Joyce Pascowitch

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Opinião

'Fim' resgata suruba que dá saudade nos dias de hoje de tanto sexo sem sal

Que mal-estar, que desconforto. Que sensação de estômago embrulhado. Esse é o resumo do que eu senti quando comecei a assistir aos primeiros episódios de "Fim", essa minissérie da Globoplay baseada na obra homônima de Fernanda Torres.

Li o livro lá atrás em 2013, quando foi lançado, e lembro que gostei muito e que também fiquei mexida, mas nada comparado ao que senti esses dias, assistindo aos seis episódios disponíveis por enquanto. Aquelas cenas de praia com os biquínis largos daqueles tempos, aquela trilha sonora, aquela maconha rolando solta caíram perfeitamente com a fotografia e os figurinos.

Mas nada conseguiu desviar minha atenção daqueles desencontros todos. Marjorie Estiano está sublime — como sempre —, Fábio Assunção idem, o elenco afinado.

No meio daquele cenário de frustrações, de casais disfuncionais, fui afundando e ficando muito angustiada. Fiquei pensando naquelas paixões, naquelas surubas, naquela cheiração desenfreada de cocaína, naquele uísque todo. Veio de repente na minha cabeça uma comparação com esses amores fluídos, líquidos, de hoje em dia.

Pensei nas raves e nas baladas, nas drogas sintéticas e no sexo híbrido dos millennials. Uma palavra veio na minha cabeça e tem vindo a cada vez que eu assisto a um capítulo novo de "Fim": sarcasmo. Aquele sarcasmo de Nelson Rodrigues misturado com o de João Ubaldo Ribeiro. Sarcasmo e libertinagem, palavras que não fazem o menor sentido neste século 21 onde o amor é blasé e o sexo meio sem sal.

Em algum momento me lembro do livro "A Casa dos Budas Ditosos", de João Ubaldo, daquela bandalheira toda, daquela liberdade que parecia não ter fim.

Por outro lado, tentei fazer um paralelo, mas a tristeza reinante e esse desconforto e mal-estar em nada lembram as novelas com as quais estamos tão habituados, que tentam resistir mal e mal a estes tempos, à base de cenas idílicas na natureza, personagens engraçadinhos e dilemas de amor.

Mas a verdade é que elas estão indo ladeira abaixo, salvo raríssimas exceções nos últimos tempos, como "Pantanal" e "Vai na Fé". A cocaína, a maconha, a praia, o uísque, a falta de encontros e as relações típicas de um Rio de Janeiro nos anos 70 são tão de verdade em "Fim" que chegam a machucar.

Não tem válvula de escape e muitas vezes não tem amor: só tem a verdade nua e crua. Eu preciso sinceramente de sonho para enfrentar tudo isso que a gente está vivendo.

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Celebro "Fim" como uma obra de arte. Mas a verdade é dura demais para ser encarada assim.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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