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Marcelle Carvalho

REPORTAGEM

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Aracy de Carvalho, a heroína brasileira que salvou judeus na Segunda Guerra

Aracy de Carvalho, homenageada por ajudar judeus na Alemanha, em foto sem data - IEB/ARQSHOAH/USP Image
Aracy de Carvalho, homenageada por ajudar judeus na Alemanha, em foto sem data Imagem: IEB/ARQSHOAH/USP Image

Colunista do UOL

12/12/2021 04h00

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As chamadas da nova minissérie da TV Globo, "Passaporte para Liberdade", já estão sendo exibidas e, pelas imagens, dá para perceber que se trata de uma superprodução. E nem poderia ser diferente, tamanha a grandiosidade da protagonista da história escrita por Mário Teixeira, com direção artística de Jayme Monjardim: Aracy de Carvalho (interpretada, na produção, por Sophie Charlotte). Mas você sabe quem foi essa brasileira que enfrentou nazistas e ajudou a salvar judeus na Segunda Guerra Mundial?

Natural de Rio Negro, no Paraná, Aracy era filha de mãe alemã e pai brasileiro. Aos 22 anos, se casou com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess, pai de seu único filho, Eduardo Carvalho. Porém, após cinco anos de união, o casal se separou, e Aracy embarcou para Alemanha com o menino, indo morar com sua tia. Fluente em português, inglês, francês e alemão, conseguiu uma colocação no consulado brasileiro em Hamburgo, onde passou a ser chefe da Seção de Passaportes.

A partir daí, a história dessa moça iria mudar. E a de muitos judeus também, graças à ajuda dela. Foi no consulado que Aracy conheceu João Guimarães Rosa, que viria, anos depois, se tornar um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Porém, na época, fim dos anos 30, ele era o cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo. Os dois viveram uma linda história de amor sob a sombra de um dos momentos mais tristes que a humanidade já viveu: a Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos judeus.

Por não suportar tamanha barbárie, Aracy decidiu arriscar a própria vida para livrar o máximo de pessoas da maldade nazista. Ela se valeu do cargo no setor de passaportes no consulado brasileiro para facilitar a entrada de judeus no país. O problema é que o Brasil, governado por Getúlio Vargas, era pró-Alemanha na época e, em 1937, entrou em vigor aqui no país, a Circular Secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. A brasileira insurgiu contra a ordem e continuou preparando vistos para judeus. Segundo pesquisas de historiadores, como despachava com o cônsul geral, ela colocava os vistos entre a papelada para as assinaturas. Para obter a aprovação dos vistos, Aracy simplesmente deixava de pôr neles a letra "J", que identificava quem era judeu.

Além disso, a brasileira chegou a transportar em seu próprio carro, judeus para além das fronteiras alemãs. Ela não era revistada por ser do consulado. Também ajudava no embarque dos judeus em navios com destino ao Brasil ao levar dinheiro e joias para entregar aos fugitivos. Por ter salvado tantos, passou a ser conhecida por eles e por aqueles que seriam salvos por ela como o "anjo de Hamburgo".

minissérie - Luciana Whitaker/Folhapress - Luciana Whitaker/Folhapress
Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa em seu apartamento em Copacabana, em 1992
Imagem: Luciana Whitaker/Folhapress

Por muitos anos, Aracy era apenas conhecida como a mulher de Guimarães Rosa. Mas ao ter a sua história contada, percebemos que ela não era só isso. Como nos quadrinhos ou nos filmes baseados nessas histórias, seu jeito reservado e discreto poderia ser visto como uma espécie de disfarce, protegendo sua versão heroína. Sim, porque livrar centenas de pessoas da morte, passando por cima de leis, ordens, desafiando a sanha de Hitler e seus asseclas, convenhamos que há de se ter uma dose generosa de heroísmo. Ou altruísmo.

O reconhecimento veio no início dos anos 80, quando ganhou o título de "Justos entre as Nações", honraria concedida pelo Memorial do Holocausto, em Israel, como reconhecimento aos não judeus que protegeram vidas durante a guerra. Aracy também é homenageada no Museu do Holocausto, em Washington. A heroína brasileira morreu aos 102 anos, deixando um filho, quatro netos e oito bisnetos.