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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Uncharted': Tom Holland é o astro dessa aventura que já nasce ultrapassada

Colunista do UOL

17/02/2022 04h00

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A cena está no trailer. Tom Holland, no papel de Nathan Drake, equilibra-se em containers que despencam para fora de um avião de carga em pleno voo. Ele salta de caixa em caixa, desviando-se de balas disparadas por seus perseguidores. Quando finalmente consegue retornar ao avião, é atingido por um carro e volta a cair para a morte.

É o momento em que "Uncharted: Fora do Mapa", adaptação do videogame de sucesso, segue sua estética e espírito. Apesar do artificialismo dos efeitos digitais, é uma sequência inspirada, orquestrada pelo diretor Ruben Fleischer, que fica uma beleza na maior tela de cinema possível. É também o único momento da aventura que parece ter algum pulso.

A ideia de transformar "Uncharted" em filme já parecia complicada em sua concepção. A série de jogos, criada em 2007, trouxe quatro exemplares protagonizados por Nathan Drake que foram sucesso absoluto de crítica e público, vendendo mais de 41 milhões de unidades. Tudo no game é superlativo, dos roteiros à direção, dando um baile em muito filme de ação moderno. Foi uma revolução nos jogos de aventura, sua estética e mecânica estabelecendo um padrão.

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Mark Wahlberg e Tom Holland tem a química de uma tangerina
Imagem: Sony

Com uma narrativa cinematográfica tão brilhante, traduzir os jogos para o cinema parecia tarefa inútil. O motivo, porém, é óbvio: "Uncharted" é uma propriedade intelectual valiosa e popular, o que faz um filme já começar com um público curioso. Não foi, entretanto, uma jornada fácil, com várias ideias abraçadas e descaradas, diversas possibilidades de elenco se afunilando até chegar em Tom Holland.

Aos 25 anos, o intérprete do Homem-Aranha do universo Marvel no cinema é, até hoje, basicamente isso. Seus filmes depois de ser colocado sob os holofotes em "Capitão América: Guerra Civil", como "O Diabo de Cada Dia", "Mundo em Caos" e "Cherry", não encontraram o público. Mesmo o sucesso fenomenal de "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" não faz com que seu nome seja o bastante para ancorar um filme.

"Uncharted" surge, portanto, como uma decisão profissional coerente. Assim como Harrison Ford, que emendou seu Han Solo em "Star Wars" com a série "Indiana Jones", Holland apostou em uma aventura mais tradicional para se desvincular um pouco de um mundo de fantasia, mesmo sem abrir mão totalmente do fantástico.

O problema é que, nessa primeira aventura de Nathan Drake no cinema, "tradicional" rima com "ultrapassado". Não existe nada em "Uncharted" que já não tenha sido feito antes, e muito melhor. Existe a óbvia inspiração de "Indiana Jones" (citado nominalmente em uma cena) com uma pitada de 007 e "Missão Impossível" para temperar. Nada salta aos olhos. Nada fica impresso na retina.

Nathan Drake, órfão e separado do irmão quando criança, é recrutado pelo caçador de tesouros Victor Sullivan (Mark Wahlberg, que a certa altura seria Drake em uma versão anterior do projeto) com uma proposta tentadora: encontrar o ouro perdido pelo navegador Fernão de Magalhães, estimado em US$ 5 bilhões. De quebra, resgatariam o próprio Sam Drake, irmão de Nate e ex-parceiro de Sullivan, perdido ao procurar o mesmo tesouro.

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Antonio Banderas é o vilão bobão de 'Uncharted'
Imagem: Sony

Daí em diante, a dupla parte em uma busca global, envolvendo uma antiga parceira de Sully, Chloe Frazer (Sophia Ali), e Santiago Moncada (Antonio Banderas), bilionário espanhol que acredita ser herdeiro por direito do tesouro de Magalhães. Banderas parece interpretar com sono, desinteressado. Espera-se que ele tenha melhor sorte justamente no quinto "Indiana Jones", agendado para ano que vem.

Se um filme de ação moderno precisa de uma certa suspensão de descrença para funcionar, "Uncharted" ultrapassa as barreiras do bom senso com uma trama ancorada em coincidências e em descobertas acidentais. Fica mais difícil ainda comprar a história quando Nathan Drake, apresentado como um garoto de mãos leves mas zero experiência em uma empreitada desse porte, torna-se o vetor de todas as respostas.

Não que Tom Holland não devesse assumir o papel. Nos games Drake é apresentado como um sujeito mais velho, calejado no trabalho de procurar tesouros ao redor do mundo. É honesto imaginar que uma versão para o cinema comece sua jornada com um protagonista mais jovem. O roteiro, porém, precisava acompanhar essa evolução para que ela fosse minimamente crível. Não há, porém, o menor esforço.

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'Precisamos muito de sua ajuda, Dr. Jones'
Imagem: Sony

Nem é o caso também de se desesperar com as diferenças do cinema para seu material original nos games. Adaptar uma mídia para outra exige também repensar a propriedade intelectual. Ela precisa existir como um filme em que somos espectadores passivos, e não como um game em que determinamos até certo ponto o rumo da aventura. Não existe isso de "era só filmar o jogo". Não funciona assim.

O problema aqui é mesmo a falta de um diretor com pulso mais firme para dar um norte à trama. Ruben Fleischer é um realizador razoável de filmes igualmente passáveis, como "Venom" e os dois "Zumbilândia". São passatempos ligeiros, perfeitos para assistir durante um voo longo em que a atenção não precisa estar 100 por cento na tela.

Não existe nada de odioso ou ofensivo em "Uncharted". Apenas a frustração de assistir a mais um produto que parece saído de uma linha de montagem, sem uma pitada de ousadia ou inovação, sem o sangue nos olhos que faz toda a diferença. Seus produtores miraram em "Indiana Jones" e acertaram em "A Lenda do Tesouro Perdido" - com a desvantagem brutal de não contar com Nicolas Cage no elenco.