Sérgio Mallandro revive em filme seu fundo do poço: 'Tinha R$ 7 na conta'

Ele era um apresentador de TV famoso, par romântico de Xuxa na maior bilheteria do cinema nacional dos anos 1990. Mas, naquela noite, poucos anos depois do auge, Sérgio Mallandro contava os vira-latas que corriam perto do picadeiro. Eram mais numerosos do que o total de pagantes de um show mambembe no Espírito Santo.

Hoje, de volta ao cinema, fazendo shows de stand-up comedy pelo Brasil e no comando de um podcast, o "Papagaio Falante", Mallandro ri da história de circo.

No passado, com R$ 7 na conta bancária e dois filhos pequenos para alimentar — um terceiro nasceria logo depois —, Sérgio Mallandro tentava se apegar à ideia de que atravessava uma fase ruim.

Por R$ 500 de cachê ele pegava a estrada e, no retorno, corria até o supermercado para abastecer a geladeira do casarão onde vivia, um imóvel "caindo aos pedaços, a parede descascando, tudo apodrecendo".

A casa na zona sul do Rio resistiu à crise financeira que levou Mallandro a perder imóveis, carros e o constrangimento de pedir dinheiro emprestado para amigos.

Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio
Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio Imagem: Zô Guimarães/UOL

Animador de festa

Quase trinta anos depois, a precariedade do casarão foi reproduzida no filme "Mallandro, o errado que deu certo", dirigido por Marco Antônio de Carvalho, com estreia em 13 de junho nos cinemas.

Nele, o comediante revive episódios de sua vida, como a ocasião em que aceitou trabalhar como animador de uma festa adulta vestido de príncipe.

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A contratante era fã de "Lua de Cristal" (1990), o campeão de bilheteria em que Mallandro contracenou com Xuxa — a apresentadora, aliás, faz uma participação no filme de agora.

As situações do passado são romanceadas — no cinema, a aniversariante é mulher de um delegado — mas a premissa é verdadeira: após ganhar uma fortuna como astro da televisão, Sérgio Mallandro fica fora do ar, dilacera o patrimônio e vive o inferno de permanecer famoso, mas faturando pouco à custa disso.

Onde estivesse — de velório a banco, de consultório médico a loja de roupas —, Mallandro era abordado por fãs que lhe pediam para fazer "glu-glu" ou "ié-ié", dois de seus bordões que sobreviveram aos tempos longe da televisão.

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Imagem: Zô Guimaraes/UOL

'Ié-ié' no swing

Sérgio Mallandro assegura que, mesmo nos períodos de maior dificuldade — como o mês de dezembro em que o cachorro comeu o peru da família, único presente de um Natal sem dinheiro para comprar brinquedos para os filhos —, jamais se exasperou com os fãs.

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Exceção, conta, foi o dia em que, atrasado para um voo, negou-se a cumprimentar um admirador. Culpado diante da decepção do jovem, prometeu a si mesmo que jamais voltaria a recusar um abraço.

Ele se arrependeria da promessa meses depois, durante uma visita a uma casa de swing. Na ocasião, narra, percebeu que um homem olhava fixamente para ele, ao mesmo tempo em que recebia sexo oral de uma mulher.

O constrangimento permaneceu até o instante em que, sem interromper o trabalho da parceira ajoelhada diante de si — mas ainda com o olhar fixo em Mallandro —, o homem balbuciou "ié-ié".

"Ele tirou a berinjela da boca da mulher e veio até mim. Disse que era meu fã e pediu um abraço", conta Mallandro, em entrevista ao UOL.

"Tive que abraçar o cara, aquele bagulho batendo na minha virilha. Você não sabe o que já vivi", ele narra, aos risos. "Juro que não é piada."

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Imagem: Zô Guimaraes/UOL
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Vulnerabilidade em cena

A história do swing — bem como outras que dão mostras de seu passado esbanjador, como a ocasião em que presenteou um "brother" com um carro Mercedes estimado em R$ 1,5 milhão — são contadas por Mallandro nos shows de stand-up.

Nos espetáculos, Mallandro dá especial atenção ao período de 1996 a 1998, os anos mais difíceis da sua vida de artista. Assim, faz piada da própria vulnerabilidade e tenta transmitir lições de superação a partir dela.

Em 1996, Sérgio Mallandro estava em sua segunda passagem pelo SBT, emissora na qual estreou em 1981 como jurado do "Show de Calouros", apresentado por Silvio Santos.

