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"Resident Evil" e por que ainda insistimos em ver games em outras telas
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"Resident Evil: Bem-Vindo a Racoon City" é um produto estranho. Nem falo como filme, já que tem lá seu charme tosco e pouca coisa além. Esse reboot da série no cinema existe unicamente para marcar território, para expandir o alcance de uma propriedade intelectual além de sua encarnação inicial como videogame.
O que deixa a cabeça coçando é onde se encaixa a necessidade criativa de tudo isso, enxergando um passo além do óbvio movimento corporativo que impulsiona a cultura pop no novo século. Não dá para ser ingênuo e buscar um propósito artístico em "Resident Evil" - ou em Marvel, Star Wars, Pixar ou qualquer outra marca que alavanque bilhões. Mas também não dá para encarar um filme - ou uma série de filmes - como se fosse pastelaria.
Adaptar um jogo já é tarefa inglória. Sua graça como produto, não importa as inovações traçadas do Atari ao PS5, é a interação, é a gente estar à frente da aventura. Sem esse elemento, resta aos cineastas rebolar para construir uma trama envolvente o bastante para que o fã, o público imediato de qualquer adaptação, não dê de ombros e perca o interesse.
O que nos leva a "Resident Evil". Quando se viu encarregado de levar os jogos ao cinema, o diretor e roteirista Paul W.S. Anderson pincelou alguns elementos dos games mas preferiu criar uma trama nova, do zero, com uma protagonista lapidada unicamente para o cinema: Alice, interpretada por Milla Jovovich, que não existia em nenhuma das interações do jogo.
Alguns fãs mais radicais torceram o nariz, porque "não era Resident Evil". A estratégia, entretanto, foi um sucesso arrebatador. A série encabeçada por Milla Jovovich rendeu seis longas e mais de US$ 1.2 bilhões em caixa. Ou seja, a turma pode ter reclamado, mas a vontade de ver uma marca familiar pulando para outra mídia foi maior que o ranço.
Essa epopeia de adaptar videogames para o cinema vem de "Super Mario Bros", de 1993. Foi um desastre em forma de filme que manchou já na largada a reputação das versões em filme para jogos. Em quase três décadas, raramente essa combinação deu frutos. "Street Fighter", "Mortal Kombat", "Assassin´s Creed", "Tomb Raider" - a lista de equívocos é enorme.
A indústria, porém, está mais do que nunca regida por propriedades intelectuais. Então percebe-se um cuidado maior com os filmes mais recentes. "Sonic" e "Detetive Pikachu" são ótimos exemplos de como expandir o que se entende por "mitologia" de um game e criar um filme original e divertido - ainda assim, um filme!
O que nos traz de volta a "Resident Evil: Bem-Vindo a Racoon City". Confesso nutrir uma admiração nada saudável por todos os filmes da série, mesmo sabendo que não há muita qualidade a se destacar ali. O reboot, encabeçado por Kaya Scodelario, passa uma borracha no "cânone" cinematográfico e arrisca uma direção totalmente oposta: é fiel como nunca à série de jogos.
Essa contramão parece uma resposta justamente aos fãs que queriam ver uma representação mais fiel do game em outra mídia. A decisão, no entanto, foi radical. "Racoon City" é ambientado em 1998, ano de lançamento de "Resident Evil 2" para os consoles da época e marco zero da imensa popularidade da série. A trama envolve a famigerada Umbrella Corporation, a intrépida Claire Redfield (Scodelario) de volta a Racoon City, experiências macabras com órfãos, uma mansão abandonada e, claro, um oceano de zumbis.
Embora tenha mesmo um certo charme tosco, o novo "Resident Evil" não vai muito além de ser um filme de monstro dos anos 1990, com visual menos polido e soluções que denunciam seu orçamento modesto e suas ambições igualmente reduzidas. Ele existe, portanto, com a única função de manter a propriedade intelectual enraizada além de suas fronteiras interativas.
É questionável se isso é cinema. Mas essas fronteiras, com o mundo entrando firme em 2022, terminam por não fazer muito sentido. "Resident Evil: Bem-Vindo a Racoon City" é um produto, defendido em nível corporativo como parte de uma engrenagem. E é, finalmente, super fiel ao jogo que lhe batizou. Os fãs, só por isso, não terão muito do que reclamar. Já o resto de nós...
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