'Amante mais odiada': uma série para entender o amor pelos livros
"O livro é a amante mais odiada, rouba tempo, muito tempo. Cada vez mais tempo. Tornamo-nos cada vez mais adeptos da leitura. Eu poderia contar histórias de escritores muito conhecidos, com muitos livros publicados e respeitados, que chegaram a ter um apartamento paralelo, sem informar à família, onde tinham todos os livros, porque dessa forma mostravam à família que haviam se curado da doença dos livros".
Quem diz isso é um livreiro de Buenos Aires. E quem conhece um pouco mais a fundo a sua história sabe do que um homem apaixonado pelos livros é capaz. É ele que empreende uma jornada quixotesca para manter a Libreria de Avila de portas abertas. Fez disso uma das razões para a própria vida quando soube que a livraria mais antiga de Buenos Aires corria o risco de ser transformada numa lanchonete banal.
No ótimo "O Infinito em um Junco" (Intrínseca, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), a espanhola Irene Vallejo traça como o livro sobreviveu a diversas enrascadas até chegar aos nossos dias. A misteriosa paixão por esse objeto repleto de significados foi decisiva para que homens e mulheres poderosos se metessem em grandes jornadas na busca pelas histórias cunhadas em papéis, pergaminhos ou peles de animais. Como diz um outro personagem de "Booklovers", quem está metido com o livro e a literatura topa fazer muita coisa para tratar de ser feliz.
"Booklovers" é uma série dividida em cinco capítulos comandada pelo escritor e crítico cultural Jorge Carrión, conhecido por aqui principalmente pelo ensaio "Contra a Amazon" (Elefante, tradução de Reginaldo Pujol Filho e Tadeu Breda). Jorge também é autor de "Livrarias" (Bazar do Tempo, tradução de Silvia Massimini Felix), no qual já relatava suas andanças pelo mundo para conhecer lojas de livros singulares.
De certa forma, é isso que faz nesse novo trabalho, que chega aos leitores e espectadores de forma gratuita pela plataforma espanhola Caixa Fórum Plus (tem legendas em português). Em cada episódio Jorge percorre uma metrópole para investigar de que forma a relação de seus habitantes com a literatura nos ajuda a compreender a própria cidade.
No primeiro capítulo o destino é Buenos Aires, onde conversa com a jornalista Leila Guerriero (que me causou boa surpresa ao falar da importância dos quadrinhos em sua vida) e acompanha a edição de um livro da mítica Eloísa Cartonera. A suntuosa Ateneo Grand Splendid, clichezaço inescapável, também está lá.
A segunda jornada é por Madri, mas tem uma outra latino-americana como personagem central: a peruana Gabriela Wierner. Em "Exploração" (Todavia, tradução de Sérgio Molina), a escritora aborda as tensões entre a própria história e a condição de imigrante, assunto que abordei na última coluna.
Ao tratar da capital espanhola como uma cidade de colagens, Gabriela fala sobre a ida para a Espanha seguindo as pegadas de Bolaño e de como foi se achar na escrita ao arriscar um "texto híbrido, degenerado, de gênero fluído". A recusa de caixinhas fechadas demais tem mesmo muito a ver com a literatura contemporânea.
Entrevistas com outros livreiros, visitas a espaços culturais menos badalados e incursões a bibliotecas como a deixada por Julio Cortázar compõem os achados literários que Jorge divide com os leitores. É prudente ter por perto papel e caneta para anotar a série de livrarias que aparentemente merecem uma visita. Se não tiver outro jeito, uma espiada pelo Instagram já tem seu valor. É o que costumo fazer por aqui.
Escrevo às vésperas do episódio de "Booklovers" sobre Lisboa ir ao ar para destacar endereços como a Fundação José Saramago e as livrarias Ler Devagar e Bertrand, além de ouvir nomes como Pilar del Río e Alberto Manguel. Estão programadas visitas de Carrión à Cidade do México de Elena Poniatowska e a Barcelona de Enrique Vila-Matas.
São passeios e conversas que certamente agradarão grandes leitores. E podem fazer com que quem não dá tanta bola assim para a coisa compreenda por que, apesar de tudo, ainda há tanta gente apaixonada pelo livro e pela literatura, essas maravilhas que seguem firmes milênio após milênio.
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