O estouro viria em 1982, com o lançamento do disco "Vem Fazer Glu-Glu", que vendeu 1 milhão de cópias. "Aí comecei a ganhar um dinheirinho respeitável", conta o artista.

Devido ao hit, ele seria convidado a fazer shows "em tudo quanto é lugar". Como fazia playback (cantava por cima de uma gravação), conseguia emendar quatro espetáculos seguidos, no mesmo dia.

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Naquele mesmo ano de 1982, Mallandro também estreou no cinema, com uma participação em "Menino do Rio", dirigido por Antônio Calmon.

Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio
Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio Imagem: Zô Guimarães/UOL

'Brothers de fé'

O sucesso parecia irreversível. No SBT, virou ídolo infantil à frente do "Oradukapeta", com desenhos e quadros para crianças. Em 1990, trocou a emissora de Silvio Santos pela TV Globo e ganhou um programa, o "Show do Mallandro".

Permaneceu na emissora carioca até 1993 e, após rápida passagem pela CNT, voltou para o SBT, sendo demitido dois anos depois.

"O Silvio Santos encomendou uma auditoria, viu que estavam ocorrendo erros na emissora e cortou todos os programas", ele conta.

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Sem salário, Mallandro ficou também sem a renda dos produtos licenciados.

Quando você está fora do ar, o gibizinho, a roupinha e o sapatinho param de vender. Tinha duas casas em Búzios, vendi. Fui vendendo, vendendo. Teve uma hora que acabou.
Sérgio Mallandro

No sufoco, lembrou da Mercedes que deu ao amigo nos tempos de riqueza. "Que arrependimento", diz, e logo se corrige. "Brincadeira. Dei o carro porque o cara era muito brother."

Com os "brothers de fé", Sérgio Mallandro sempre foi generoso. Quando ganhava muito dinheiro, convidava os amigos mais próximos para as festas do Hippopotamus, no Rio de Janeiro, e do The Gallery, em São Paulo, as duas boates mais famosas do Brasil nos anos 1980 e 1990, e "pagava a conta de todo mundo".

Muitos amigos sumiram quando o dinheiro de Mallandro acabou. "Na hora que o bicho pega, você tem que ter sua família", diz.

Seus problemas são somente seus. O boleto vem só no seu nome. No caixão só cabe um. Então você não tem que se doar tanto para as pessoas.

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Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Bomba no ônibus

A situação começou a melhorar no final de 1998, quando conseguiu emplacar um programa de pegadinhas na TV CNT/Gazeta, "Festa do Mallandro".

Antes, passou por uma TV Manchete em crise, ficando poucos meses no ar.

Na CNT/Gazeta, ganhou da Globo em audiência numa ocasião em que, disfarçado, ameaçou explodir um ônibus. "Era outra época do humor. Hoje, se eu fizesse isso, seria preso."

Com o fim do programa de pegadinhas em 2002, Mallandro se alternaria entre diferentes trabalhos na TV aberta e a cabo — sem nunca repetir o êxito do começo dos anos 1980, mas jamais voltando à penúria do final dos anos 1990.

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Quando aceitou participar do programa "A Fazenda", em 2010, foi mais por "curiosidade" do que necessidade, diz. No filme "Mallandro, o errado que deu certo", a participação ocorre quando ele está na pior — uma licença narrativa, afirma.

 Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio
Sérgio Mallandro posa para o UOL em sua casa, no Rio Imagem: Zô Guimaraes/ UOL

Bagulhos

Com o lançamento do filme, os shows e o podcast "Papagaio Falante" — em que entrevista personalidades ao lado do ator Renato Rabelo —, Sérgio Mallandro diz que se sente como se fosse um "protagonista da novela do horário nobre da TV Globo".

"Estou muito feliz", ele diz, ao final desta entrevista — uma das muitas que tem dado por ocasião do lançamento do filme, numa rotina exaustiva com jornalistas que ele não enfrentava havia anos.

"Vocês, jornalistas, têm mania de botar uns bagulhos que a gente não fala", afirma, enquanto arruma os óculos escuros com que esconde os olhos de 68 anos — idade que, no dependesse da vontade de Mallandro, não estaria neste texto.

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"Não espalha", ele brinca. "O que está na certidão de nascimento é falso. Na cabeça, tenho 30 anos."

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