Roberto Sadovski

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Opinião

'Fúria Primitiva': boa estreia de Dev Patel na direção traz ação e política

Dev Patel colocou seu suor e seu sangue em sua estreia na direção. "Fúria Primitiva" é exatamente o que ele havia planejado: um filme de ação intenso e violento, que entrelaça sua brutalidade vibrante com uma visão extravagante do abismo que costura o tecido social da Índia. O resultado é um ataque aos sentidos que, mesmo sem trilhar novos caminhos para o gênero, funciona.

Grande parte do apelo vem da dedicação de Patel, ator de filmes como "Quem Quer Ser um Milionário?", "Lion" e "A Lenda do Cavaleiro Verde", que rodou na Indonésia com orçamento apertado e despiu sua alma e sua dor na frente das câmeras.

Comprado pela Netflix, "Fúria Primitiva" quase foi engavetado quando o gigante de streaming não quis comprar a briga com o público indiano por seu conteúdo político explosivo. O filme encontrou um salvador no produtor Jordan Peele, que por fim bancou o lançamento.

Dev Patel brilha na frente e por trás das câmeras em 'Fúria Primitiva'
Dev Patel brilha na frente e por trás das câmeras em 'Fúria Primitiva' Imagem: Diamond

O comentário social permeia a narrativa ao lado da lenda de Hanuman, deus-macaco hindu que devorou o Sol por engano e é um dos grandes heróis do épico Ramayana. O elemento fantástico e as tradições culturais indianas temperam uma história de vingança tradicional, em que o protagonista passa por provações para, ao descobrir sua verdadeira essência, ganhar as ferramentas em sua luta contra o mal.

Esse herói anônimo, chamado por vezes de Garoto, lapida suas habilidades em um ringue de lutas clandestino, onde beija a lona usando repetidamente a máscara do Homem-Macaco. É sua maneira de lidar com seu trauma: quando criança, ele viu sua mãe e sua aldeia trucidados por homens da lei liderados por Rana (Sikandar Kher) a mando de um líder espiritual sedento pelo poder, Baba Shakti (Makarand Deshpande).

Anos depois, Baba faz campanha para um partido político extremista que busca varrer todas as comunidades dos miseráveis e desassistidos, atendendo à limpeza étnica e social promovida pela "elite". O Garoto se infiltra no bordel opulenta onde os homens no poder saciam seus vícios, e sua primeira tentativa em eliminar quem maculou sua vida não termina bem.

O Homem-Macaco expia seus pecados no ringue de 'Fúria Primitiva'
O Homem-Macaco expia seus pecados no ringue de 'Fúria Primitiva' Imagem: Diamond
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Nesse ponto fica claro que a intenção de Dev Patel não é reinventar a roda, e sim reconstruí-la de acordo com sua sensibilidade. O Homem-Macaco vai perceber que sua busca por vingança é menos importante que os anseios de uma sociedade esmagada pela tirania, e aos poucos renasce como uma força para os oprimidos. O caminho entre os dois vértices, contudo, é pavimentado com violência extrema.

Usar os punhos é uma forma criativa para contar uma história que, afinal, representa a luta de classes. Todo o subtexto da realidade brutal na Índia se manifesta na forma de sequências de ação que disfarçam bem a precariedade de recursos da produção.

Quando "Fúria Primitiva" pisa no acelerador, o espetáculo não é elegante e preciso como em "John Wick", trazendo mais semelhanças com as explosões de fúria em "Oldboy" ou a energia cinética de "Operação: Invasão".

Como cineasta de primeira viagem, falta a Dev Patel a maturidade para encontrar seu foco narrativo, que aqui demora a engrenar. Ainda assim, sua honestidade apaixonada como contador de histórias — e sua dedicação física e espiritual como protagonista— revela uma fagulha que merece ser alimentada.

"Fúria Primitiva" pode não revolucionar o cinema de ação, mas traz estilo, personalidade e energia criativa aos baldes. Belíssima estreia de um diretor que precisamos ficar de olho.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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