Roberto Sadovski

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Opinião

Anne Hathaway e Jessica Chastain travam um bom duelo em 'Instinto Materno'

O diretor Douglas Sirk revelou a ilusão do estilo de vida americano em uma série de melodramas lançados nos anos 1950. Obras como "Tudo Que o Céu Permite", "Palavras ao Vento" e "Imitação da Vida" traziam, por trás dos romances açucarados, o retrato de uma sociedade sufocada por suas próprias convenções, presa na ilusão que ela mesmo criara.

Em "Instinto Materno", refilmagem do francês "Duelles", de 2018, o diretor Benoit Delhomme interpreta a desconstrução ilustrada por Sirk pela lente de Alfred Hitchcock. Ou melhor, ele tenta: o resultado é uma mistura de drama e thriller que nem sempre encontra o tom certo. Ainda assim, o filme consegue superar suas limitações graças a um par de protagonistas em grande forma que elevam o jogo.

Anne Hathaway e Jessica Chastain são Céline e Alice, vizinhas em um subúrbio idílico de algum ponto no final dos anos 1950, que abdicaram de seu futuro profissional para se encaixar no estereótipo da dona de casa. Enquanto os maridos são os provedores, elas fazem da educação dos filhos - os amigos inseparáveis Max e Theo - sua prioridade.

Essa harmonia é estilhaçada quando Max, filho de Céline, perde a vida aos 7 anos de idade em um acidente doméstico. Alice absorve a culpa - ela acha que poderia ter agido de forma mais incisiva para prevenir a tragédia. Já Céline se entrega ao desespero e, entre o luto e as lágrimas, encontra algum conforto com a convivência com Theo, por sua vez confuso com a ausência súbita do amigo.

Anne Hathaway e Jessica Chastain em 'Instinto Materno'
Anne Hathaway e Jessica Chastain em 'Instinto Materno' Imagem: Imagem

Até aí, "Instinto Materno" traz os contornos de um dramalhão, um filme sobre uma perda imensurável que estremece uma grande amizade. Aos poucos, contudo, Delhomme eleva a tensão e constrói uma narrativa que sugere um caminho mais sinistro. Não é mais o american way of life que está em questão, e sim a sanidade de suas protagonistas e a legitimidade de suas ações. Quando um vilão é traçado, a diversão é identificar quem teria suas pintas.

"Instinto Materno" tropeça, no entanto, na busca pelo equilíbrio entre os gêneros que procura abordar e na mudança abrupta de tom. O roteiro por vezes não faz sentido e em nenhum momento se aprofunda no terror real de sua premissa. Quando por fim assume sua vocação como thriller, a conclusão é imperfeita, ainda que satisfatória.

Nada disso, contudo, ofusca o trabalho brilhante de suas protagonistas. Elas descortinam em suas personagens uma complexidade ausente do texto. Anne Hathaway retrata de forma brutal a dor de uma mãe em luto, deixando as intenções de sua Céline sempre envoltas nas sombras. Jessica Chastain, por sua vez, traz a dualidade de uma mulher incerta se sua paranoia tem fundamento lógico ou se é fruto de sua própria mente fragilizada.

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Quando as duas dividem a cena, o resultado é sempre inesperado e explosivo, o que nos faz imaginar o que diretores como Todd Haynes ou Noah Baumbach não fariam com o mesmo material. Nas mãos de Benoit Delhomme, que faz aqui sua estreia como diretor, "Instinto Materno" contenta-se em ser uma experiência em desconforto e suspense que se apequena ante a intensidade de suas estrelas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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