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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Dungeons & Dragons' é a mistura de aventura e humor que o cinema precisava

Justice Smith, Chris Pine, Sophia Lillis e Michelle Rodriguez em "Dungeons & Dragons" - Paramount
Justice Smith, Chris Pine, Sophia Lillis e Michelle Rodriguez em 'Dungeons & Dragons' Imagem: Paramount

Colunista do UOL

12/04/2023 04h00

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Quando "A Múmia" se tornou um sucesso em 1999, as reações foram diversas. As mais curiosas foram as críticas sobre o tom do filme. A aventura com Brendan Fraser descartava o clima de terror do clássico de 1932 para abraçar a aventura leve, com sua intensidade ressaltada por bom humor. Alguns torceram o nariz, mas deu muito certo.

Não sei em que ponto da cultura pop os filmes de aventura e fantasia passaram a ser "sérios e sombrios" para ser levados a sério, ou por que parte do público rejeita o bom humor como essencial para qualquer história. Não importa. "Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes" chega aos cinemas para colocar a galhofa de volta à mistura. Alguns podem torcer o nariz, mas deu muito certo!

Os diretores Jonathan Goldstein e John Francis Daley ("A Noite do Jogo") buscaram inspiração no cinema de aventura dos anos 1980 e não tiveram receio em equilibrar ação de alto risco e comédia esperta com um centro emocional vibrante. A mistura ainda traz um sabor de nostalgia que acerta no diálogo com o público.

Inspirado na série de jogos de tabuleiro que ajudou a desenhar a fantasia moderna, "Dungeons & Dragons" caminha em terreno bastante familiar para os entusiastas do cinema fantástico. Temos um grupo de aventureiros eclético, cada um com habilidades específicas - o mago, o paladino, o bárbaro, o ladrão -, reunidos em uma jornada que, no fim, pode decidir o destino do mundo.

Seu ponto de partida, porém, está no amor de um pai por uma filha. Edgin (Chris Pine, deliciosamente canalha) é um espião que, depois do assassinato de sua esposa, abriu mão de sua honra e se tornou ladrão para sustentar sua filha. Preso ao lado da guerreira Holga (Michelle Rodriguez), ele planeja sua fuga para encontrar um antigo companheiro que há dois anos cuida da criança.

O problema é que o sujeito, o trapaceiro Forge (Hugh Grant) é agora o manda chuva da principal cidadela do reino. Ele não só está indisposto a abrir mão da guarda da garota, Kira (Choice Coleman), como também se aliou a uma bruxa maligna, a necromante Sofina (Daisy Head). Forge trai os amigos, que são obrigados a fugir e armar um plano para a) recuperar Kira e b) impedir que a feiticeira traga um mal ancestral que pode engolfar todos os reinos.

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Hugh Grant e Chloe Coleman em 'Dungeons & Dragons'
Imagem: Paramount

"Dungeons & Dragons", então, cai na estrada, com Edgin e Holga buscando aliados para impedir os planos de Forge. Eles recrutam uma druida transmorfa, Doric (Sophia Lillis), e um mago inseguro de suas habilidades, Simon (Justice Smith), além do paladino Xenk (Regé-Jean Page), o mais próximo de um herói de verdade no grupo.

Adaptar um jogo complexo como "Dungeons & Dragons", que expande-se em uma dezena de livros, bíblias e campanhas, seria tarefa inglória. A grande sacada de Goldstein e Daley foi, então, apropriar-se do espírito do RPG, em que habilidade e estratégia caminham lado a lado com a mais pura sorte.

Essa combinação é traduzida em uma narrativa que lembra justamente as campanhas de uma partida - que pode durar meses! -, com nossos heróis resolvendo enigmas, partindo para a pista seguinte até reunir todos os elementos necessários em sua investida final.

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Sofina (Daisy Head) é a feiticeira maligna em 'Dungeons & Dragons'
Imagem: Paramount

O bom humor de "Dungeons & Dragons" vem justamente das soluções inusitadas que os personagens encontram ao longo de sua jornada. A fuga de Edgin e Holga da prisão, logo na primeira sequência do filme, surge em um movimento que, honestamente, ninguém pode prever.

Quando todo o grupo precisa interrogar cadáveres mortos há séculos em um campo de batalha, a magia que os anima permite que se façam apenas cinco perguntas para cada um - com resultados absurdos. Quando eles finalmente entram em uma caverna e encontram um dragão, a criatura é tão obesa que suas asinhas mal dão conta de seu voo.

O texto bem amarrado é emoldurado por um filme que não abre mão da potência de suas cenas de ação. A leveza do tom em nenhum momento alivia os riscos da aventura porque, quando um filme fantástico encontra bons personagens para se ancorar, não tem problema em ser pateta. É tudo que "Quantumania" (que eu não desgosto) e "Shazam! Fúria dos Deuses" (esse foi difícil) queriam ser e não conseguiram.

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O que seria de 'Dungeons & Dragons' sem um dragão...
Imagem: Paramount

O cinema pop precisa desse tipo de respiro para recuperar o público perdido ao longo da pandemia. "Top Gun: Maverick" e "Avatar: O Caminho da Água" reacenderam a chama, mas nem todo filme pode ter um super astro ou ser um mega blockbuster. Produções mais modestas como "Dungeons & Dragons" mantém a engrenagem girando.

Não que "D&D" seja uma aventura sem ambições. O mundo sugerido aqui é vasto, tão grande quanto o tabuleiro desenhado em nossa imaginação. Há espaço para expansão, para novos personagens e histórias, tanto para o público entrando agora nesse universo quanto para entusiastas de longa data.

Existe espaço até para uma ponta dos personagens do desenho animado "Caverna do Dragão", igualmente inspirado no RPG, que foi febre no Brasil (e somente no Brasil) nos anos 1980. Coisa rápida, um afago aos fãs, inconsequente para o filme. Honestamente, já está de bom tamanho.