dose é a diferença entre o que te ajuda e o que te envenena. Mal comparando, é só pensar nos estágios de um porre: a pessoa começa perdendo a timidez e a tensão, mas, se exagerar, perde a consciência.

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Imagem: Divulgação

Um prazer substancial

Para aqueles que apontam que não passa de uma gourmetização da masturbação, é importante deixar claro que a massagem tântrica não tem nada de repetitivo e óbvio. A sacada é descobrir que o corpo todo é uma zona erógena, do couro cabeludo à planta do pé.

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"O objetivo é quebrar padrões, despertar a bioeletricidade em você com manobras. A ayahuasca entra para aumentar a percepção corporal. É uma abertura para a sensibilidade, principalmente para quem é muito cerebral", conta Gislene Lima, que há um ano introduziu microdoses em suas sessões de massagem.

Gislene largou as carreiras de contadora e comerciante para se dedicar às terapias alternativas. Começou com ioga, partiu para o tantra e teve sua primeira experiência com a ayahuasca em 2021.

Junto com um amigo também "consagrado" na beberagem amazônica, teve a ideia de usar microdoses para ampliar os resultados da massagem tântrica. A experiência deu certo, e Gislene passou oferecer sessões em seu espaço em Guararema (Grande São Paulo)

A dimetiltriptamina (DMT), presente em várias plantas (incluindo o arbusto chacrona da receita da ayahuasca) e animais (também nos seres humanos), tem estrutura parecida à serotonina, neurotransmissor responsável, entre outras coisas, pelo humor e a líbido.

Também análoga à serotonina é a psilocibina, encontrada em vários cogumelos —inclusive os três oferecidos antes de sua sessão pelo terapeuta holístico Alexandre Leitão, que tem formação e carreira como enfermeiro.

Tanto Gislene quanto Alexandre fazem um extenso questionário para quem quer se iniciar no tantra aditivado, com perguntas sobre doenças prévias, remédios que tomam e, principalmente, sobre problemas psíquicos —as substâncias podem criar crises, por exemplo, para quem sofre de esquizofrenia.

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É importante que o terapeuta seja minucioso também no durante e no depois, porque cada um reage de uma forma (ambos me ligaram nos dias seguintes da experiência para saber como estava). Para desbravar essa sexualidade alucinógena é preciso ser acompanhado por alguém de confiança, afinal, você está entregue, literalmente, de corpo e mente.

"É difícil dançar com sua própria sombra", define Alexandre toda a vulnerabilidade e a meditação que a sessão gera.

Conto para ele minhas visões, virando diversos bichos e abraçando meus órgãos internos. "Você é bem doido. E olha que de doideira eu entendo", sentencia antes de uma gargalhada. E ordena como uma piada: "Agora você precisa se juntar porque está todo espalhado."

Saio da clínica com movimentos lentos como de um astronauta sem gravidade, e me dirijo ao táxi que me levará para casa. O carro vai seguindo o GPS do aplicativo, mas as ruas serpenteiam, afundam e emergem na minha frente até que voz robótica decreta: "Você chegou ao seu destino." Dentro da minha cabeça, porém, aquela viagem nunca terminou.

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