Roberto Sadovski

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Opinião

'Planeta dos Macacos' mantém seu cinema pop e pensante com 'O Reinado'

"Planeta dos Macacos - O Reinado" é um verdadeiro milagre. De alguma forma, esse candidato a blockbuster, parte de uma propriedade intelectual vigente há mais de cinco décadas, consegue escapar de todas as armadilhas que assolam os produtos corporativos e chega aos cinemas como um espetáculo vibrante, inteligente, provocativo e, por que não, profundo.

Essa receita, presente desde que Charlton Heston protagonizou um dos finais mais surpreendentes da história em "O Planeta dos Macacos", de 1968, foi renovada já no novo século em "Planeta dos Macacos - A Origem", que em 2011 fez do chimpanzé Caesar (Andy Serkis, em uma performance digital brilhante), cuja inteligência aumenta exponencialmente após uma experiência genética, o protagonista de uma nova série.

"Planeta dos Macacos - O Reinado" tem um ponto de partida esperto. Em vez de dar continuidade à trilogia de Caesar, completada pelo diretor Matt Reeves em "O Confronto" (2014) e "A Guerra" (2017), o novo filme zera mais uma vez o relógio e, sem ignorar seu legado, oferece um recomeço igualmente empolgante e desafiador.

O novo filme avança alguns séculos depois da morte de Caesar em "A Guerra", que marcou o fim do homem como espécie dominante no planeta. Neste futuro indeterminado, os macacos vivem em sociedades tribais espalhadas pelo globo, com os resquícios da civilização humana - rodovias, edifícios, prédios públicos - retomados pela natureza. A selva de pedra, finalmente, tornou-se real.

Owen Teague como Noa em 'Planeta dos Macacos - O Reinado'
Owen Teague como Noa em 'Planeta dos Macacos - O Reinado' Imagem: Disney/20th Century Studios

Nesse cenário vive Noa (Owen Teague), um jovem chimpanzé, filho do regente da tribo das águias. Refugiados no topo das árvores, eles são rígidos em suas regras e não se aventuram fora de seu território. Humanos, os que sobraram na Terra, são selvagens e a recomendação é manter-se longe deles. Não que Noa seja muito afeito a regras, mas o respeito por seus pares fala mais alto.

Esse idílio é rompido quando o lar de Noa é atacado por macacos ferozes, de outra tribo, que arrasam a comunidade em busca de escravos e da pista sobre uma humana fugitiva. Como único sobrevivente aparente, Noa parte numa jornada de resgate, ganhando como companheiros o orangotango Raka (Peter Macon), versado nas histórias do mundo antes de Caesar, e da tal humana, batizada por eles de Nova (Freya Allan), que aos poucos revela ter seus próprios planos.

O destino do trio são os domínios de Proximus (Kevin Durand), que ergueu seu reinado subvertendo os ideais de Caesar, hoje uma figura mítica, e repetindo com mão pesada e métodos brutais os erros que historicamente fizeram os humanos perder seu lugar na hierarquia animal. Seu grande objetivo é abrir um bunker que supostamente lhe daria as ferramentas para estender seus domínios. Nova, que se revela mais evoluída que os humanos caçados pelos símios, é a chave para esse plano.

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Freya Allan como Nova/Mae em 'Planeta dos Macacos - O Reinado'
Freya Allan como Nova/Mae em 'Planeta dos Macacos - O Reinado' Imagem: Disney/20th Century Studios

O diretor Wes Ball (da série "Maze Runner") é menos cerebral e mais acelerado do que Matt Reeves - por consequência, "O Reinado" traz um dinamismo que por vezes atropela seus conflitos narrativos. Ainda assim, este novo "Planeta dos Macacos" sabe equilibrar cenas de ação vibrantes com nacos dramáticos que não se furtam de introspecção e reflexão.

Essa harmonia honra o legado da série como um blockbuster de muitas camadas, em que a ação, sempre vibrante, ajuda a desfraldar um olhar atento para a condição humana. Em "O Reinado", a grande pergunta é se os novos donos da Terra podem manter seu curso pacífico criando um novo paraíso, ou se a natureza dos seres pensantes, sempre bélica, é determinada pela sede de poder e pela corrupção que esses impulsos atraem.

Ao concentrar a narrativa em Noa e em Nova - ou Mae, como ela mesma se revela -, o filme produz dois pontos de vista legítimos, mesmo que cada um aponte caminhos radicalmente opostos. Essa dualidade é o dilema que "Planeta dos Macacos - O Reinado" explora de forma inteligente, culminando em um terceiro ato explosivo e, de certa forma, estranhamente familiar.

Kavin Durand é Proximus em 'Planeta dos Macacos - O reinado'
Kavin Durand é Proximus em 'Planeta dos Macacos - O reinado' Imagem: Disney/20th Century Studios

Visualmente, "Planeta dos Macacos - O Reinado" é um assombro, com o cenário virtual mesclando-se perfeitamente às locações reais, e o elenco símio executado à perfeição em um mundo digital tão espetacular e surpreendente como o de "Avatar - O Caminho da Água". A animação de Noa e seus companheiros é tão detalhada e realista que é fácil esquecer que estamos vendo pixels, e não pelo, músculos e presas.

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O cinema pop, bancado como produtos por grandes estúdios, corre sempre o risco de trocar riqueza narrativa pelo espetáculo oco. É revigorante, portanto, ver que existe espaço para megaproduções como "Planeta dos Macacos - O Reinado", que por trás de todo o verniz corporativo tem de fato algo a dizer. Se existe de fato alguma receita para trazer o público de volta aos cinemas, essa ficção científica pensante aposta no óbvio: bons filmes são a melhor desculpa para sair de casa.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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