Thiago Stivaletti

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Opinião

Reencarnação, ET e Holocausto: os filmes de Jonathan Glazer no streaming

Responda rápido: o que Nicole Kidman, Scarlett Johansson, a banda Radiohead e o Holocausto têm em comum? Todos foram filmados pelo britânico Jonathan Glazer, um dos cineastas mais interessantes (e raros) em atividade no mundo. Jonathan despontou para o mundo dirigido clipes de artistas hypados como Radiohead e Massive Attack e dirigiu seu primeiro longa, o filme de gângster "Sexy Beast", no distante ano 2000. Tudo indicava que a sua carreira no cinema decolaria rápido. Porém, a partir do seu segundo longa, "Reencarnação" (2004), ele dirigiu apenas um filme por década. Preguiça ou perfeccionismo? A segunda alternativa é mais provável.

Já é possível fazer uma retrospectiva de Glazer em casa. A plataforma Max disponibilizou há poucos dias o drama "Reencarnação" (2004) e já exibe a aclamada ficção científica "Sob a Pele" (2013). E a partir do dia 31, o Prime Video estreia "Zona de Interesse", seu impactante filme sobre o Holocausto (ou a perigosa negação dele) que acabou de vencer dois Oscar — melhor filme internacional e melhor som.

Vamos aos filmes, que em aparência não têm absolutamente nada a ver um com o outro, mas que foram construindo o estilo Glazer de filmar. Em "Reencarnação", Nicole Kidman vive Anna, uma mulher que perdeu o marido há dez anos, vítima de um ataque cardíaco fulminante enquanto corria no Central Park, em Nova York. Ela está prestes a se casar com outro quando um garoto de dez anos aparece afirmando ser a reencarnação do seu marido morto. O menino não hesita em responder a todas as perguntas pessoais sobre o falecido, e Anna começa a se (re)apaixonar pelo garoto.

O filme tem cenas inimagináveis nos dias de hoje, como um banho de banheira cheio de sedução entre Anna e o garoto — hoje em dia, nem com um coordenador de intimidade essa cena passaria. Glazer levou oito meses indo a Paris escrever o roteiro com o francês Jean-Claude Carrière, parceiro de Luis Buñuel em filmes como "A Bela da Tarde" (1967). Carrière lhe disse: "Se essa história nunca foi filmada, é porque ninguém nunca pensou nela antes, ou ela é totalmente infilmável". Glazer bancou a aposta e deu a Kidman um dos maiores papéis de sua carreira. É um filmaço ainda pouco conhecido 20 anos depois — foi um fracasso de bilheteria na época —, mas aos poucos vai ganhando sua aura de cult.

Scarlett Johansson em "Sob a Pele" (2013)
Scarlett Johansson em "Sob a Pele" (2013) Imagem: Divulgação

A solidão de Anna é parecida com a da alienígena vivida por Scarlett Johansson em "Sob a Pele", um dos filmes mais radicais feitos nos anos 2010. Ela circula numa van pelas paisagens frias de Glasgow, na Escócia, buscando homens como suas presas — a maneira com que ela os elimina não pode ser contada aqui, mas é de uma originalidade a toda prova. Assim como "Zona de Interesse", os diálogos são muito econômicos e a trilha sonora fica na cabeça por dias a fio. É um filme bastante perturbador, em que Johansson exibe um enorme sangue-frio em movimentos robóticos e olhar vazio. Vale a pena descobrir.

Cena do filme 'Zona de Interesse' (2023)
Cena do filme 'Zona de Interesse' (2023) Imagem: Divulgação/Diamond Films

Por fim, "Zona de Interesse", oscarizado este ano, traz uma das visões mais perturbadoras do Holocausto já vistas no cinema. Um comandante nazista e sua mulher (Sandra Huller, indicada este ano por "Anatomia de uma Queda") vivem uma pacata rotina ao lado dos filhos e dos empregados numa casa bem ao lado do campo de concentração de Auschwitz. Jamais vemos o campo de concentração, só ouvimos os sons de agonia que vêm de lá. Como disse o diretor em muitas entrevistas, não é só um filme sobre o Holocausto, mas sobre como nos acostumamos facilmente aos horrores à nossa volta e deixamos de nos abalar — não faltam exemplos no Brasil. Uma dica: ao ver o filme no Prime, apague as luzes, desligue o celular e tente não fazer muitas pausas. Só assim esse filme de cinema com C maiúsculo pode ser bem-visto em casa.

"REENCARNAÇÃO E "SOB A PELE" - disponíveis no Max
"ZONA DE INTERESSE" - a partir de domingo 31/3 no Prime Video

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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