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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Novo 'Avatar' traz mensagem ambiental embalada no maior espetáculo do ano

Sam Worthington como Jake Sully em "Avatar: O Caminho da Água" - 20th Century Studios
Sam Worthington como Jake Sully em 'Avatar: O Caminho da Água' Imagem: 20th Century Studios

Colunista do UOL

13/12/2022 14h00

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James Cameron não queria mais dirigir filmes. A decisão veio pouco depois do lançamento de "Avatar" em 2009. Ao criar a aventura ecológica, o cineasta experimentou um chamado diferente, e passou a se dedicar às causas ambientais.

Ao longo dos últimos anos, porém, Cameron percebeu que a preservação do meio ambiente e a defesa da liberdade de povos originários carecia de uma vitrine ainda maior para explicitar questões fundamentais para a manutenção de nosso futuro.

Se fosse político, ele certamente seria candidato a um cargo público. Escreveria um livro caso optasse por ser escritor. Seu ofício, contudo, é fazer filmes - e poucas vitrines são tão amplas quanto a do cinema. O resultado dessa constatação é justamente "Avatar: O Caminho da Água".

Vale repetir que filmes não são criados necessariamente para expressar uma "mensagem". As entrelinhas ficam, de preferência, a cargo de interpretação individual. No caso do novo "Avatar" fica difícil, porém, fugir do óbvio. "O Caminho da Água" é uma palestra, um ted talk de luxo, travestido de ficção científica bombástica.

Para compartilhar suas ideias sobre a preservação ambiental e os efeitos nefastos da mão pesada do intervencionismo, representado por uma potência bélica invasora, Cameron criou uma história grandiosa. Mesmo em uma trama fantástica, ambientada no futuro e em um mundo alienígena, ele mantém a conexão ao centrar sua narrativa no poder do amor que une uma família. Vin Diesel estaria orgulhoso.

A trama começa pouco depois dos eventos do primeiro filme, com a vitória dos Na'vi, nativos de Pandora, contra os invasores da Terra. Jake Sully (Sam Worthington) é agora o líder de seu clã, e forma nos anos seguintes uma família com Neytiri (Zoe Sandaña). Eles tem três filhos e adotam uma quarta, Kiri, filha gerada misteriosamente pelo avatar da cientista Grace Augustine. Sigourney Weaver interpreta as duas.

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Neytiri e Jake se preparam para a guerra - por seu povo e por sua família - em 'Avatar: O Caminho da Água'
Imagem: 20th Century Studios

O período de paz dura pouco com a volta do coronel Miles Quaritch à cena. Morto ao final de "Avatar", o personagem defendido por Stephen Lang retorna no corpo artificial de um nativo de Pandora, exatamente como o de Jake, ao lado de outros soldados vitimados no primeiro filme. A pseudociência é uma mão na roda narrativa!

A nova invasão tem motivação, digamos, "nobre". Em vez de colonizar Pandora para extrair de seu solo um minério ultrarraro e extremamente valioso, a missão agora é conquistar, "pacificar" os nativos e terraformar o lugar para abrigar toda a humanidade. A Terra, pelo visto, não resistiu a séculos de exploração desenfreada.

Se essa é a trama geral, a linha narrativa fica por conta da vingança de Quaritch contra Sully e Neytiri. Um ataque inicial e o risco para seu clã faz com que o casal busque abrigo em outras aldeias de Na'vi em Pandora. O santuário, ainda que turbulento, é encontrado junto ao povo que vive nas ilhas que desenham o vasto oceano do planeta.

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Sigourney Weaver está de volta e a gente fica feliz!
Imagem: 20th Century Studios

A estrutura narrativa de "O Caminho da Água" se assemelha à história tecida por Cameron para "Avatar". O cineasta busca reapresentar o mundo gerado por sua imaginação abordando outro ecossistema. Fauna e flora são detalhados, assim como a relação quase espiritual de Kiri, filha adotiva dos Sully, com a consciência de colmeia que parece abraçar Pandora.

É aqui que Cameron mostra sua visão por trás de toda a fanfarra de "Avatar". A ambientação fantástica é sua maneira de expressar a importância de vivermos em comunhão com o meio ambiente. O texto, por sinal, não é sutil ao explicitar que essa simbiose é fundamental para nossa sobrevivência.

A necessidade em fazer de "Avatar" um espelho dos conflitos ambientais que assolam nosso próprio mundo termina por ser o calcanhar der Aquiles de Cameron. Embora inteligente e extremamente bem amarrada, a trama não esconde uma certa ingenuidade, um bom mocismo que traça uma linha bem clara do bem contra o mal absoluto. Não há espaço para o cinza.

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Kate Winslet e Cliff Curtis são adições elegantes ao elenco de 'Avatar: O Caminho da Água'
Imagem: 20th Century Studios

Se existe uma falta de sofisticação narrativa em "Avatar: O Caminho da Água", uma simplicidade que remete ao cinema de ação dos anos 1990, Cameron mais do que compensa com seu pulso eletrizante como contador de histórias e, por óbvio, como visionário verdadeiro capaz de revolucionar o modo de fazer cinema.

Não existe uma tomada sequer em "O Caminho da Água" que não seja absolutamente surpreendente. Não existe, no cinema moderno, nenhum diretor operando no mesmo nível de Cameron quando o assunto é quebrar as barreiras da tecnologia e reescrever a maneira como ela é usada para contar uma história.

Quando chegou nos cinemas há mais de uma década, "Avatar" reinventou o cinema em 3D como uma experiência imersiva. Aqui, a tecnologia funciona ainda melhor, dando volume a cada elemento em cena e convidando o público a experimentar a história ainda mais de perto. As três horas de projeção, acredite, passam como uma brisa.

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Quaritch (Stephen Lang) observa o seu outro eu graças à (pseudo) ciência
Imagem: 20th Century Studios

O assombro se repete com as técnicas de captura de performance, que deixam ainda mais naturais as interpretações de atores como Worthington e Sandaña, além das adições Kate Winslet e Cliff Curtis, como os imponentes Na'vi.

Combinar água à ambientação digital é um desafio tão espantoso quanto invisível: em uma cena que remete a "Titanic", com os protagonistas digitais fugindo de uma embarcação indo a pique, é impossível não só diferenciar o real do digital, mas imaginar o trabalho hercúleo de pós produção para apagar a costura.

"Avatar: O Caminho da Água" é o motivo pelo qual nada substitui a experiência de ver um filme no cinema. Toda a experiência só se justifica na sala grande. É uma aventura para emocionar, para se assombrar, capaz do tipo de catarse coletiva que, em 2022, talvez somente "Top Gun: Maverick" tenha alcançado.

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Não seria um filme de James Cameron sem o fetiche do diretor a maquinário bélico pesado
Imagem: 20th Century Studios

Até porque, mesmo com a visão claríssima de James Camerom em fazer um filme 100 por cento em defesa do meio ambiente, em sua hora final "O Caminho da Água" é puro júbilo cinematográfico. A combinação de suspense, ação, lágrimas e fúria, uma extensão do tipo de cinema que o próprio diretor ajudou a aperfeiçoar, de "Aliens" a "O Exterminador do Futuro 2" a "Titanic".

Não é difícil criticar "Avatar: O Caminho da Água" por usar do cinema para passar uma mensagem. Boa parte do público quer sentar na sala escura para esquecer dos problemas do mundo, e não o contrário. A experiência proporcionada por James Cameron, contudo, vai além das entrelinhas. É cinema como reflexão e também como entretenimento, tudo elevado ao máximo por um artista que redescobriu o prazer de contar uma história. Ainda bem.