Flavia Guerra

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Blat aponta guerra civil em 'Grande Sertão': 'É sobre o absurdo brasileiro'

"Esse filme é sobre o absurdo brasileiro. O absurdo. A gente vive no país mais violento do mundo. Uma guerra civil instalada em todas as cidades, em todas as periferias de todas as cidades. Desde que a gente era colônia até hoje essa história nunca acaba."

Assim, o ator Caio Blat sintetiza perfeitamente "Grande Sertão", versão 2024 para o cinema de "Grande Sertão: Veredas", clássico que João Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu em 1956, que chega nesta semana a mais de 120 salas de todo o País.

Então, esse filme poderia estar em qualquer época do Brasil. E no meio disso a gente é um país que para dois, três dias, borda detalhadamente a sua roupinha para sair na rua, no carnaval, celebrando a poesia, a alegria, a esperança, o amor. Então este filme é sobre o absurdo brasileiro, como o amor mais violento e mais irresistível pode nascer no meio da guerra e no meio mais precário. Caio Blat

Obra incontornável quando se discute não só a literatura brasileira, mas o caráter e o imaginário do chamado Brasil profundo, o do sertão, das veredas, das gerais, dos rincões, onde o Estado não chegava, onde as guerras e as batalhas eram tão épicas quanto triviais, mas onde também a poesia, feito os personagens e os neologismos, brotavam em terreno árido, mas, paradoxalmente, fértil.

Riobaldo (Caio Blat) entra para a guerra por amor à Diadorim (Luísa Arraes) em "Grande Sertão"
Riobaldo (Caio Blat) entra para a guerra por amor à Diadorim (Luísa Arraes) em "Grande Sertão" Imagem: Ricardo Brajterman / Divulgação

Transpor a tragédia e a paixão de Riobaldo e Diadorim e de todo o povo brasileiro das veredas para a tela de cinema nunca foi tarefa fácil. Houve uma primeira versão de 1964, "Grande Sertão: Veredas", de Geraldo Santos Pereira. Houve a versão para a TV de 1986, com Bruna Lombardi no papel de Diadorim e Tony Ramos no de Riobaldo na TV Globo.

Teve também incontáveis versões para o teatro. Uma das mais recentes e belas, a de Bia Lessa, que também se tornou filme, "O Diabo na Rua no Meio do Redemuinho", também trazia Caio e Luísa Arraes no elenco.

Luísa Arraes é Diadorim em versão contemporânea de "Grande Sertão: Veredas", que estreia nesta semana nos cinemas
Luísa Arraes é Diadorim em versão contemporânea de "Grande Sertão: Veredas", que estreia nesta semana nos cinemas Imagem: Helena Barreto/ Divulgação

Agora, a versão de Guel Arraes, escrita em parceria com Jorge Furtado, e com direção de segunda unidade e produção artística de Flávia Lacerda, traz para um Brasil futurista, mas também contemporâneo, esta saga. Parece contraditório, mas situar a trama em uma comunidade, ou favela, em uma guerrilha entre a polícia e as facções (que também guerreiam entre si) é falar dos rincões onde o Estado também não alcança.

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Riobaldo é um professor de uma escola de comunidade, dilapidada pelas batalhas e pelo abandono, que tenta, entre uma aula sobre A Inconfidência Mineira, outra sobre Canudos, educar as crianças para a paz.

Por causa da guerrilha urbana, mais precisamente por uma ação criminosa de Hermógenes (Eduardo Sterblitch), o mal encarnado que desobedece à ordem de paz e respeito ao acordo firmado entre o líder do bando Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) e a polícia (na figura de Zé Bebelo, Luís Miranda), uma menina, aluna de Riobaldo e filha de Otacília (Mariana Nunes) morre.

Luís Miranda vive Zé Bebelo, policial que preza a palavra e a lei, mas entra em conflito com o bando de Joca Ramiro em "Grande Sertão"
Luís Miranda vive Zé Bebelo, policial que preza a palavra e a lei, mas entra em conflito com o bando de Joca Ramiro em "Grande Sertão" Imagem: Divulgação

É o estopim para que a paz, que provoca tédio em Hermógenes e em muitos, dê lugar a uma guerra sem fim. No meio dela, o pacato Riobaldo reencontra Diadorim (Luísa Arraes), menino que o encantou ainda na infância. O professor salva o guerrilheiro da morte em um confronto com a polícia e, por amor e por destino, entra também na guerra.

A partir daí, à medida que a paixão entre os dois cresce e se aprofunda e a confusão também. Afinal, Riobaldo, como diz a Diadorim, é "homem, muito homem. E homem por mulheres". Está instalado o grande paradoxo do amor, cuja flor tem muitos nomes, e do que se deve ser diante da sociedade. Este paradoxo se soma ao paradoxo do Brasil, como disse Caio, pois como viver e sentir tamanho amor em meio a tanta violência?

Para Luísa Arraes, que buscou seu masculino mais profundo para viver personagem tão fascinante, uma paixão tão avassaladora só nasceria em meio à guerra. "Há uma coisa bonita que é que uma paixão como esta só pode nascer num lugar de muita dor Ninguém se apaixona quando está feliz. Eles estão no meio da guerra, para morrer. Imagina a paixão que nasce disso. E ainda mais porque é proibido. Ela dura cem vidas."

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Quando você realiza, as coisas se atenuam. Então, é uma paixão que nasce no auge do amor, da morte. Porque a paixão tá aqui com a morte. Paixão é sofrimento. Neste caso, não foi realizado. São duas palavras que é difícil separar, ainda mais na história deles. A paixão em si é o sofrimento em si. Luísa Arraes para Splash

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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